REVERSÃO

CGU reverte sigilo de processo sobre Pazuello, e Exército diz que divulgação afeta imagem de comandante

A CGU (Controladoria-Geral da União) enviou na noite desta segunda-feira (23) à Folha cópia de documento em…

A CGU (Controladoria-Geral da União) enviou na noite desta segunda-feira (23) à Folha cópia de documento em que determina que o Exército forneça, em um prazo máximo de 20 dias, os extratos do procedimento administrativo que livrou de punição o general da ativa Eduardo Pazuello.

Ex-ministro da Saúde, o oficial participou de um ato político no dia 23 de maio, no Rio de Janeiro, ao lado do presidente Jair Bolsonaro.

A decisão da CGU atendeu parcialmente a recurso apresentado pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação e, na prática, derruba em parte a decisão do Exército de impor um sigilo de 100 anos sobre o caso.

Em sua decisão, a CGU lista argumentos feitos pelo Exército para a manutenção do sigilo, entre eles a afirmação de que a publicidade dos documentos irá afetar a imagem do comandante da Força, o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, além de ter reflexo nos preceitos de hierarquia e disciplina.

“[O comando do Exército] defendeu que (…) a questão em tela [o sigilo de 100 anos] objetiva preservar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem do oficial [Pazuello], bem como resguardar os preceitos constitucionais da hierarquia e da disciplina, no âmbito das Forças Armadas”, diz o texto citado na instrução do caso pela CGU.

“Além disso”, prossegue a instrução da controladoria, o Exército destacou que “a divulgação de processo administrativo disciplinar afeta a imagem do superior hierárquico [o general Paulo Sérgio] com reflexos na liderança e menoscabo dos preceitos hierárquicos e disciplinares, imprescindíveis à sobrevivência das Forças Armadas”.

Em maio, Pazuello, então já ex-ministro da Saúde, subiu em um palanque no Rio de Janeiro ao lado de Bolsonaro. O presidente atacou as medidas de prevenção à Covid e, ao lado do general, afirmou: “Meu Exército jamais irá às ruas para manter vocês dentro de casa.”

A vedação de participação em atos políticos, existente para militares da ativa, está prevista no regulamento disciplinar do Exército, vigente por decreto desde 2002, e no Estatuto dos Militares, uma lei em vigor desde 1980.

A decisão de não punir Pazuello foi do comandante do Exército. Ele cedeu à pressão de Bolsonaro, que agiu para que o aliado não fosse punido.

A costura da absolvição passou pelo gabinete do ministro da Defesa, general Walter Braga Netto. Depois do episódio, Pazuello ganhou um cargo no Palácio do Planalto.

Assim que a decisão do Exército foi tomada, a Folha ingressou com pedido de Lei de Acesso à Informação solicitando toda a documentação relativa à análise da transgressão, assim como áudios e vídeos das reuniões em que o assunto foi debatido. À CGU o Exército disse que não há áudios ou vídeos.

Em resposta aos pedidos da Folha via LAI, o Exército negou por duas vezes o fornecimento da documentação, a última delas em ofício assinado pelo gabinete do comandante, o general Paulo Sérgio.

Conforme previsto na lei de acesso, a Folha recorreu à CGU no final de junho.

Na instrução do pedido, a pareceirista da CGU Fabiana Nepomuceno da Cunha informa que o órgão entrou em contato com o comando do Exército para solicitar detalhes sobre a razão da imposição de sigilo de 100 anos sobre o caso.

Em resposta, relata a servidora, o Comando do Exército “salientou que mantém o entendimento de que o processo “regula uma relação personalíssima entre o militar e o seu comandante”.

E acrescenta a Força que os documentos que o compõem estariam permeados de informações pessoais, “com graves reflexos aos preceitos constitucionais da hierarquia e da disciplina, essenciais à condução de homens armados, com graves prejuízos à liderança, na hipótese de o acesso não ser preservado”.

A servidora da CGU rebateu esse argumento, afirmando não haver relação “personalíssima”. “Não se trata de uma relação pessoal, pois se relaciona com a situação funcional do militar, uma vez que o procedimento visa avaliar se houve transgressão disciplinar decorrente de uma relação profissional”.

[olho author=””]Não se trata de uma relação pessoal, pois se relaciona com a situação funcional do militar, uma vez que o procedimento visa avaliar se houve transgressão disciplinar decorrente de uma relação profissional, disse Fabiana Nepomuceno da Cunha, pareceirista da CGU[/olho]

A instrução da CGU relata ainda que, em um segundo momento, o Exército apresentou “novos elementos para negar o acesso, agregando alegações relacionadas com os princípios da hierarquia e da disciplina que norteiam o meio militar”.

A servidora relata que o Exército diz ter publicado o desfecho do caso em boletim interno e ressalta que essa prática é normalmente usada, pelas regras, na aplicação de punições.

“Deixar de fornecer acesso a um procedimento disciplinar pode significar que a negativa decorre do fato de que houve a aplicação de uma punição, que deveria ter sido aplicada em caráter reservado ou apenas na frente de superiores ou de pares do transgressor.”

“E assim, a negativa de acesso levaria à conclusão lógica de que o sigilo implicaria na existência de punição. Por outro lado, a punição pode não ter ocorrido.”

“Assim, em determinadas circunstâncias, a negativa de acesso pode ensejar prejuízo para aqueles militares que passaram pelo procedimento, mas demonstraram a lisura da sua conduta e não sofreram qualquer punição.”

Em conclusão, ela opinou pelo fornecimento à Folha de toda a documentação relativa ao caso.

A Coordenadora-Geral de Recursos de Acesso à Informação da CGU, Renata Alves de Figueiredo, discordou em parte da pareceirista, afirmando que “o fato de não haver punição não pode ser compreendido como ausência de risco aos pilares da hierarquia e disciplina” e opinou pelo fornecimento apenas dos extratos do procedimento disciplinar.

Responsável pela decisão final, o ouvidor-geral da União, Valmir Gomes Dias, seguiu a posição da coordenadora de recursos.

Cabe recurso final à Comissão Mista de Reavaliação de Informações, órgão composto por dez ministérios e que representa a última instância administrativa na análise de negativas de acesso à informação.

A transgressão disciplinar, levando em conta o que está previsto em lei e o que avaliavam integrantes do Alto Comando, teria ocorrido da seguinte forma:

  • regulamento disciplinar do Exército, instituído por decreto em 2002, se aplica a militares da ativada reserva e a reformados (aposentados). Um anexo lista 113 transgressões possíveis
  • transgressão de número 57 é a que mais compromete Pazuello: “Manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária.” Não há informação, até o momento, de que Pazuello tivesse autorização de seus superiores no Exército para a manifestação política a favor de Bolsonaro
  • Outras transgressões listadas são “faltar à verdade ou omitir deliberadamente informações que possam conduzir à apuração de uma transgressão disciplinar”; “portar-se de maneira inconveniente ou sem compostura”; e “frequentar lugares incompatíveis com o decoro da sociedade ou da classe”
  • comandante do Exército, a quem cabe aplicar a punição, pode cometer uma transgressão disciplinar se deixar de punir o subordinado transgressor, segundo o mesmo regulamento
  • propósito do regramento, conforme a lei, é preservar a disciplina militar. Existe disciplina quando há “acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições”;
  • Para julgar uma transgressão, são levados em conta aspectos como a pessoa do transgressor, a causa, a natureza dos fatos e as consequências. Se houver interesse do sossego público, legítima defesa, ignorância ou atendimento a ordem superior, a transgressão pode ser desconsiderada, o que não parece se enquadrar no caso de Pazuello
  • O acusado tem direito a defesa, manifestada por escrito. O bom comportamento é um atenuante. As punições vão de advertência e repreensão a prisão e exclusão dos quadros, “a bem da disciplina”
  • O caso de Pazuello pode se enquadrar ainda no Estatuto dos Militares, uma lei em vigor desde 1980. O artigo 45 diz que “são proibidas quaisquer manifestações coletivas, tanto sobre atos de superiores quanto as de caráter reivindicatório ou político

OS DIFERENTES DISCURSOS SOBRE O ATO NO RIO

18.mai
Jair Bolsonaro, em mensagem em vídeo publicado pelo deputado Otoni de Paula (PSC-RJ)

  • “Amigos do Rio de Janeiro, no próximo domingo, dia 23, juntamente com o [deputado] Otoni de Paula, vamos dar um passeio de moto no Rio de Janeiro. Fui convidado por várias associações e agora vou neste compromisso, motivo de honra e satisfação, voltar ao nosso querido Rio de Janeiro. Até domingo, se Deus quiser”

23.mai
Jair Bolsonaro, em manifestação com motoqueiros no Rio de Janeiro, no dia 23 de maio

  • “Um momento como este não tem preço. Ser reconhecido e ser, porque não dizer, aplaudido por parte da população apesar das dificuldades”
  • “Vamos sim, cada vez mais, fazendo com que as pessoas eleitas por você melhorem a sua qualidade. E nós temos este compromisso”
  • “Imaginem se o poste tivesse sido eleito presidente da República [referência a Fernando Haddad]. Como estaria nosso Brasil no dia de hoje?”

Eduardo Pazuello, em manifestação com motoqueiros no Rio de Janeiro, no dia 23 de maio

  • “Eu não ia perder esse passeio de moto de jeito nenhum. Tamo junto, hein? Tamo junto. Parabéns pra galera que está aí, prestigiando o PR [presidente]. PR é gente de bem. PR é gente de bem. Abraço, galera”

Flávio Bolsonaro, em rede social

  • “Hoje foi mais um dia histórico! Apesar de todo esse apoio, não são os brasileiros que estão com Bolsonaro, é o presidente que está com o povo”
  • “A melhor pesquisa eleitoral é o povo, ao qual [sic] o presidente nunca saiu do lado! […] Verdadeira festa da democracia!!”

Carlos Bolsonaro, em rede social

  • “Obrigado a todos pelo apoio gigantesco que oferecem ao meu pai! Isso certamente jamais será desconsiderado!”

Mario Frias, em rede social

  • “O DATAPOVO informa: não adianta chorar. É o presidente mais amado da história!!!”

27.mai
Jair Bolsonaro, em live semanal

  • “É um encontro que não teve nenhum viés político, até porque eu não estou filiado a partido político nenhum ainda. Foi um movimento pela liberdade, pela democracia e apoio ao presidente”

3.jun
Jair Bolsonaro, em live semanal

  • “A punição existe nas Forças Armadas. Ninguém interfere, a decisão é do comandante da unidade. E a disciplina só existe porque nosso código disciplinar é bastante rígido”