Fundo público respondeu por 86,5% do orçamento dos partidos em 2017
Não fossem os recursos públicos que receberam por meio do fundo partidário, os partidos brasileiros…
Não fossem os recursos públicos que receberam por meio do fundo partidário, os partidos brasileiros teriam ficado praticamente paralisados em 2017. A verba representou, em média, 86,5% de todos os recursos utilizados pelas 34 legendas que declararam suas contas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Os dados são inéditos e foram compilados pela Folha de S.Paulo a partir de informações do novo Sistema de Prestação de Contas Anuais dos partidos, tornadas públicas na última terça (12). Segundo o TSE, foram repassados R$ 665,8 milhões aos partidos em 2017.
Em um extremo, partidos como PSL, PSDB e Avante praticamente não registraram outros recursos que não o fundo partidário. De outro, Novo, PCB PR e PT declararam outras fontes significativas de renda – contribuições de filiados ou doações.
O PSL, partido do pré-candidato à Presidência Jair Bolsonaro, informou que 100% de suas receitas de 2017 vieram do fundo partidário. Afastado do comando do PSL desde fevereiro deste ano, o ex-deputado federal Luciano Bivar diz que não existe uma cultura de doações a partidos fora da eleição e que os recursos do fundo partidário, em síntese, dão conta dos custos de operação da legenda.
“Em geral, os partidos dependem majoritariamente do fundo partidário. Quanto menor o partido, maior tende ser a dependência –a não ser os novos, como Rede e Novo, que têm ações de filiação e de captação de recursos”, afirma o cientista político Bruno Bolognesi, coordenador do Laboratório de Partidos Políticos e Sistemas Partidários da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Em 2017, o Novo, de orientação liberal, foi o partido que menos dependeu do fundo: apenas 9% de suas verbas vieram do TSE. No caso da Rede, foram 87,3 % de suas verbas. Cada filiado do Novo precisa contribuir com um mínimo de R$ 29 por mês. O partido rejeita recursos públicos, mas os recebe e guarda em uma aplicação porque, caso contrário, sua fatia seria repassada a outras legendas. Moisés Jardim, presidente nacional da sigla, afirma que ainda estuda internamente como restituir o valor ao Tesouro.
Bolognesi afirma que, como é hoje, o financiamento permite que legendas sobrevivam com pouca representatividade, servindo para manter o poder de pequenos grupos que as controlam. No Brasil, todo partido registrado tem direito a uma fatia de 5% do fundo partidário, que é repartida igualmente. Os outros 95% são distribuídos a quem tem vaga na Câmara, seguindo a proporção de votos que cada agremiação recebeu na última eleição geral.
“Os partidos que recebem doações têm ligação mais forte com a sociedade. Quanto mais você depende do Estado, mais longe você está de representar as pessoas e de prestar contas”, diz Bolognesi. O cientista político prevê que a aplicação da nova legislação eleitoral –com a cláusula de barreira e o fundo especial de campanha– poderá incentivar que partidos apostem cada vez mais em recursos públicos para se manter. “Ocupar cargos nos estados vai ser cada vez mais importante. E cada vez mais, os partidos vão se afastar da sociedade”, ele argumenta.
Com 61 deputados federais, o PT é o partido que recebe o maior quinhão do fundo partidário (13%). Foram R$ 88,4 milhões disponibilizados em 2017 pelo TSE, segundo a corte. Emídio de Souza, tesoureiro do PT, afirma que o partido tem a cultura de incentivar a contribuição de seus filiados, sobretudo dos que têm cargos eletivos, como forma de educação política. Neste ano, ele prevê que o percentual de doações deve crescer, considerando as campanhas de financiamento para ações em prol de Lula.
As próprias agremiações forneceram os detalhes sobre seus caixas para o TSE e ainda podem retificar as informações até 29 de julho. A corte tinha prometido os dados para 1º de junho, mas atrasou por problemas técnicos. A divulgação dessas informações enfrentou resistência de políticos e é consequência da pressão feita por organizações da sociedade civil, como a Transparência Partidária.
“Abre a caixa preta dos partidos -porque era mesmo uma caixa preta”, diz Marcelo Issa, coordenador do Transparência Partidária. Até a criação dessa nova ferramenta, as prestações de contas eram entregues ao TSE em papel. Os documentos eram disponibilizados ao público em cópias digitalizadas desses processos, o que tornava impossível uma análise dessas informações. O próprio tribunal eleitoral costumava levar cinco anos para julgar as declarações apresentadas.
“Com essa base de dados publicada desse jeito, a gente passa a ter condições de criar ferramentas que mostrem indícios de irregularidades”, afirma Issa.