Dono da Precisa usa suas empresas para transações suspeitas envolvendo carros de luxo
Relatório do Coaf enviado à CPI mostra dinheiro que seria referente à venda de duas Land Rover
O dono da Precisa Medicamentos, Francisco Maximiano, usa suas empresas para transações suspeitas envolvendo carros de luxo em Brasília. O movimento feito pelo empresário, um dos principais investigados pela CPI da Covid no Senado, está descrito em RIF (relatório de inteligência financeira) enviado à comissão.
Os RIFs são elaborados pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e descrevem movimentações financeiras atípicas, o que ajuda a subsidiar investigações do crime de lavagem de dinheiro.
As transações envolvendo carros de luxo, detectadas pelo Coaf, envolvem duas empresas de Max, como o empresário é conhecido. Uma é a própria Precisa. A outra é a 6M Participações, um empreendimento que tem capital de apenas R$ 500, conforme os registros públicos da Receita Federal.
O Coaf, no caso da Precisa, descreve movimentações suspeitas que somam R$ 22 milhões. Já o uso da 6M envolve transações de R$ 33 milhões. Estes são os valores relacionados somente às análises a partir de setembro de 2020 e que incluem os negócios com empresas de carros de luxo.
As transações de Maximiano passam pela 4 Boss Brasil Comércio e Locação de Veículos, uma empresa com capital de R$ 80 mil, que funciona na área do aeroporto de Brasília. O Coaf detectou um depósito de R$ 219 mil da 4 Boss à Precisa no primeiro semestre deste ano.
A transação foi considerada suspeita por não haver nenhuma relação entre o ramo de atividade da Precisa Medicamentos e os ramos da 4 Boss, que vende carros de luxo, faz serviços de lanternagem, comercializa peças automotivas, aluga imóveis e carros com motorista, organiza feiras e oferece serviços de bar, lanchonete e casa de chá, conforme informado à Receita.
O RIF aponta uma segunda origem de recursos, no valor de R$ 400 mil, também relacionada a carros de luxo. Neste caso, a empresa envolvida é a HVM Comércio e Locação de Veículos, e o destino do dinheiro foi a 6M Participações. A remessa ocorreu entre setembro de 2020 e fevereiro de 2021.
A HVM não tem uma sede física. O endereço que consta na Receita e as atividades desenvolvidas são os mesmos da 4 Boss. Os sócios também são os mesmos: Hugo Veras Mendes e Thiago Galvão Barcelos.
A Folha esteve na tarde da última segunda-feira (2) na 4 Boss. Barcelos, um dos sócios, disse que as explicações seriam dadas pelo advogado das empresas, Eduardo Gauche.
Segundo Gauche, as duas empresas trabalham também com compra de veículos, e os depósitos às empresas de Maximiano se referem à aquisição de dois veículos Land Rover Defender. Um carro novo desse modelo custa entre R$ 400 mil e R$ 520 mil.
“Maximiano já é cliente da loja há cinco anos. Ele compra carros e, quando precisa, vende”, afirmou o advogado, em entrevista em seu escritório.
O depósito de R$ 219 mil diz respeito a um dos dois veículos, que tinha parcelas e débitos em aberto. O outro valor, R$ 400 mil, corresponde à quase totalidade do preço do segundo carro —também havia débitos em aberto, conforme Gauche.
A HVM não tem estrutura física própria porque faz seus negócios por meio da 4 Boss, afirmou o advogado.
“Ela não precisa ter uma porta aberta para clientes, porque usa a intermediação da 4 Boss. É uma questão de estratégia societária e comercial. A HVM só compra. Quando precisa vender, vende por meio da 4 Boss.”
Ainda conforme Gauche, é normal a compra de veículos pela 4 Boss e pela HVM. O advogado não disse se considera normal a aquisição de carros de luxo de empresas como as que estão em nome de Maximiano. Ele também não informou quantos carros o dono da Precisa comprou nos últimos cinco anos.
O RIF enviado à CPI registra outros dois depósitos da 4 Boss, no valor de R$ 824,6 mil, a uma empresa de Maximiano. O destino foi a 6M, no período compreendido entre agosto de 2017 e maio de 2020.
O relatório aponta diversas outras movimentações financeiras tidas como suspeitas. As mais expressivas envolvem transações entre as próprias empresas de Maximiano.
No primeiro semestre deste ano, por exemplo, a Precisa recebeu depósitos de R$ 950 mil da 6M e R$ 2,2 milhões da BSF Gestão em Saúde, outra empresa de Maximiano. Houve ainda um repasse de R$ 674 mil de outra empresa de comercialização de carros, com sede em São Paulo.
Entre setembro de 2020 e fevereiro de 2021, as transações da 6M com Precisa e BSF somaram R$ 17,5 milhões, segundo o relatório em poder da CPI. Todos esses empreendimentos de Maximiano são investigados pela CPI.
O empresário foi convocado para depor na comissão, mas o agendamento do depoimento vem sendo adiado sucessivamente.
Ainda em junho, o STF (Supremo Tribunal Federal) autorizou Maximiano a ficar em silêncio na CPI diante de perguntas que considere incriminatórias. Por estratégia, os senadores que têm o controle da comissão adiaram o depoimento.
A ideia era ouvir o empresário na retomada dos trabalhos nesta semana, mas houve novo adiamento, em razão de uma alegada viagem do dono da Precisa à Índia.
A Bharat Biotech, fabricante indiana da vacina Covaxin, rompeu a parceria com a Precisa para o fornecimento do imunizante ao Brasil. O contrato entre Bharat, Precisa e Ministério da Saúde é de R$ 1,61 bilhão, para entrega de 20 milhões de doses.
A pasta suspendeu o contrato no fim de junho e anunciou que cancelará a contratação. A CGU (Controladoria-Geral da União) já apontou fraudes em documentos entregues pela Precisa ao ministério.
Procedimentos abertos por CGU, TCU (Tribunal de Contas da União), Polícia Federal e Ministério Público Federal investigam corrupção e fraude no contrato da Covaxin. O presidente Jair Bolsonaro é investigado em inquérito no STF por suspeita de prevaricação diante de denúncia que recebeu sobre irregularidades no contrato.
A Folha questionou a Precisa Medicamentos sobre os apontamentos no relatório em poder da CPI e sobre as informações apuradas pela reportagem a respeito das transações envolvendo carros de luxo. Não houve resposta até a publicação deste texto.