CPI da COVID

CPI vê elo de conselhos de medicina com Prevent e gabinete paralelo na adoção do ‘kit Covid’

Os membros da comissão aprovaram nesta terça-feira (28) requerimento no qual pedem investigação sobre possível omissão dos conselhos no caso Prevent

Sala de comissões durante sessão da CPI da Covid (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

Senadores da CPI da Covid apontaram que o depoimento da advogada Bruna Morato, que representa médicos que denunciaram irregularidades da Prevent Senior, deixou clara a ligação da operadora com os Conselhos Federal e Regional de Medicina e com o gabinete paralelo na adoção do “kit Covid”, medicamentos sem eficácia contra a doença.

Os membros da comissão aprovaram nesta terça-feira (28) requerimento no qual pedem que as Procuradorias em São Paulo e no DF, além da Polícia Federal, investiguem possível omissão dos conselhos no caso Prevent. Esses conselhos já entraram no radar da CPI anteriormente por não tomar posição mais definitiva em relação ao tratamento precoce e por usar redes sociais para criticar o colegiado.

Morato, que diz representar 12 médicos da Prevent, afirmou à CPI nesta terça que seus clientes tinham medo de denunciar irregularidades na operadora, pois havia uma relação próxima forte entre a empresa e os conselhos de medicina. O grupo representado pela advogada elaborou um dossiê encaminhado à comissão com denúncias contra a empresa.

Morato também apontou que havia um “pacto” entre a operadora e o chamado gabinete paralelo, composto por médicos que aconselhavam o presidente Jair Bolsonaro e incentivavam o uso do “kit Covid”.

Um dos objetivos deste alinhamento, segundo ela, seria a elaboração de uma estratégia para evitar o fechamento da economia durante a pandemia, usando o tratamento precoce como “esperança” para a população.

Em uma revelação que chamou a atenção dos senadores, a advogada mencionou que o gabinete paralelo atuava em consonância com o Ministério da Economia, que defendia a estratégia.

A Prevent Senior entrou no radar da CPI após o recebimento do dossiê dos médicos da Prevent, que relatou que hospitais da rede eram usados como “laboratórios” para estudos com medicamentos sem eficácia comprovada para o tratamento da Covid-19, como a hidroxicloroquina. Os familiares dos pacientes não seriam informados de que receberiam esses medicamentos.

A advogada foi insistentemente questionada pelo governista Marcos Rogério (DEM-RO) sobre o nome dos 12 médicos que representa e que teriam feito as denúncias. No entanto, ela alegou sigilo profissional e se recusou a entregar as identidades.

Rogério então apontou que Morato compareceu ao depoimento na condição de testemunha e não como defensora, devendo portanto responder as perguntas e revelar os nomes.

Inicialmente, a CPI e a própria defesa haviam informado que 15 médicos haviam apresentado as denúncias constantes no dossiê e não apenas os 12 que a advogada afirma representar.

Morato também foi questionada pelos senadores sobre por que os médicos não encaminharam as denúncias para os conselhos de medicina, para que as irregularidades fossem apuradas e, os responsáveis, punidos.

“Esses médicos recebiam a informação de que o Conselho Federal de Medicina e de que o Cremesp, de São Paulo, ou seja o Conselho Regional de Medicina de São Paulo, teria relação com a empresa, de modo que eles tinham muito medo de levar essas denúncias ao Cremesp”, afirmou a advogada.

Em nota, o CFM informou que repudia as “acusações falaciosas” e afirma que os acusadores e os senadores desenham “narrativas e teoristas conspiratórias”. O conselho ainda afirma que não é a instância adequada para apurar denúncias contra médicos, o que deve ser feito primeiro localmente. O CFM também acrescenta que sua manifestação no ano passado não foi na defesa de medicamentos administrados fora do prescrito na bula e sim em defesa da autonomia dos médicos.

“Em momento algum, o CFM apresenta a terapia respectiva como medida eficaz ou, de qualquer modo, solução efetiva para a pandemia. Ao contrário, sempre incentivou em suas manifestações a utilização de máscaras, o distanciamento social, a necessária vacinação em massa, entre outras formas de prevenção de contágio”, afirma a nota.

Morato indicou em seu depoimento uma forte ligação da operadora com o governo Bolsonaro, por meio do chamado gabinete paralelo. Segundo ela, a direção da Prevent Senior buscou se aproximar do Ministério da Saúde, após uma série de críticas do então ministro Luiz Henrique Mandetta. A tentativa se deu por um parente de Mandetta, mas a relação não avançou.

Os diretores então ficaram sabendo de um grupo que assessorava o governo, em conexão com o Ministério da Economia.

Após a sessão, o vice-presidente Randolfe Rdrigues (Rede-AP) disse que a comissão vai avaliar se convoca o ministro da Economia, Paulo Guedes, ou o secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida.

“O que eles me explicaram foi o seguinte: existe um interesse do Ministério da Economia para que o país não pare, e, se nós entrarmos nesse sistema de lockdown, nós teríamos um abalo econômico muito grande, e, então, existia um plano para que as pessoas pudessem sair às ruas sem medo”, afirmou Morato.

“Eles desenvolveram uma estratégia. Qual era essa estratégia? Através do aconselhamento de médicos”, disse a advogada.

“Esses médicos eu posso citar também de forma nominal, porque me foi dada essa explicação: o doutor Anthony Wong, toxicologista responsável por desenvolver um conjunto medicamentoso atóxico; doutora Nise Yamaguchi, especialista em imunologia, a qual deveria disseminar informações a respeito da resposta imunológica das pessoas; o virologista Paolo Zanotto, para que ele falasse a respeito do vírus e tratasse a respeito dessa situação de forma mais abrangente, evocando notícias. E a Prevent Senior iria entrar para colaborar com essas pessoas. É como se fosse uma troca, a qual nós chamamos na denúncia de pacto, porque assim me foi dito”, completou ela.

Caberia, portanto, à Prevent Senior fornecer informações positivas sobre o tratamento precoce, indicando que medicamentos como azitromicina e hidroxicloroquina obtiveram resultados para tratar a Covid-19. A operadora então estabeleceu um protocolo com o “kit Covid”, sem que pacientes e familiares fossem informados.

Uma das práticas adotadas seria entregar termos de consentimento genéricos, sem detalhar como seria o tratamento. A advogada descreve que os pacientes eram cobaias.

“Eles falavam para o paciente: ‘Olha, você vai passar por um tratamento, muito eficaz, novo. Se você quiser participar desse tratamento, você precisa dar um OK’. E eles davam esse OK, mas eles são parte de uma população vulnerável. Eles não sabiam que seriam feitos de cobaia. Eles apenas sabiam que iriam receber um medicamento”, afirmou.

A advogada disse que os kits com os medicamentos vinham já fechados, com uma receita pronta. Portanto, não havia autonomia dos médicos para não indicarem esse tratamento. Os que se recusavam eram demitidos.

“Chegou a um ponto tão lamentável, que esse kit era composto por oito itens. E aí os médicos, pelo menos na explicação que me deram, os plantonistas pegavam o kit, entregavam ao paciente e diziam ao paciente: ‘Olhe, eu preciso dar a você, porque, se eu não entregar a você esse kit, eu posso ser demitido. Mas eu o oriento que, se você for tomar alguma coisa daqui, tome só as proteínas ou só as vitaminas, porque os outros, além de não terem eficácia, são muito perigosos'”, afirmou.

Morato também corroborou denúncias anteriores de que o uso do tratamento precoce seria para reduzir custos. Ela citou que a Prevent Senior não tinha os leitos de UTI necessários para enfrentar a pandemia.

“As mensagens de texto encaminhadas e disponibilizadas à Comissão Parlamentar de Inquérito mostram que a Prevent Senior não tinha a quantidade de leitos necessários de UTI e que, por isso, orientava que fosse feito o tratamento precoce”, afirmou ela.

A advogada confirmou ainda ter ouvido de seus clientes que existia um protocolo para a alteração do código de diagnóstico dos pacientes, para que fosse retirada a Covid-19 dos prontuários médicos após determinados dias de internação.

Ela citou também o caso do médico Anthony Wong, que morreu de Covid, segundo dados do seu prontuário médico, embora a certidão de óbito não cite a doença. A advogada apontou uma situação na qual a internação do médico poderia expor outros pacientes a riscos, já que ele foi colocado em uma área para pacientes sem Covid.

“No caso do doutor Anthony Wong, foi vasta a quantidade de publicações referentes à internação, dizendo se tratar de hemorragia digestiva, e, ao óbito, dizendo se tratar de choque séptico. Na verdade, ele também teve choque séptico, mas foi pulmonar, em decorrência da Covid-19, o que deveria ter sido devidamente colocado na sua declaração de óbito para que constasse na certidão de óbito”, afirmou.

“O doutor Anthony Wong ficou internado na unidade que se chama unidade Itaim, uma unidade não Covid, normalmente para pacientes cardiológicos, o que significa que ele ficou internado com Covid-19 numa UTI em que tinham outros pacientes com outras comorbidades”, disse Morato.

A a advogada Bruno Morato também afirma ter recebido relatos de que a empresa reduzia o nível de oxigenação de pacientes em estado grave. No entanto, pediu que o caso fosse averiguado e aponta que recebeu o relato após concluir o dossiê entregue para a CPI. Por isso o caso não consta na documentação.

“Eu gostaria que essa informação fosse averiguada. Essa informação não consta na denúncia. É uma informação que recebi posterior à denúncia. E o relato foi o seguinte, de que pacientes internados em determinadas unidades de terapia intensiva, cuja internação tivesse mais de 10 ou 14 dias, a esses pacientes o procedimento indicado era a redução da oxigenação, ou seja, eles iam reduzindo o nível dos respiradores”, afirmou a advogada.

“Eu não considero isso como sendo um tratamento paliativo. Isso foge das práticas paliativas. E sinceramente acredito que esses pacientes nem tinham condições de serem encaminhados à enfermaria, esse leito híbrido”, completou.

Bruna Morato também afirmou que a empresa levava com rigor o lema “lealdade e obediência”, que afetaria a autonomia dos médicos para prescrever tratamentos. Ela afirmou que um exemplo desse rigor seriam eventos nos quais os médicos eram obrigados a cantar o hino da empresa com a mão no peito.

“A Prevent Senior tem uma política um tanto quanto diferente. Há descrição que nos anos 2015, 2016 e 2017 a Prevent Senior em alguns eventos propagava um hino, o hino dos guardiões. Esses médicos eram obrigados a cantar o hino com a mão no peito”, afirmou a advogada.