Senado

Elo de delegado com Alcolumbre gera conflito de interesses e mal-estar na PF

A coincidência entre a doação de uma aeronave destinada ao Amapá e a criação de…

A coincidência entre a doação de uma aeronave destinada ao Amapá e a criação de uma diretoria antidrogas gerou mal-estar na Polícia Federal.

Modelo Cessna 550, o avião foi apreendido em uma operação em Pernambuco e cedido ao Amapá em setembro, a pedido de Davi Alcolumbre (DEM-AP). Na mesma época, o presidente do Senado viabilizou junto ao Ministério da Economia trâmites burocráticos para a criação da nova diretoria antidrogas, desejada pela PF.

Os episódios tiveram a participação de um mesmo delegado, Elvis Secco, coordenador-geral de Repressão a Drogas e Facções Criminosas.

Atos do policial provocaram incômodo na corporação: ao mesmo tempo em que apresentava a Alcolumbre a necessidade de dar à sua coordenação status de diretoria, Secco emitia um parecer à Justiça defendendo a cessão do avião ao estado do Amapá.

Dentro da PF, dirigentes apontaram conflito de interesses e ações atípicas.

A principal reclamação foi de que o fato de as situações ocorrerem de forma concomitante dá aparência de toma-lá-da-cá, jargão comum no mundo político para se referir à troca de favores e que, rotineiramente, é alvo das investigações do órgão.

PF e Alcolumbre negam que tenha havido solicitação para se criar um novo cargo.

As sondagens sobre o destino do avião começaram em maio, segundo informações da PF e do senador. O pedido oficial, por sua vez, ocorreu em agosto, e a cessão foi autorizada pela Justiça em setembro.

As conversas sobre a criação da nova diretoria ocorreram no mesmo período.

As doações temporárias de aeronaves são comuns. Em geral, as demandas de políticos são concentradas no gabinete do diretor-geral da PF, que é o representante institucional, e não são feitas individualmente por policiais, justamente para não haver suspeita de conflito de interesses.

Da mesma forma, conversas sobre mudanças do órgão e outras solicitações também são articuladas pelo diretor-geral, destoando do que ocorreu no caso.

Elvis Secco ganhou mais protagonismo no último ano por operações contra a facção criminosa PCC. Midiáticas, as ações da área liderada pelo delegado levaram a recordes de apreensões para a PF —quase R$ 1 bilhão até o mês de novembro.

Especialista no combate a facções, Secco colocou como prioridade de sua gestão a descapitalização dos criminosos e é reconhecido por ter obtido bons resultados.

Em palestras e reuniões internas, o delegado defende há mais de um ano a criação de uma diretoria específica para combater o tráfico de drogas no Brasil e usa como exemplo viagens que diz ter feito a mais de dez países, que, segundo ele, têm a estrutura que deveria ver implementada na PF.

Ele alega que uma maior atenção ao setor daria ainda mais retorno aos trabalhos

Em uma dessas conversas, segundo relatos, Alcolumbre se entusiasmou ao ouvir sobre o tema e perguntou o que faltava para virar diretoria: era preciso um DAS (cargo comissionado, cuja criação deve ser autorizada pela Economia) maior do que o atual da coordenação.

Nos dias seguintes, Alcolumbre informou à PF que a pasta de Paulo Guedes havia prometido liberar o cargo. A informação sobre as tratativas para a criação da nova diretoria chegou, então, a André Mendonça (Justiça), a quem a PF está subordinada.

Inicialmente, o ministro era contrário à mudança, sob o argumento de que não havia motivo para criar uma diretoria antidrogas e não uma de combate à corrupção, por exemplo, frente considerada o carro-chefe da PF. Mendonça, então, propôs uma reforma mais ampla, abrindo mão de cargos do ministério.

Como mostrou o Painel, a mudança que está para sair do papel envolve a criação de três diretorias: antidrogas, combate à corrupção e contra crimes fazendários.

Na época, Mendonça chegou a pedir explicações ao diretor-geral, Rolando de Souza, sobre como havia surgido o DAS de Alcolumbre, o envolvimento do delegado e o avião.

Internamente na PF, a história do novo cargo já era tratada como imbróglio e dirigentes defendiam outro formato, com fortalecimento das coordenações, sem elevação ao status de diretoria.

O DAS que chegou com ajuda do presidente do Senado continua na mesa de negociação e ainda não há definição se será utilizado.

Sobre a aeronave, dirigentes da PF apontam outras ações atípicas.

A primeira é que, em geral, quem faz os pedidos de cessões de bens apreendidos é o delegado responsável pelo caso, e não o coordenador da área, que não preside inquéritos. A operação foi realizada em Pernambuco, pela delegada Adriana Cavalcanti.

Outro ponto é que todos os bens cedidos judicialmente em operações contra o tráfico respeitam um mesmo critério, de serem usados para a prevenção e o combate ao tráfico de drogas. O caso de Alcolumbre é exceção, e o avião será usado também como UTI móvel.

Segundo pedido enviado à Justiça, a aeronave deve levar a uma economia de R$ 4,6 milhões por ano ao governador, aliado do senador.

O Centro Nacional de Transplantes do DF, por exemplo, chegou a pedir um dos aviões, mas não conseguiu por não preencher o requisito (de ser para combate a drogas).

Em agosto, o presidente do Senado fez uma visita à aeronave, acompanhado do governador do Amapá e do delegado Elvis Secco.

Antes do apagão no estado, Alcolumbre pretendia marcar um evento para apresentar o avião. Secco foi aconselhado a não aceitar convite para cerimônia.

Todas as conversas ocorreram também concomitantemente com o período de campanha eleitoral. O parlamentar apoia o irmão, Josué Alcolumbre, para a Prefeitura de Macapá. Ele também conta com o apoio do governador.

Além da cessão ao estado do senador, outros bens foram emprestados a outros locais. Das várias autorizações concedidas pela Justiça, o policial interviu em apenas mais um caso, de dois aviões para o Paraná (seu estado) —que serão utilizadas pela Polícia Federal, no combate e prevenção a drogas.

Na visão de dirigentes, episódios desse tipo, de relação com políticos, podem causar desconfiança e riscar a imagem da PF.

Procurado, o presidente do Senado afirmou que “não é verdadeira a informação de que foi solicitada qualquer modificação estrutural na Polícia Federal.”

Sobre o avião, disse que a cessão é “uma ação recorrente no Brasil. Toda e qualquer ilação a esse respeito é preconceito regional contra o Amapá.”

Alcolumbre também respondeu que “o Brasil parece não conhecer o Amapá, desconhece que o estado é uma ilha e é vítima de preconceito estrutural contra a região Norte do Brasil. Fruto da mesma operação, o Paraná recebeu dois aviões. Mas, quando um é cedido para o Amapá, a imprensa questiona.”

A PF informou que “eventual criação das novas diretorias ocorrerá, exclusivamente, com a transferência de DAS do próprio Ministério da Justiça para a PF.

Desta forma, reafirma-se que não há qualquer tipo de ação externa relativa ao deslocamento desses cargos comissionados do MJ para a possível criação das diretorias, não guardando, portanto, qualquer relação com os fatos apontados.”

O Governo do Amapá e Alcolumbre não responderam quem vai pagar para transformar o avião em UTI móvel. A PF disse que não arcará com qualquer despesa nesse sentido.