Centrão quer troca de ministros para tentar moldar Bolsonaro em 2022
O primeiro da lista é Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, tido como um dos principais reesposáveis por fracassos de ações contra o novo coronavírus
Incomodados com a condução do governo Jair Bolsonaro no enfrentamento à pandemia da Covid-19, líderes do centrão reforçaram nesta semana os pedidos para que o presidente troque auxiliares considerados ideológicos, sob pena de perder apoios no Congresso e até nas eleições de 2022.
Considerado um dos principais responsáveis por fracassos de ações de combate ao coronavírus, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, está em primeiro lugar na mira dos principais caciques do grupo, formado por partidos como PP, PL, Republicanos, PTB e Solidariedade.
Em segundo está o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente), cuja atuação à frente da pasta gera críticas e problemas diplomáticos para o Brasil no exterior.
O sentimento no Parlamento foi resumido no discurso do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), na noite desta quarta-feira (24), no qual ele subiu o tom contra o governo e afirmou em sinal de ameaça que a crise atual pode resultar em “remédios políticos amargos”, “alguns, fatais”.
O pronunciamento foi motivado por pressão de parlamentares que temem se tornarem cúmplices em fracassos de Bolsonaro na gestão da pandemia e de outras áreas. O recado foi claro.
O presidente da Câmara falou no risco de uma “espiral de erros de avaliação”, disse que não estava “fulanizando” e que se dirigia a todos os que conduzem órgãos diretamente envolvidos no combate à pandemia.
“Os remédios políticos no Parlamento são conhecidos e são todos amargos. Alguns, fatais. Muitas vezes são aplicados quando a espiral de erros de avaliação se torna uma escala geométrica incontrolável”, afirmou o presidente da Câmara.
Nesta quinta-feira (25), Lira foi recebido por Bolsonaro, que o acompanhou até o carro, na saída, retornando depois ao seu gabinete pelo térreo no Palácio do Planalto, local em que raramente transita.
Nesse momento, o presidente foi abordado por jornalistas.
“Eu conversei com o Lira, não tem problema nenhum entre nós, zero problema. Conversamos sobre muitas coisas. O que nós queremos juntos é buscar maneira de contratarmos mais vacinas. Na ponta da linha, fazer que chegue as informações de que as vacinas estão sendo realmente aplicadas. Isso que nós queremos.”
Nessa rápida entrevista, Bolsonaro também se referiu a Lira como um “velho amigo de Parlamento”.
A ida de Lira ao Planalto para conversar com o chefe do Executivo fez parte de um movimento para aparar arestas no dia seguinte ao discurso que fez no plenário da Câmara. O gesto reflete a estratégia do centrão, que é de não desembarcar ou tomar decisões definitivas antes da hora.
A avaliação de líderes do centrão é que Bolsonaro precisa deixar o grupo ditar rumos ao país diante de uma política errada do governo porque os partidos não estão dispostos a sair mal na foto e, como consequência, serem derrotados nas eleições do ano que vem.
O presidente precisa também ter um discurso constante, dizem parlamentares. Até mesmo aliados do governo ficaram irritados com duas atitudes de Bolsonaro nesta quinta-feira.
Em uma delas, o presidente comentou nas redes sociais a decisão do governo alemão de cancelar um lockdown rígido no país durante a Semana Santa, dizendo que a mudança ocorreu porque os efeitos do confinamento seriam mais graves do que as consequências do vírus —algo que não foi dito pela chanceler Angela Merkel.
Bolsonaro, no entanto, omitiu o motivo do recuo do governo alemão: o aviso sumário não dava tempo para o cancelamento de planos da população, e por isso foi revisto.
Em outra frente, Bolsonaro voltou a criticar prefeitos e governadores em cerimônia no Planalto. Ambos os gestos ocorreram um dia depois de o presidente reunir autoridades federais e estaduais para um encontro de pacificação em torno do combate à Covid.
O encontro serviu para materializar a guinada que Bolsonaro indicava que daria no discurso contra o coronavírus, quando passou a usar máscaras e evitando embates com gestões estaduais e municipais.
As declarações desta quinta irritaram integrantes do Congresso próximos do Executivo, para quem o presidente voltou a privilegiar o discurso para “as redes sociais” e sua base mais ideológica em troca de preservar a relação com o Legislativo, governadores e atuar para combater a pandemia.
O mandatário já contabilizou um desgaste com o centrão neste ano, durante o processo de substituição do general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde. O grupo queria a médica Ludhmila Hajjar no posto, mas Bolsonaro preferiu nomear o cardiologista Marcelo Queiroga.
Agora, na avaliação de deputados aliados, ou o governo dá um cavalo de pau na política externa mesmo com Araújo no cargo, ou o retira. Caso contrário, vai perder gradualmente apoios no Legislativo.
Como consequência, o governo pode ter projetos prioritários parados, ministros convocados e aberturas de CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito), o que representa desgaste para o Executivo.
À Folha um dirigente de um grande partido do centrão afirmou sob reserva que se Bolsonaro não se moldar ao que os partidos avaliam como mudanças necessárias no governo e na postura do mandatário, ele não terá apoio garantido em 2022.
Destoando do padrão de outras semanas, nesta quinta Bolsonaro fez uma live de apenas 20 minutos —elas costumam durar uma hora ou mais— e sem convidados.
As dúvidas sobre a próxima eleição aumentaram principalmente depois de o STF (Supremo Tribunal Federal) ter anulado condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e aberto caminho para o petista se candidatar no pleito do ano que vem.
Outro líder do centrão, o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), rechaçou a possibilidade de desembarque do governo tanto agora como em 2022, em entrevista à coluna Painel no início desta semana.
“Bolsonaro já teve momentos bons e ruins, sempre oscilando, mas a gente tem certeza que o Bolsonaro que vai disputar a eleição é o do próximo ano, não o de hoje. Não vejo a menor perspectiva de não estarmos com ele”, afirmou o senador.
O pronunciamento duro de Lira teve apoio inclusive de líderes do governo.
“O discurso foi assertivo, na direção de facilitar ao governo tomar medidas que permitam combater a pandemia de forma mais eficaz”, afirmou à Folha o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).
Apesar do recado, as chances de um pedido de impeachment andarem são consideradas remotas por caciques do centrão, principalmente por não verem no vice-presidente Hamilton Mourão uma alternativa a Bolsonaro.
O presidente da Câmara, inclusive, fez questão de afirmar a Bolsonaro, no encontro desta quinta, que não há chances de autorizar a abertura de um processo de impeachment.
A aliança de Bolsonaro com o centrão, buscada pelo presidente no ano passado diante de uma série de pedidos de impeachment que se acumulavam na Câmara, enterrou de vez o discurso bolsonarista, explorado à exaustão durante a campanha de 2018, de que o presidente não se renderia ao que chamava de a velha política do “toma lá, dá cá”.
Para atender o centrão e ajudar na eleição de Lira à presidência da Câmara, o governo faz promessas de liberação de bilhões em emendas parlamentares e chegou a cogitar até a recriação de ministérios, contrariando outro discurso da campanha, o do enxugamento da máquina pública.
No discurso desta quarta, Lira propôs adotar um esforço concentrado para a pandemia por duas semanas, atrasando a tramitação de outros projetos para votar textos que tenham como objetivo ajudar no enfrentamento da Covid.
“E CPIs ou lockdowns parlamentares, medidas com níveis decrescentes de danos políticos, devem ser evitados. Mas isso não depende apenas desta Casa”, afirmou o líder do centrão. “Depende também, e sobretudo, daqueles que fora daqui precisam ter a sensibilidade de que o momento é grave, a solidariedade é grande, mas tudo tem limite.”
O desgaste de Bolsonaro também é observado na outra Casa do Congresso. Na última segunda-feira (22), sem citar nominalmente o mandatário, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), criticou duramente quem adota uma postura negacionista frente à pandemia, argumentando que esse tipo de comportamento se tornou uma “brincadeira de mau gosto, macabra e medieval”.