AVALIAÇÃO

Cientistas políticos analisam recuo de Caiado na emissão de decreto

Imagem do governador dependerá de sua próxima "mexida no tabuleiro", diz Marcos Marinho; "decisões de agora lhe darão a marca com a qual terá que conviver, para o resto de sua vida política”, afirma Luiz Signates

O professor e consultor de marketing político Marcos Marinho, que é mestre em comunicação e doutorando na área, acredita que o recuo do governador Ronaldo Caiado (DEM) na edição de um novo decreto, que deveria endurecer ainda mais a quarentena de combate ao novo coronavírus (Covid-19) em Goiás, pode gerar um nível de desconstrução da imagem do gestor, conhecido, desde o começo do mandato, por ser bastante contundente em sua postura. O professor Luiz Signates, doutor em Ciências da Comunicação e Especialista em Políticas Públicas, avalia: “Ele se arrisca a produzir a imagem de um governante indeciso, capaz de prejudicar a população para ceder a interesses econômicos. Mas, ao mesmo tempo, revela capacidade de negociação e de compatibilizar a pressões. Ele sabe que não é possível governar sozinho.”

Para Marcos Marinho, com o recuo de Caiado, o momento é sensível e a situação dele vai depender de como ele se comportará na próxima “mexida no tabuleiro“. Ele cita que o gestor invocou uma justificativa bíblica como estratégia, de “lavar as mãos” (como Pôncio Pilatos), a fim de dividir a responsabilidade do que virá na pandemia. Porém, mesmo assim não é possível sair com a imagem ilesa, segundo o consultor de marketing político. “Outros grupos, que tentam ocupar o espaço do governador, começam a ver que ele não tem a força que aparentava, o que pode atrapalhar um pouco o projeto político dele.”

Signates também aborda as pressões. “Começou bem. Reagiu à altura contra o coronavírus, mas, infelizmente, sofre a pressão do ‘bolsonarismo’ rasteiro e irresponsável – que, em Goiás, é justamente o seu eleitorado típico –, diante da tragédia da pandemia que abate sobre o mundo, sustentado por interesses radicados na indiferença do mercado.” Para ele, o governador é pressionado por seu eleitorado e pela história. “Suas decisões de agora lhe darão a marca com a qual terá que conviver, para o resto de sua vida política.”

Pressões

Ainda sobre as pressões, Marinho relembra que Caiado rompe com o Bolsonaro, de forma midiática [faz questão de ressaltar], em decorrência do negacionismo do presidente. “Mas Caiado está se sentindo pressionado pela política. O ambiente político, diferente do que muitos pensam, não detém todo o poder sobre a sociedade. Caiado, como qualquer outro ator político, vive em um ambiente em que sempre há embates de forças. O mercado financeiro tem poder, as elites sociais, as elites religiosas, associações de classe…”

Segundo ele, o líder do Executivo estadual percebeu que, no contexto atual, diante da ignorância da sociedade sob o que é feito para o seu próprio bem, não valeria a pena se desgastar e derreter [ainda mais do que cedendo] a sua imagem. “Não vale a pena endurecer sozinho. Como não há, no Brasil, um alinhamento entre as esferas de decisão política, ele percebeu que estava perdendo a guerra.” Marinho lembra que os prefeitos começaram, também, a sucumbir às pressões que recebem.

“Então, Caiado endureceria ainda mais, dobrava a aposta, sendo o mais rígido do País, sem correspondência de outros governadores e dos próprios prefeitos. Assim, ele começou a querer dividir o ônus”, destaca.

Contradição

O professor Signates aponta que Caiado lida com a contradição própria da direita brasileira contemporânea. “De um lado, a tradição liberal-democrata que fez a revolução francesa e fundou a tradição dos direitos humanos no mundo do pós-guerra; e, de outro, a ascensão bolsonarista da direita truculenta e autoritária da tradição coronelista e golpista do Brasil.”

Mas para ele, “Caiado é um governante com ética própria e autoridade para governar, e sabe o que deve ser feito. É uma direita que não estaria, a meu ver, disposta a rasgar a Constituição, nem trair seu eleitorado”. Porém, precisou ceder.

Sobre seguir a linha do presidente, ela aponta como visão pessoal que Bolsonaro é uma imagem em franca decadência e que ficar do lado dele, nessa crise, com a mortalidade crescente da população vitimada pela pandemia, significará, para os governadores, um suicídio político. “Sem jamais desejar isso, temo que o Brasil esteja caminhando para uma catástrofe sanitária de grandes proporções. O que restará disso, só a história para dizer. Na minha visão, Bolsonaro não será um dos sobreviventes. E é a experiência dos países do mundo inteiro que está mostrando isso”, finaliza.