Flávio Bolsonaro omitiu R$ 350 mil investidos em loja de chocolates, diz MP
Investigações do Ministério Público do Rio (MP-RJ) no caso da “rachadinha” mostram que o senador…
Investigações do Ministério Público do Rio (MP-RJ) no caso da “rachadinha” mostram que o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e sua mulher, Fernanda Bolsonaro, omitiram de suas declarações de Imposto de Renda o total de R$ 350 mil investidos na compra de uma loja de chocolates que o parlamentar possui em sociedade com o amigo Alexandre Santini desde 2014.
Os promotores identificaram a omissão depois de cruzar os dados bancários e fiscais de Flávio e Fernanda a partir das quebras de sigilo autorizadas pelo Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ), em abril do ano passado. No depoimento prestado ao MP-RJ, o senador caiu em contradição ao explicar a negociação, confundiu valores e, em muitos momentos, disse não recordar das operações.
Flávio e Santini compraram a loja da C2S Comércio de Alimentos, que pertencia a Cristiano Correia Souza e Silva. No contrato, assinado em 11 de dezembro de 2014, o valor acertado foi de R$ 800 mil. Cada sócio ficou responsável por arcar com metade, R$ 400 mil. Os promotores encontraram, na declaração de Flávio à Receita Federal, o pagamento de R$ 50 mil para a empresa de Cristiano em 2014, o que coincide com um cheque emitido por Flávio como sinal para a compra. Mesmo sem ser sócia da empresa, Fernanda fez uma transferência eletrônica para a C2S no valor de R$ 350 mil, no dia 2 de fevereiro de 2015, e quitou o que seria a parte de Flávio na aquisição da loja.
Contudo, este pagamento não foi declarado por ela à Receita Federal. O MP chegou a escrever nos autos da investigação que, no ano de 2015, “tanto Flávio Bolsonaro como sua esposa, Fernanda, omitiram em suas declarações de Imposto de Renda o restante dos pagamentos realizados à empresa C2S Comércio de Alimentos, evidenciando o propósito de esconder dos órgãos fiscalizadores o valor total da transação para a qual o casal não possuía lastro financeiro”.
Ao ser questionado em depoimento no mês passado sobre a omissão nas declarações, Flávio disse:
— Não sei se foi exatamente de R$ 800 mil.
Confrontado pelo promotor com o dado do contrato, o senador afirmou:
— É, tá no contrato. Se não me engano, o que está lançado aí não é o que eu gastei com a Kopenhagen, mas o capital social da loja, alguma coisa assim. Nas retificadoras (do Imposto de Renda) que eu fiz tá direitinho como é que eu fiz o pagamento, em que momento, eu não sei agora de cabeça para te falar.
No entanto, conforme os autos da investigação, o pagamento pela compra da loja não foi declarado. Os promotores possuem as declarações retificadas de 2007 até 2018, período que abrange a quebra de sigilo autorizada pela Justiça.
O MP-RJ investiga ainda as circunstâncias da aquisição da loja e apuram se Santini, de fato, arcou com sua parte na compra. De acordo com os promotores, a informação de que o sócio de Flávio “teria dividido os custos do empreendimento pode ter sido falsamente inserida nos contratos” para “acobertar a inserção de recursos decorrentes do esquema das ‘rachadinhas’”.
No contrato de Flávio e Santini com a empresa de Cristiano ficou acertado que o pagamento pela loja se daria em três etapas: um cheque de R$ 50 mil como sinal — declarado por Flávio à Receita; uma transferência eletrônica (TED) de R$ 420 mil; e os R$ 330 mil restantes seriam pagos no dia 25 de fevereiro de 2015, “em espécie”. Em depoimento ao MP-RJ, porém, Cristiano relatou que o último pagamento ocorreu no dia 5 de março de 2015 “mediante TED cuja origem o depoente não sabe precisar, mas foi depositado no Citibank”. O GLOBO apurou que o pagamento foi feito via TED.
Os investigadores apontam que outras despesas da loja podem ter sido custeadas com pagamentos de dinheiro em espécie desviado da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Os promotores citam como exemplo a taxa de franquia, que custaria cerca de R$ 45 mil e não foi identificada nos extratos bancários de Flávio e Fernanda.
Repasses de Fernanda
O capital social da Bolsotini (razão social da loja), que é o valor declarado por Flávio e Santini à Junta Comercial do Rio como investimento na sociedade, foi de R$ 200 mil. Com a quebra de sigilo, o MP-RJ descobriu que esse valor foi repassado por meio de transferência eletrônica por Fernanda, que não é sócia da empresa, para a conta da Bolsotini. O valor transferido representa o total do capital social da empresa, incluindo a parte que seria de Santini. Esse é um dos indícios apontados pelo MP de que o sócio de Flávio seria, na verdade, um laranja.
Ao ser questionado sobre como foi feito o repasse para constituir o capital social da Bolsotini, o senador afirmou:
— Toda a minha parte, que paguei, saiu da minha conta. Todo o restante da conta do meu sócio.
O promotor então questionou se foi da conta dele ou de Fernanda e Flávio disse:
— É… Dos dois. Qualquer diferença que tenha ali foi da conta do Alexandre (Santini).
Logo adiante, o promotor insistiu em saber se Santini tinha pagado os R$ 100 mil referentes a sua parte na sociedade, e Flávio respondeu:
— Acredito que sim. Não sei de cabeça agora.
As investigações, porém, não identificaram repasses de Santini, nem de Flávio, para a constituição do capital social da empresa.
Flávio também foi questionado sobre como Fernanda teria declarado o repasse de R$ 200 mil para a Bolsotini. Ele respondeu que ela teria registrado na declaração dele à Receita. Contudo, em seguida, o senador informou que a declaração não era conjunta, mas sim que ambos informavam que eram cônjuges “para a Receita entender que o patrimônio dela tinha que ser analisado em conjunto” com o seu.
Flávio declarou como “bens” em 2014 uma valor de R$ 50 mil referente à franquia aberta. Em 2017, sem justificativa, declarou R$ 100 mil. Os valores tratam exclusivamente do capital social da empresa.
Especialistas ouvidos pelo GLOBO, em tese, explicaram que, mesmo sendo casada com Flávio, Fernanda deveria ter informado em sua declaração que houve um empréstimo ou doação dos recursos, uma vez que não é sócia do negócio. E Flávio deveria declarar que foi beneficiário do dinheiro.
Segundo o MP -RJ, a loja foi usada por Flávio para lavar cerca de R$ 1,6 milhão em dinheiro vivo obtido a partir das devoluções de parte dos salários dos servidores da Alerj. Segundo a investigação, a Bolsotini declarou um total de R$ 6,5 milhões de arrecadação entre 2015 e 2018. No entanto, o valor auditado pelo shopping foi de R$ 4,8 milhões em vendas. A diferença ao longo do período foi de R$ 1,6 milhão.
Outro lado
Os advogados Rodrigo Roca, Luciana Pires, Juliana Bierrenbach e Renata Azevedo, que atuam na defesa do senador, disseram não poder comentar o mérito das declarações. Por nota, afirmaram que Flávio “esclarece que a alucinação de alguns promotores do Rio em persegui-lo é tão vergonhosa que até perderam prazo para apresentar recursos ao STF e ao STJ de decisão que retirou a investigação da competência deles. Com isso, buscam atacar sua imagem pública, uma vez que, processualmente, não há nada mais que eles possam fazer”.
Os advogados disseram ainda que aguardam que o procurador-geral de Justiça do Rio, Eduardo Gussem, “não prevarique e instaure, imediatamente, procedimento para apurar conduta criminosa desses promotores de injustiça por violação de sigilo profissional, uma vez que o processo deveria correr em segredo de Justiça, mas é insistentemente, trazido a público, inviabilizando a defesa do senador dentro do devido processo legal e do contraditório”. A defesa de Santini não se manifestou.