Governo trava R$ 666 mi para combate à Covid em estados escolhidos pelo Congresso
Portaria do Ministério da Saúde criou limite para transferências; pasta diz que está reavaliando a medida
O Ministério da Saúde travou R$ 666 milhões que o Congresso reservou para auxiliar estados e municípios no combate à pandemia.
Deputados e senadores têm direito a destinar parte do Orçamento federal a suas bases eleitorais. Isso é feito pelas chamadas emendas parlamentares.
Ao todo, 20 estados e 25 municípios deveriam ser beneficiados pelo dinheiro. No entanto, até hoje, nada foi enviado.
O Amazonas, que entrou em colapso no início deste ano, tem para receber mais de R$ 160 milhões. O estado é o mais favorecido pelas emendas. São Paulo, por exemplo, deverá ter cerca de R$ 19 milhões.
O bloqueio afetou emendas de desafetos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), como o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), mas também de aliados, como a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) e Flávia Arruda (PL-DF), na Secretaria de Governo desde março.
O problema, segundo técnicos de Orçamento do Congresso, foi causado por uma portaria do Ministério da Saúde que impôs um limite às transferências a estados e municípios na pandemia.
Procurada, a pasta afirmou apenas que reavalia a medida. O Ministério da Saúde não quis explicar o motivo para os recursos ainda não terem sido usados.
As emendas para combate à pandemia foram reunidas em uma rubrica dentro do Orçamento de 2021. O nome dado foi “reforço de recursos para emergência internacional em saúde pública (coronavírus)”.
“É um contrassenso não terem pago ainda os recursos que foram destinados a uma emergência”, disse Renatho Melo, diretor do Inop (Instituto Nacional de Orçamento Público), que realizou um levantamento das emendas que estão travadas.
Em junho, o Ministério da Saúde publicou uma portaria com regras para as transferências de dinheiro do FSN (Fundo Nacional da Saúde) para os fundos estaduais e municipais. Entre as medidas criadas está um limite para esses repasses.
O ato, assinado pelo ministro Marcelo Queiroga (Saúde), diz que o valor máximo é calculado com base em uma média do que foi transferido em 2020, primeiro ano da pandemia.
O deputado Lucas Vergílio (Solidariedade-GO), então, apresentou um projeto para que o Congresso derrubasse essa parte da portaria do ministro. O Legislativo tem o poder de publicar um decreto para desfazer esse tipo de ato do governo.
Com amplo apoio na Câmara e no Senado, a proposta foi aprovada, e o Congresso oficializou que parte da portaria de Queiroga se tornou inválida a partir de 13 de julho.
“Infelizmente o Ministério da Saúde, sem consultar o Parlamento, criou esse teto. Mas nosso objetivo justamente era de que mais recursos de combate à pandemia pudessem chegar aos municípios brasileiros. A portaria poderia inviabilizar essa verba destinada pelos parlamentares para salvar vidas”, afirmou Vergílio.
Apesar da derrubada de trecho da portaria do Ministério da Saúde, os recursos continuam parados. Técnicos de Orçamento do Congresso dizem que o sistema para viabilizar o repasse continua desatualizado.
As emendas com dinheiro para a área de saúde são consideradas impositivas. Isso significa que precisam ser liberadas pelo governo ao longo do ano.
Por isso, congressistas dizem que os recursos não poderiam ter limite algum e já deveriam ter chegado aos estados e municípios para auxiliar no enfrentamento do coronavírus.
Getúlio Vargas Junior, coordenador-adjunto da Cofin (Comissão Intersetorial de Orçamento e Financiamento) do CNS (Conselho Nacional de Saúde), critica o represamento de recursos na pandemia.
“Aliás, a gente entende que neste momento a gente deveria ter aprovado um Orçamento que fosse condizente com o enfrentamento da pandemia, que houvesse inclusive mais recursos disponibilizados para estados e municípios”, afirma.
“Qualquer tipo de corte, contingenciamento ou represamento de recursos é contraditório à necessidade que a gente tem para enfrentar a pandemia.”
Para ele, ao decidir limitar as transferências, o ministério afeta consultas, exames e procedimentos que estavam represados e não puderam ser feitos desde março do ano passado, quando começou a pandemia.
“Em outros lugares pode representar medicamentos, o aluguel de respiradores, pode representar na ponta a estrutura necessária tanto para a imunização de um lado quanto para internação contra Covid”, diz.
Segundo Vargas Junior, apesar de os indicadores da pandemia terem melhorado, a crise na saúde ainda é uma realidade que mata brasileiros diariamente. De acordo com ele, ainda não se pode considerar que o páis voltou à normalidade.
“Esses recursos fazem parte de todo o enfrentamento da saúde. O SUS tem sempre feito muito com muito pouco. E, quando os recursos ficam presos, isso dá reflexo na ponta, de quem depende exclusivamente do SUS.”
O Orçamento de 2021 foi aprovado pelo Congresso com atraso. O aval ocorreu apenas em março, mês mais letal da pandemia.
Ao todo, 14 senadores, de um total de 81, destinaram emendas para combater a Covid-19. Na Câmara foram mais de 60 dos 513 deputados.
Além disso, há recursos escolhidos por bancadas. Isso ocorre quando deputados e senadores de um estado reservam dinheiro para um projeto que consideram prioritário na região.
“Neste momento, mesmo após sustar os efeitos da portaria do Ministério da Saúde, eles não conseguem fazer que esses recursos para o combate à pandemia chegue à população”, disse Melo, que cuidou do levantamento.