Gabinete de Aras vê abundância de provas e conclusões temerárias em CPI da Covid
O gabinete do procurador-geral da República, Augusto Aras, considera temerárias conclusões da CPI da Covid no…
O gabinete do procurador-geral da República, Augusto Aras, considera temerárias conclusões da CPI da Covid no Senado e vê muito barulho no curso da investigação parlamentar. No entanto o grupo também enxerga uma abundância de provas carreadas ao longo dos seis meses de apuração, em especial quebras de sigilo bancário, fiscal, telemático e telefônico.
Esta é a visão de auxiliares que atuam diretamente com Aras na PGR (Procuradoria-Geral da República) e que devem ter participação na análise e no destino do relatório final da CPI. Os auxiliares foram ouvidos pela Folha sob a condição de anonimato.
O relatório foi entregue a Aras na manhã desta quarta-feira (27), no prédio da PGR, pela cúpula da CPI e por outros senadores que controlaram as investigações, iniciadas em abril.
Aos senadores o procurador-geral fez uma declaração em que reconheceu a existência de novidades na investigação parlamentar.
Ele prometeu atuar com a “agilidade necessária” para avançar nas apurações sobre crimes atribuídos a autoridades com foro privilegiado. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é uma delas.
“A PGR dará a qualificação jurídica que porventura possamos encontrar e que seja civil, penalmente e administrativamente puníveis”, disse Aras, ao lado dos senadores e com o relatório de 1.200 páginas nas mãos.
Os congressistas temem uma inação ou arquivamentos automáticos por parte do procurador-geral, em razão de seu histórico de blindagem ao presidente e ao governo.
Auxiliares próximos a Aras consideram temerárias conclusões da CPI em razão de a pandemia ainda estar em curso. Isso impediria uma análise mais definitiva sobre os fatos, na visão desses integrantes da PGR.
O que ocorreu no Senado não encontra paralelo em outros países fortemente impactados pela pandemia, segundo essa análise.
Outra consideração a respeito da investigação parlamentar é que a atuação dos senadores foi barulhenta e destinada a produzir notícias, conforme auxiliares diretos de Aras.
A crítica à CPI, porém, não impede o reconhecimento, pelo gabinete do procurador-geral, de que a comissão avançou, produziu provas em abundância e deverá alimentar procedimentos sobre atos de Bolsonaro, inclusive com possibilidade de desarquivamento.
O especial interesse de procuradores está em provas obtidas pela CPI particularmente nas quebras de sigilo feitas ao longo de seis meses.
Integrantes da PGR apontam que a obtenção de quebras de sigilo na Justiça depende de pedidos embasados e se destina à fase final das investigações.
Já a CPI obteve esses dados com facilidade, em distintos momentos da apuração e sem a necessidade de justificativas muito elaboradas.
O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), já indicou que o Senado compartilhará com o MPF (Ministério Público Federal) e outros órgãos de controle todos os documentos sigilosos reunidos ao longo de seis meses de trabalho.
Já havia pedidos pendentes antes mesmo da aprovação do relatório final, considerado por procuradores como uma peça de juízo político.
Além das quebras de sigilo, auxiliares de Aras veem avanços na investigação dos senadores sobre a suposta prevaricação por parte de Bolsonaro. O avanço seria superior ao trabalho feito pela Polícia Federal.
O presidente teria sido avisado, no Palácio da Alvorada, que o contrato para compra da vacina indiana Covaxin, no valor de R$ 1,6 bilhão, estava eivado de irregularidades. Bolsonaro teria prometido acionar a Polícia Federal, o que não ocorreu.
Os responsáveis pela denúncia foram os irmãos Miranda —Luís Ricardo Miranda, chefe do setor de importação do Ministério da Saúde, e Luís Miranda (DEM-DF), deputado federal. Eles foram recebidos por Bolsonaro no Alvorada. À CPI detalharam o que contaram ao presidente.
Prevaricação é um dos crimes imputados a Bolsonaro no relatório final. Toda a parte relacionada a essa acusação será destinada ao inquérito em curso na PF, aberto após provocação de senadores, pedido da PGR e autorização do STF (Supremo Tribunal Federal).
Outra possibilidade aventada, a depender das provas reunidas e apresentadas pela CPI, é o desarquivamento de uma representação contra Bolsonaro feita por ex-integrantes da cúpula da PGR, entre eles o ex-procurador-geral Claudio Fonteles.
O grupo acusou o presidente de cometer o crime de “favorecer disseminação de epidemia” e pediu atuação da PGR, que decidiu pelo arquivamento. O relatório final da CPI da Covid atribuiu a Bolsonaro o crime comum de epidemia com resultado de morte.
Ao todo, o documento da CPI lista nove crimes do presidente, como infração a medidas sanitárias preventivas, emprego irregular de verba pública, falsificação de documentos particulares, crime de responsabilidade e crimes contra a humanidade.
O entendimento de auxiliares de Aras é que o trabalho da CPI não poderá ser desprezado em razão da grande quantidade de material reunido, o que permitiria embasar novos inquéritos envolvendo autoridades com foro privilegiado.
Assim, segundo esses integrantes da PGR, o material da CPI vai além do costumeiramente usado para fundamentar procedimentos preliminares chamados de “notícias de fato”.
Uma notícia de fato antecede um inquérito e é um instrumento usado por Aras para lidar com acusações contra Bolsonaro que chegam à PGR.
O relatório final da CPI propõe o indiciamento de duas empresas e 78 pessoas, entre elas o presidente e quatro ministros de seu governo: Marcelo Queiroga (Saúde), Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência), Walter Braga Netto (Defesa) e Wagner Rosário (CGU).
Todas essas autoridades têm foro privilegiado junto ao STF, e a atribuição de investigação criminal é da PGR. Também têm foro dois filhos do presidente que estão na lista de pedidos de indiciamento: o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
A PGR já tem um levantamento de ações e áreas do MPF para onde pretende destinar fatias do relatório da CPI que dizem respeito a investigados sem foro privilegiado.
Integrantes da CPI afirmam que não abrirão mão da prerrogativa de fazer esse fatiamento e destinar as partes a p rocuradorias da República e outros órgãos de controle interessados nas provas reunidas pela comissão.