Em Goiás, mulheres têm baixa participação nos espaços de poder
Atualmente, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem 207.653 milhões de brasileiros,…
Atualmente, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem 207.653 milhões de brasileiros, dentre os quais 51,8% são mulheres. Como parcela majoritária da população, elas representam, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 52,4% do eleitorado. Apesar dos fatos numéricos, a representatividade feminina em espaços de poder, como nos três poderes é considerada por cientista aquém das expectativas e possibilidades. Para se ter uma ideia, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), entre 174 países, o Brasil ocupa a 167ª posição no ranking que mensura a participação política das mulheres, em 2017. Em Goiás, o caso não é tão diferente.
Levantamento realizado pelo Mais Goiás revela uma condição crítica de representatividade das mulheres relativa aos três poderes do Legislativo em instâncias federal, estadual e municipal. Dos 513 deputados federais, apenas 54 são mulheres. No senado, das 81 cadeiras, 13 são ocupadas por elas. No Legislativo goiano, há apenas quatro mulheres entre os 41 deputados. Na Câmara, existem cinco, enquanto há 31 homens.
Uma das representantes goianas é a deputada Isaura Lemos (PCdoB), que lamenta a baixa participação feminina na política. Segundo ela, mulheres até participam de organizações como sindicatos, associações de bairro e instituições religiosas, mas poucas vezes são vistas na liderança dessas entidades.
“Temos hoje uma participação pequena. No mapa mundial de participação da mulher, o Brasil ocupa o 157ª lugar. É incrível. O número de representantes femininas em países onde elas precisam usar burca, é maior do que temos aqui. Embora tenhamos duplas jornadas, entre outras dificuldades atribuídas ao gênero, a mulher tem que se atentar a participar mais. A baixa quantidade de mulheres no poder prejudica a democracia. Precisamos de representantes no legislativo e no Executivo para que as demandas populares sejam plenamente atendidas. Não basta carregar o piano para os homens, temos que tocá-lo também”, analisa a parlamentar.
Executivo
No Executivo Federal, apenas uma mulher compõe o quadro de lideranças: advogada-geral da União Grace Mendonça. No âmbito estadual, considerando secretarias de estado, secretarias extraordinárias, órgãos de assessoramento jurídico e direto ao governador, autarquias, fundação e empresas públicas, há apenas cinco mulheres entre as 41 lideranças.
De acordo com informações extraídas do site do Tribunal Superior Eleitoral, dos 243 municípios goianos considerados, apenas 15% é liderado por uma prefeita, o que se traduz em 36 municípios.
Uma delas é a prefeita da Cidade de Goiás, Selma Oliveira Bastos Pires (PT), que lidera o executivo, atualmente, ao lado da vice, Pastora Marcia Cristina Parreira Santos (PSC). Em seu segundo mandato, ela revela que, nos 290 anos da cidade, ela foi a primeira mulher a se candidatar à prefeitura da antiga capital. “Não venci meu primeiro pleito, em 2008, mas tive uma votação expressiva e decidi tentar novamente. Desde 2013 estou aqui, e para o segundo mandato tive oportunidade de agregar Márcia ao governo”.
Ela que também foi a primeira pessoa reeleita na cidade, também entre os homens, afirma que a luta para vencer as dificuldades impostas ao gênero é diária. “Me sinto lisonjeada em ser prefeita em uma cidade de perfil conservador. A minha responsabilidade aumenta todo dia. Primeiro pelo gênero, tenho dever moral de honrar homens, mas, sobretudo, as mulheres, que estão se distanciando da vida pública. Acabamos enfrentando, mas vencendo, situações de preconceito. Quando assumi, fui firme para que pessoas percebessem que a competência é minha e que não sou fantoche de um marido, irmão ou presidente de partido. Com isso, consegui fazer com que 60% do meu secretariado seja feminino”.
Goiânia
Na administração da capital, das 25 pastas, incluindo a Procuradoria Geral do Município, Controladoria Geral do Município, a previdência municipal e a gerência do Imas, há apenas quatro mulheres. São elas: Secretaria Municipal de Políticas paras as Mulheres, ocupada por Célia Valadão; Secretaria Municipal de Saúde, ocupada pela Dra. Fátima Mrue; Procuradoria Geral do Município, ocupada pela procuradora Anna Vitória Caiado e Assessoria de Imprensa, ocupada pela jornalista Lênia Soares.
Em nota, a prefeitura afirma que a realidade de Goiânia não se difere das demais instâncias de poder. Com o advento da lei 12.304/2009, essa realidade começa a mudar no Brasil, uma vez que a participação feminina na política e em posições de destaque nos respectivos partidos tem crescido gradativamente.
“De certa forma, o presidencialismo de coalizão, caracterizado pela fragmentação do poder entre vários partidos, reverbera nos estados e municípios e a formação do governo em qualquer uma dessas esferas passa, necessariamente, pela indicação dos partidos, nos quais a participação feminina ainda não assumiu o protagonismo ideal”, afirma no documento, embora não se veja ações concretas para a mudança dessa realidade em Goiânia.
Judiciário
No Judiciário, dos 11 componentes do Supremo Tribunal Federal (STF), apenas a presidente Carmen Lúcia e a ministra Rosa Weber representam o gênero. O Judiciário goiano, entretanto, parece tentar mudar a realidade, já que pela primeira vez, uma mulher, desembargadora Beatriz Figueiredo Franco (67), ocupa a vice-presidência do órgão.
Atualmente, dos 115 cargos de gestão existentes no Tribunal de Justiça, 58 são ocupados por mulheres em cargos de diretorias de área, divisão e serviço. No entanto, quando a pesquisa se concentra nos juízes, há diminuição na representatividade feminina. Entre os 36 desembargadores, há oito mulheres. Do total de juízes substitutos em segundo grau, 16, duas são do sexo feminino.
De acordo com a desembargadora, a mulher consegue se fazer representar “muito bem”, desde que haja espaço para isso. “Não é fácil conquistar esse espaço. Mas quando surge, todas tem estrutura racional suficiente para desempenhar ações em cargos de poder. A força das mulheres insurge, como inspiração e presença no mercado de trabalho, entre os aprovados em concursos públicos, nas faculdades e em outros ambientes da sociedade. É uma questão de tempo que mais espaços sejam por nós conquistados”.
Nesse contexto, a desembargadora ressalta que a presença feminina deve ser reforçada em todos os ambientes. “Vim do Ministério Público, onde somos muito bem valorizadas. Aquela foi uma das primeiras entidades a promover uma modernização nesse sentido. Há 17 anos no TJ, atuo com muita vontade de contribuir. Para ocupar cargos importantes, de decisão, a mulheres precisam se conscientizar. Temos que vencer a dependência psicológica. No disso que isso ocorrer, nada irá impedir a mulher de conquistar o que quiser”.
Viúva, mãe de dois filhos e avó, Beatriz ressalta a importância de se vencer os obstáculos, como duplas e até terceiras jornadas impostas pela sociedade que ela chama de masculinizada. Não é fácil. Temos trabalho doméstico, atividade pessoal, filhos e só então trabalho. Competir é difícil, o desafio é diário, mas a realidade está mudando”, observa ela, otimista.
Análise
De acordo com a Doutora em Educação e mestre em Relações Sociais de Gênero Lúcia Rincón, a baixa representatividade é um reflexo do tratamento social recebido pela mulher no País. Segundo ela, nas instâncias de poder, a mulher continua socialmente confinada ao espaço doméstico e falta apoio institucional, governamental e dos partidos para que a realidade mude.
“Não há apoio da sociedade nem consciência da importância da participação do ser social da mulher nos processos políticos. Consequentemente, partidos destinam menos recursos para candidaturas de mulheres. Além disso, ainda sofremos com o cumprimento da lei eleitoral. Hoje, somos utilizadas para cumprir cotas eleitorais, somos colocadas como laranjas, já que não há recursos para candidaturas e campanhas femininas”, revela.
Lúcia, que também é diretora do Centro Popular da Mulher, sucursal regional da União Brasileira de Mulheres (UBM), explica que a luta por espaço é histórica e envolve diversos aspectos sociais, como educação e mídia. “Temos lutas históricas pela educação sem discriminação. Uma educação que contemple diferenças de gênero e que atue pela igualdade. Temos a grande mídia que precisa trabalhar com conceitos da nova realidade feminina, que é de presença nos espaços públicos no trabalho e nas organizações sociais”.
Para que o problema seja enfrentado, minimizado e, futuramente, solucionado, a professora ressalta que é preciso extinguir o uso da imagem discriminatória de sexualização da mulher. “Isso é feito a todo momento no espaço público. Mas acabar com isso não é suficiente. Precisamos, objetivamente, que o Estado assuma aquilo que é do seu interesse, com tarefas concernentes à reprodução humana, o que vai eliminar a dupla jornada, permitindo às mulheres inserção social em condições de igualdade com os homens”.