Crise diplomática

Discussão na ONU sobre Amazônia exclui Brasil

O governo brasileiro tenta fazer dos corredores das Nações Unidas um palco para gestão da crise diplomática que teve como fator de combustão falas de Bolsonaro sobre política ambiental e a exploração da floresta

Na véspera do discurso do presidente Jair Bolsonaro na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), que ocorre nesta terça-feira (24), o Brasil ficou isolado do principal foro de discussão sobre meio ambiente, tema que tem causado desgaste para o governo brasileiro no exterior e deve ser central na fala do presidente na abertura do encontro da ONU em Nova York. Nesta segunda-feira, 23, líderes internacionais, entre eles o presidente francês, Emmanuel Macron, debateram os rumos das florestas tropicais no mundo – incluindo a Amazônia, a maior delas – sem a presença de representantes do governo brasileiro.

A Assembleia-Geral da ONU se tornou o maior teste de política externa para Bolsonaro, que desembarcou na tarde desta segunda na cidade americana. Conforme a tradição, o presidente do Brasil é o responsável pelo discurso de abertura, mas o que difere dos anos anteriores é a atenção que tem sido dispensada ao País. Pouco menos de um mês antes do evento, imagens da Amazônia em chamas foram parar nas manchetes dos principais jornais estrangeiros e as queimadas na floresta viraram assunto de líderes mundiais.

Nesta segunda-feira, enquanto Bolsonaro viajava de Brasília a Nova York, presidentes de diversos países anunciavam, em reunião da Cúpula do Clima da ONU, a liberação de US$ 500 milhões do Banco Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento e da ONG Conservação Internacional para ajudar a proteger as florestas tropicais do mundo.

O encontro foi liderado por Macron, com quem Bolsonaro travou em setembro uma queda de braço em torno da questão ambiental. Apenas o governador do Amapá, Waldez Góes (PDT), representou o País, e sem espaço de fala, após uma oposição feita pela Colômbia. A articulação para barrar a manifestação de Góes foi feita pelo Itamaraty, conforme o jornal O Estado de S. Paulo apurou.

O governo brasileiro tenta fazer dos corredores das Nações Unidas um palco para gestão da crise diplomática que teve como fator de combustão as falas de Bolsonaro – durante a campanha e já na cadeira de presidente – sobre política ambiental e a exploração da floresta.

Bolsonaro terá 20 minutos para seu discurso. Deverá defender a soberania do País e os compromissos ambientais. Nos Estados Unidos há seis dias, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem concedido entrevistas à imprensa internacional para afirmar que as queimadas estão dentro de uma média dos últimos 15 anos.

O Planalto tem contestado o que chama de tentativa de intervenção e de ferir a soberania brasileira. Com base neste argumento, Macron já foi alvo de ataques. No evento desta segunda, o francês quis se mostrar aberto ao diálogo, mas criticou a ausência do Brasil, que detém mais de 60% de todo o bioma amazônico, dividido com oito países.

“Riscos? Francamente, tem um primeiro… Todo mundo pergunta: como vai fazer sem o Brasil? O Brasil é bem-vindo, eu acho que todos devem trabalhar com o Brasil, com os Estados da região. É bom que isso aconteça de forma respeitosa. As próximas semanas permitirão uma solução política que será um avanço”, disse Mácron.

Fundo

O presidente francês, que vem se indispondo desde a reunião do G-7 com Bolsonaro, questionou o posicionamento do País sobre o Fundo Amazônia. “A gente se reúne, tem números, palavras, mas nada de resultado. Quando eu olho para as coisas, o que me inquieta é o Fundo Amazônia, que foi suspenso porque o Brasil não cumpriu a integralidade dos critérios que foram definidos”, disse Macron se referindo à suspensão de parte dos repasses por Noruega e Alemanha, os dois principais colaboradores do fundo.

Ao Estado, Góes, que estava representando os Estados da região como presidente do Consórcio da Amazônia Legal, afirmou achar uma “pena” não ter tido a chance de se pronunciar. “É um debate importantíssimo, vimos pessoas do mundo inteiro se posicionando sobre a Amazônia e não teve ninguém do governo brasileiro falando.”

Apesar de liberação de US$ 500 milhões para ajudar a proteger as florestas tropicais do mundo, o governo brasileiro tem rejeitado ajuda internacional que venha com o selo dos europeus. Cerca de uma hora depois do evento, Salles foi alertado por um assessor de que Macron estava a poucos metros de distância dele, em uma antessala de conferências da ONU.

O ministro do Meio Ambiente buscou o francês com o olhar, mas preferiu não ir até ele. Questionado pela reportagem sobre o anúncio da nova verba, Salles respondeu: “É por semana ou por mês que irão pagar isso?”. O ministro não se manifestou sobre a ausência do Brasil no encontro.

Já o chanceler Ernesto Araújo, que tinha na agenda uma reunião do Grupo de Lima sobre Venezuela, trocou o debate sobre o país vizinho por um encontro protagonizado pelo governo americano sobre proteção às liberdades religiosas.

Trump

Bolsonaro não contou com um aceno de boas-vindas do presidente americano, Donald Trump. Apesar de dizer, no corredor da ONU, que o brasileiro “é um bom homem”, Trump não teve um encontro com Bolsonaro. O americano esteve no hotel onde Bolsonaro está hospedado, em reuniões, mas os dois não se viram. Trump deixou o hotel Intercontinental por volta das 18h40, duas horas depois de Bolsonaro chegar ao local.

Segundo assessores, Bolsonaro chegou cansado do voo, no qual sentiu desconforto, e evitou compromissos. Pela primeira vez, o presidente usou um quarto privado no avião presidencial para descansar. Ainda há possibilidade de uma reunião entre os dois nesta terça-feira, 24.

Trump tem sido o maior fiador do brasileiro no cenário internacional, diante dos sinais do Planalto e do Itamaraty de que o governo Bolsonaro quer inaugurar uma “nova era” nas relações entre Brasil e EUA.

Bolsonaro debateu o texto do discurso com Araújo, com o ministro de Segurança Institucional, Augusto Heleno, com o assessor de Relações Internacionais do Planalto, Filipe Martins, e com seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

Maia

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse nesta segunda-feira que o presidente Jair Bolsonaro deverá falar em seu discurso na abertura da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) que o Brasil não está se negando a resolver os problemas das queimadas na Amazônia. “Me deu a impressão de que ele vai fazer um discurso mostrando tudo o que o Brasil teve de avanços, que o Brasil tem problemas, mas que não está se negando a resolver o problema das queimadas em área ilegal. Em área ilegal, todos nós brasileiros somos radicalmente contrários a qualquer tipo de desmatamento ou queimada”, disse Maia, em Curitiba. Os dois se encontraram no sábado, quando Maia visitou Bolsonaro no Palácio da Alvorada. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.