Fachin enxerga manobra em liberação de mensagens da Lava Jato a Lula
STF deve ignorar caso; avaliação é que operação sofreria nova derrota, se caso fosse analisado pelos ministros no plenário da corte
A responsabilidade do ministro Ricardo Lewandowski na liberação das mensagens hackeadas da Operação Lava Jato ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva dividiu o STF (Supremo Tribunal Federal).
Relator da operação na corte, Edson Fachin afirmou no julgamento desta semana que a atribuição para analisar o pedido do petista deveria ser dele próprio, e não de Lewandowski.
Na mesma linha, a PGR (Procuradoria-Geral da República) acusou a defesa do petista de “burlar” o Supremo ao apresentar duas solicitações idênticas à corte, uma vez que Fachin já havia negado o mesmo pleito anteriormente.
Apesar de envolver um tema importante para a Justiça, que é o chamado “juiz natural” dos processos, princípio que garante a imparcialidade do Judiciário, o STF não deve se debruçar sobre o tema.
A avaliação da ala lava-jatista do Supremo é que, embora Fachin tenha argumentos em seu favor, as chances de vitória sobre o tema no plenário da corte seriam reduzidas.
Além de Lewandowski também ter argumentos jurídicos para despachar no pedido do petista, a compreensão é que o placar do julgamento da última terça-feira (9), que ratificou a entrega das mensagens a Lula, indica que o mais provável seria a Lava Jato amargar nova derrota no Supremo.
Os ministros Kassio Nunes Marques, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia acompanharam o voto de Lewandowski, e só Fachin se posicionou de maneira contrária na Segunda Turma.
O ministro Lewandowski liberou o acesso de Lula às mensagens (hackeadas e mais tarde apreendidas pela Polícia Federal no âmbito da Operação Spoofing) em um despacho individual dado em 28 de dezembro. Em 1º de fevereiro, retirou o sigilo dos diálogos.
As mensagens foram hackeadas e parte delas foi entregue ao site The Intercept Brasil, que, em parceria com outros veículos, incluindo a Folha, publicou o conteúdo.
Mais tarde, os invasores dos celulares de procuradores da Lava Jato foram presos, e as conversas ficaram sob a guarda da Polícia Federal, que teve de entregá-las a Lula por ordem do ministro do Supremo.
Fachin, porém, defendeu que seu colega não poderia ter dado acesso do material ao petista.
“O MPF [Ministério Público Federal] usou a palavra ‘burla da relatoria’. Não vou repeti-la porque acho demasiadamente grave, mas entendo que a reclamação não retirou a prevenção deste relator para questões atinentes à ação penal aqui em tela, assim como para demais ações penais quando instado o STF a decidir”, afirmou o ministro.
Ao questionar a decisão individual de Lewandowski que liberou o acesso do petista às mensagens, a PGR havia feito a mesma contestação.
“A busca de atalhamento decisório pela defesa, além de esbarrar no requisito processual negativo da litispendência, revela uma tentativa de burla ao princípio do juiz natural —porquanto já judicializada a questão, sob relatoria de outro ministro dessa Corte Suprema.”
Lewandowski, entretanto, também tem suas razões para atuar no tema. E elas têm origem em fevereiro de 2019, quando os advogados do petista acionaram o STF sob argumento de que a Lava Jato havia violado a súmula vinculante do Supremo que dá à defesa de investigados “acesso amplo aos elementos de prova” já documentados em procedimento investigatório.
A ação foi apresentada após a 13ª Vara Federal de Curitiba rejeitar o pedido de Lula para acessar a íntegra do acordo de leniência da Odebrecht no âmbito da ação penal em que o ex-presidente é acusado de receber um terreno da empreiteira como forma de propina.
Em março de 2019, Fachin também negou o pedido do petista. Um ano e meio depois, em agosto de 2020, no entanto, a Segunda Turma do Supremo analisou o caso e derrubou a decisão de Fachin, dando acesso irrestrito do ex-presidente ao material requisitado.
Na ocasião, Lewandowski foi o responsável por abrir divergência em relação ao voto do relator, o que o tornou responsável por todos os pedidos relativos ao caso que chegassem ao Supremo.
Em 23 de dezembro, então, a defesa do petista argumentou que deveria ter acesso às mensagens da Spoofing porque, conforme revelado por veículos de imprensa, os procuradores haviam conversado sobre o acordo de leniência nas mensagens.
Como os diálogos se tornaram um fato notório e de amplo conhecimento público, estava ali caracterizada a responsabilidade de Lewandowski sobre o pedido, uma vez que envolvia o acordo da empreiteira.
Outra tese levantada por ministros que sustentam que Fachin não é o responsável pelo processo advém da decisão do ministro de agosto de 2019 ao negar o acesso de Lula às mensagens.
Na interpretação de uma ala da corte, naquele despacho o ministro reconheceu que não seria o responsável pelo caso por causa de um trecho da decisão.
“Com relação ao pleito de produção de provas vinculadas a noticiados fatos supervenientes ao ato coator, consigno que se almeja a colheita de elementos probatórios que não se encontram submetidos à administração e supervisão desta relatoria, da autoridade imputada como coatora ou das instâncias antecedentes”, escreveu.
A defesa do petista recorria da decisão até dias antes do julgamento desta semana. Em 1º de fevereiro, porém, às vésperas da análise do tema na turma do Supremo, a defesa do petista pediu a desistência do recurso, que foi homologada por Fachin na terça-feira, data que a turma enfrentou o tema.
A decisão final do julgamento se limitou a afirmar que o grupo de sete procuradores que requereu a revogação do despacho de Lewandowski que autorizou o acesso aos diálogos não tinha legitimidade para fazer a solicitação ao STF.
Gilmar e Lewandowski aproveitaram para fazer duras críticas à Lava Jato. Kassio e Cármen, porém, afirmaram apenas que não poderiam analisar o pedido porque os ex-procuradores da operação não tinham direito de ter acionado o STF naqueles termos.
Fachin, porém, discordou dos colegas e disse que a corte não analisou somente a competência dos integrantes do MPF para acionar o Supremo. “O que se tem aqui, para além da questão da legitimidade, é o exame do fornecimento integral do material apreendido na 10ª Vara de Brasília [responsável pela Spoofing]”, disse.