Em um mês no STF, Kassio ajuda Bolsonaro e se alinha à ala contra Lava Jato
Ministro atendeu as expectativas e tem ajudado Gilmar e Lewandowski no movimento para enterrar a operação
No primeiro mês como ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Kassio Nunes Marques ajudou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em julgamentos importantes e foi voto decisivo contra a Lava Jato na Segunda Turma da corte.
O magistrado já votou a favor até do ex-presidente Lula (PT) para derrotar a operação e tem feito jus à fama de garantista, ou seja, com uma visão de mais respaldo às alegações dos réus.
Nesse caso, ele se juntou aos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski para rejeitar recurso da PGR (Procuradoria-Geral da República) contra decisão que excluiu a delação do ex-ministro Antonio Palocci da ação penal que investiga o petista por suposta doação ilegal de terreno para construção do Instituto Lula.
Assim, ajudou a manter o entendimento de que o ex-juiz Sergio Moro agiu politicamente ao incluir a colaboração de Palocci aos autos do processo às vésperas das eleições de 2018.
No julgamento que discutiu a reeleição para as presidências da Câmara e do Senado dentro da mesma legislatura, Kassio ficou isolado ao adotar uma posição que correspondia exatamente à pretensão do Palácio do Planalto.
Ele foi o único a defender que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), poderia seguir no cargo, mas que o chefe da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), adversário do governo, não teria esse direito porque já tinha sido reconduzido no posto. No final, a tese que permitia a reeleição, vedada pela Constituição, foi derrotada por 6 a 5.
Além deste caso, Kassio interrompeu julgamentos no plenário virtual de interesse de Bolsonaro e pediu para que sejam analisados pelo plenário físico, atualmente realizado por videoconferência. Com isso, retardou decisões que poderiam impactar o presidente.
É o caso, por exemplo, de duas ações em que se discute se o chefe do Executivo pode bloquear seguidores nas redes sociais.
Os relatores de cada um dos processos, os ministros Marco Aurélio e Cármen Lúcia, votaram para obrigar o presidente a desbloquear os seguidores que entraram com as ações.
Com o pedido de destaque, o caso vai para as mãos do presidente do tribunal, Luiz Fux, decidir uma data para julgamento presencial.
Kassio fez o mesmo com uma ação penal que discute a gravidade do crime da “rachadinha”.
O processo diz respeito ao deputado Silas Câmara (Republicanos-AM), mas é similar à denúncia contra o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e pode servir de parâmetro para o julgamento do filho do presidente.
Na análise de matérias econômicas, Kassio seguiu a linha liberal defendida pelo Executivo ao votar pela constitucionalidade do trabalho intermitente previsto na Reforma Trabalhista.
O relator, ministro Edson Fachin, defendeu a anulação da norma, mas o indicado de Bolsonaro divergiu.
Em relação à Lava Jato, o ministro mostrou que seria contrário aos métodos dos investigadores já na estreia em um julgamento presencial, na sessão da Segunda Turma de 10 de novembro.
Na ocasião, ele foi voto decisivo para retirar a investigação contra o promotor Flávio Bonazza das mãos do juiz Marcelo Bretas, responsável pela operação no Rio de Janeiro.
Kassio foi indicado por Bolsonaro com o aval do ministro Gilmar Mendes, principal crítico da operação no Supremo.
No processo de escolha para a vaga de Celso de Mello, o chefe do Executivo preferiu agradar Gilmar, que é relator da ação que discute o foro especial concedido a Flavio Bolsonaro pelo TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro), em vez de estreitar a relação com o presidente da corte, Luiz Fux, que sequer foi consultado sobre a indicação.
Kassio herdou a cadeira de Celso na Segunda Turma, que julga recursos contra decisões de instâncias inferiores da Lava Jato, e tem sido decisivo no movimento de enterrar a operação.
Kassio exerce papel de fiel da balança no colegiado, uma vez que os ministros Gilmar e Ricardo Lewandowksi praticamente sempre votam contra os interesses dos investigadores, enquanto Edson Fachin e Cármen Lúcia costumam ir na corrente contrária.
Em outro movimento para enfraquecer a operação, o ministro ajudou a fixar uma tese que pode esvaziar a pretensão de Fux de enviar ao plenário todas as ações penais da Lava Jato.
Kassio acompanhou Gilmar ao decidir que não devem ser enviados ao plenário os recursos que ainda estejam em andamento na turma. Com isso, ajudou a derrotar a iniciativa de Fachin e manteve o caso do ex-deputado Washington Reis (MDB-RJ) no colegiado.
Kassio também frustrou as expectativas de Fux no julgamento do início deste mês que discute se o crime de injúria racial pode ser equiparado ao do racismo e, portanto, se tornar imprescritível também.
Após ganhar grande repercussão o assassinato de João Alberto Freitas no Carrefour em Porto Alegre em um suposto ato de racismo de dois brancos no supermercado, o presidente da corte pautou o caso para julgamento como forma de o Supremo dar uma resposta à sociedade sobre o episódio.
Fachin, relator do tema, votou pela equiparação dos delitos, mas Kassio divergiu e afirmou que não cabe ao Judiciário decidir se um crime prescreve, mas ao Congresso, responsável por editar as leis.
Ele citou inúmeros graves delitos que têm prazo de prescrição e defendeu a separação entre os Poderes. O julgamento foi interrompido por pedido de vista de Alexandre de Moraes.
Outra característica de Kassio é a brevidade de seus votos. O ministro antecipou seu estilo logo na estreia na Segunda Turma.
“Vossas Excelências vão ter a oportunidade de perceber que eu falo muito pouco. Não sou muito fã da minha própria voz. E sou fã do poder de síntese”, disse ele, após as saudações de boas-vindas dos colegas.
Kassio tomou posse em 5 de novembro. A solenidade ocorreu pouco mais de um mês após a posse de Fux na presidência, que ficou marcada pela contaminação pelo novo coronavírus poucos dias depois de ao menos oito autoridades que estiveram presentes.
No caso de Kassio, foi anunciado que a solenidade seria virtual para evitar o contágio da Covid-19.
A cerimônia, porém, contou com a presença física das principais autoridades do país, como Maia, Alcolumbre, o procurador-geral da República, Augusto Aras, o chefe da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, e os ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin.
Cinco dias depois, Moraes foi diagnosticado com a doença.
Como é praxe, o empossado não discursou na cerimônia. Apenas Fux usou a palavra, e fez elogios ao currículo de Kassio, um de seus pontos fracos durante o processo de escolha para o cargo, devido a inconsistências nos trabalhos acadêmicos apresentados.