CPI da Covid no Senado estreia sob embate judicial e tenta focar atraso em vacinas
Após ação de deputada bolsonarista, liminar barra Renan na relatoria, mas presidente do Senado diz que decisão não será cumprida
Principal teste político de Jair Bolsonaro, a CPI da Covid está marcada para ser instalada nesta terça-feira (27) no Senado em meio a um embate na Justiça entre aliados do presidente e senadores independentes ao governo e uma guerra de narrativas sobre o combate à Covid-19.
Em minoria na comissão, com apenas 4 representantes dos 11 indicados, o Palácio do Planalto falhou em articular indicações e estratégias que pudessem favorecê-lo no colegiado e por isso adotou estratégias para tentar barrar como relator a indicação de Renan Calheiros (MDB-AL), considerado um senador de oposição.
Na noite desta segunda (26), um dia antes da data marcada para a primeira sessão, a Justiça Federal do Distrito Federal concedeu uma decisão liminar (provisória) para impedir que Renan seja nomeado relator.
A decisão é do juiz Charles Morais, da 2ª Vara Federal do DF, e foi proferida em uma ação popular movida pela deputada Carla Zambelli (PSL-SP), uma das principais apoiadoras de Bolsonaro no Congresso.
O argumento é o de que Renan, por ter um filho governador (Renan Filho, de Alagoas), não poderia assumir a relatoria, que conduz as investigações de uma CPI que irá apurar ações e omissões do governo federal na pandemia, além de repasses federais a estados e municípios.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), no entanto, disse que não vai cumprir a decisão, conforme antecipou a coluna Painel, da Folha. “Trata-se de questão interna corporis do Parlamento, que não admite interferência de um juiz”, afirmou.
À Folha Renan disse que a decisão é anômala por impedi-lo de ser eleito para um cargo que, na verdade, se dá por indicação do presidente da comissão. A regra está prevista no inciso 3 do artigo 89 do Senado.
“Nunca antes houve uma decisão tão descomunal como esta”, afirmou o senador. Em razão do que consideram ser um erro da decisão judicial, aliados do emedebista dizem que Renan pode ser indicado nesta terça para a relatoria da CPI.
Na nota emitida por Pacheco, o presidente do Senado diz que “a escolha de um relator cabe ao presidente da CPI, por seus próprios critérios”, e completou: “A preservação da competência do Senado é essencial ao Estado de Direito. A Constituição impõe a observância da harmonia e independência entre os Poderes”.
Renan disse que recorreria, que a medida era “esdrúxula” e sem “precedente na história do Brasil” e foi “orquestrada pelo governo Jair Bolsonaro e antecipada por seu filho”. “Estamos entrando com recurso e pergunto: por que tanto medo?”
Com a determinação do magistrado, o governo Bolsonaro esperava conseguir ao menos adiar a instalação da CPI, mas não funcionou.
Segundo o senador Otto Alencar (PSD-BA), o mais velho do colegiado e responsável por presidir a instalação da CPI, seria “impossível” ocorrer o adiamento da primeira sessão do colegiado.
“Vai haver a eleição para a escolha do presidente e do vice. Vamos fazer isso nesta terça, às 10h. Não muda nada. Não existe eleição para relator”, disse à Folha.
A pessoas próximas Renan Calheiros afirmou que seu objetivo inicial como relator é entender o que levou o Brasil a demorar a assinar contratos para a compra de imunizantes e os entraves que geraram demora na entrega de insumos ao país.
A oposição já pretendia colocar a questão das vacinas contra Covid no centro do debate, principalmente por conta das ações do presidente relativas à Coronavac —a vacina desenvolvida em uma parceria entre o laboratório Sinovac e o Instituto Butantan, ligado à gestão paulista de João Doria (PSDB).
Bolsonaro chegou a desautorizar publicamente a compra do imunizante, além de atacá-lo repetidas vezes.
O assunto, no entanto, ganhou nova dimensão após entrevista do ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten, que afirmou que a vacina da Pfizer não foi comprada anteriormente por “incompetência e ineficiência” do Ministério da Saúde.
Apesar do esforço de afastar a responsabilidade de Bolsonaro, senadores acreditam que as falas trouxeram o presidente para o centro do problema, ao mostrar que ele manteve diálogo com o laboratório e que o próprio secretário também se engajou.
“Essa história da vacina da Pfizer, a entrevista do Fabio Wajngarten, ela confirma muitas coisas que nós já tínhamos suspeita, envolve mais diretamente o Palácio do Planalto. É muito estranho um secretário de comunicação se envolver na compra de vacinas, e precisamos de explicações”, afirma o senador Otto Alencar (PSD-BA), membro da comissão.
O foco na vacina deve ser uma das tônicas do plano de trabalho, que pode ser apresentado nesta terça. Vários senadores também trabalham em requerimentos para convocar autoridades para explicar e confrontar versões sobre o atraso na vacinação.
Em comum, todos colocam o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, como peça-chave nesse processo.
Renan ainda foi aconselhado a pedir ao STF (Supremo Tribunal Federal) o compartilhamento dos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos.
O objetivo é investir numa outra frente de apuração que envolve os discursos do presidente Bolsonaro e as atitudes do governo que contrariaram as recomendações de cientistas.
Os parlamentares querem avaliar como se deram os disparos de mensagens que propagaram o uso de medicamentos que contrariam a ciência e avaliar a responsabilidade do governo nessa rede de mensagens, em que também foram convocados protestos.
Os senadores do grupo oposicionista da comissão ainda pretendem se aprofundar na posição e ações do governo federal contra o distanciamento social, possível omissão que provocou o colapso do sistema de saúde de Manaus e a falta de fornecimento de oxigênio e também nas omissões referentes à população indígena.
Embora essa última aparente ter menos apelo e repercussão, alguns senadores consideram que há elementos mais concretos que as outras para responsabilizar o governo. Isso porque o governo demorou e muitas vezes não chegou a construir as barreiras sanitárias para isolar povos, desrespeitando decisão do STF.
Contrapondo o acordo, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE), apontado por muitos como governista, vai lançar sua candidatura para a presidência da comissão.
À Folha Girão disse que tentaria articular com Randolfe Rodrigues para compor uma chapa de consenso. Randolfe seria inicialmente vice, mas os dois se revezariam na presidência.
O presidente da comissão é o responsável por conduzir os trabalhos e tem o poder de colocar em votação os requerimentos. O relator, por sua vez, constrói a narrativa dos trabalhos e seu texto final conterá as conclusões das investigações.
As ações foram do âmbito da CPI surgiram como opção ao governo, após lentidão para articular a composição da comissão.
Senadores como Marcos Rogério criticaram publicamente a ministra da Articulação Política, Flávia Arruda (PL-DF), por ter deixado o “timing” passar e não agir para impedir que a oposição e independentes ficassem em vantagem.
Uma das estratégias dos governistas é pressionar pela criação de uma sub-relatoria para investigar os repasses federais a estados e municípios —o que é frequentemente defendido por Bolsonaro—, principalmente em seus ataques aos governadores. Dessa forma seria possível desvirtuar ou pelo menos reduzir a atenção que será dada às investigações do governo federal.
OS MEMBROS TITULARES DA CPI
Governistas
Jorginho Mello (PL-SC), Eduardo Girão (Podemos-CE), Marcos Rogério (DEM-RO) e Ciro Nogueira (PP-PI)
Demais
Humberto Costa (PT-PE), Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Renan Calheiros (MDB-AL), Otto Alencar (PSD-BA), Omar Aziz (PSD-AM), Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Eduardo Braga (MDB-AM)
Suplentes
Jader Barbalho (MDB-PA), Luis Carlos Heinze (PP-RS), Angelo Coronel (PSD-BA), Marcos do Val (Podemos-ES), Zequinha Marinho (PSC-PA), Rogério Carvalho (PT-SE) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE)