INTERNET & POLÍTICA

Como um vídeo de Bolsonaro gerou revolta e demissão no Facebook

Reportagem da edição desta semana da revista “New Yorker” revela como uma live de Jair Bolsonaro…

Reportagem da edição desta semana da revista “New Yorker” revela como uma live de Jair Bolsonaro provocou revolta e debate acalorado no alto escalão do Facebook, culminando na demissão de um engenheiro. Ele pediu para sair inconformado com a aparente condescendência dos executivos da rede social com supostas violações das regras da plataforma pelo presidente brasileiro. 

A live controversa foi aquela em que Bolsonaro afirmou que “cada vez mais, o índio é um ser humano igual a nós”, gravada em janeiro passado. Segundo conta Andrew Marantz — que assina a reportagem da “New Yorker” e é autor do livro “Antisocial”, sobre extremismo on-line —, notícias sobre a declaração do presidente chocaram David Thiel, um especialista em cibersegurança baseado na sede do Facebook, em Menlo Park, Califórnia. 

Ele ficou ainda mais inconformado quando constatou que o Facebook não havia removido o vídeo, apesar de clara violação à regra que veda discursos que “desumanizem” ou classifiquem de sub-humano qualquer grupo ou etnia (em português, os termos falam em conteúdo “degradante”).

‘Politicamente incorreto’ 

Prontamente, Thiel publicou na Workplace, rede social interna do Facebook, um questionamento sobre a permanência do vídeo na plataforma. Dois experts, um em Brasília e outro em Dublin, avaliaram a queixa e concluíram que a declaração de Bolsonaro não violava as regras. De acordo com a reportagem, o especialista baseado em Brasília justificou a decisão informando que Bolsonaro é “politicamente incorreto” e que, na verdade, o presidente falava em sentindo figurado. 

“Na verdade, ele quis dizer que os índios estão se tornando mais integrados à sociedade”, explicou o especialista, de acordo com a “New Yorker”.    

Thiel discordou da avaliação e suspeitou da objetividade do colega, “já que ele havia trabalhado para pelo menos um político pró-Bolsonaro”, descreveu a revista. O engenheiro recorreu, então, a instâncias superiores, e pelo menos quatro membros do time responsável pela política de conteúdo do Facebook concordaram em se reunir virtualmente com Thiel para debater o tema.

PowerPoint 

O engenheiro estava tão inconformado com a tolerância do Facebook com Bolsonaro que preparou um PowerPoint de 15 slides para convencer a “banca” de que o brasileiro violou, sim, as regras da plataforma. Segundo a reportagem, a apresentação recorria até a definições de dicionário e outras declarações racistas de Bolsonaro para provar seus argumentos. Um dos slides lembrava um discurso em que Mark Zuckerberg dizia que declarações “desumanizantes” são o primeiro passo para a incitação da violência.  

Mas os interlocutores se mostraram irredutíveis, segundo Thiel, interrompendo seus argumentos e questionando a credibilidade do engenheiro. Em março, dois meses depois da live de Bolsonaro, Thiel se demitiu, revoltado com a complacência de seus superiores.    

“O Facebook está hoje cada vez mais alinhado com os ricos e poderosos, permitindo que eles sigam regras diferentes”, acusou o engenheiro, em post publicado na rede social interna no dia de sua saída.   

Segundo a revista, pouco depois de Thiel postar sua despedida, o time de conteúdo contatou o engenheiro contando que haviam mudado de ideia sobre o discurso do Bolsonaro. Ele preferiu sair mesmo assim.

Hoje, Thiel é diretor técnico do Observatório da Internet de Stanford, universidade mais prestigiosa do Vale do Silício. 

(Atualização: Após a publicação da nota pela coluna, o Facebook enviou a seguinte nota à Capital:   

“Proibimos discurso de ódio e aplicamos nossas regras de conteúdo globalmente, independentemente da posição ou afiliação política de quem publicou. Sabemos que temos mais a fazer, mas estamos progredindo na forma como aplicamos nossas regras e auditamos nossos processos com frequência para garantir precisão e imparcialidade”.)