Lei nº 13. 869/19

Impactos da Lei de Abuso de autoridade no jornalismo: saiba quais são

Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-GO garante não haver prejuízos na atuação jornalística, mas repressão aos abusos praticados por autoridades públicas; advogado penal aponta um problema: identificação de investigado por outras vítimas, por meio de reportagens

Impactos da Lei de Abuso de autoridade no jornalismo

A Lei de Abuso de Autoridade entrou em vigor no dia 3 de janeiro deste ano. A matéria, que trata de detalhes sobre crimes de abuso de autoridade que não devem ser cometidos por agentes públicos e servidores no exercício da função, também traz mudanças na atuação jornalística, conforme explica o advogado Roberto Serra, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-GO.

“Mas em momento algum impede o direito à informação jornalística ou liberdade de imprensa. O que ela busca reprimir são os abusos praticados por autoridades públicas com relação àqueles que estão a eles subjugados”, garante.

Vale destacar que a Lei Nº 13. 869, de 5 de setembro de 2019 – a lei de Abuso de Autoridade – proíbe as Polícias Militar e Civil de divulgar as identidades e imagens de pessoas detidas. Nem mesmo fotos de costas ou iniciais dos nomes podem ser repassados. Está proibido “constranger o preso ou detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência a exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública”, conforme o artigo 13 da nova norma.

Já o 28 proíbe a “divulgação ou trecho de gravação com prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado”. Por sua vez, o 38 veda “antecipar, por meio de comunicação, inclusive rede social, atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação”.

Ponto negativo

O advogado e professor de Direito Penal, Kelvin Wallace, é, também, um defensor da Lei de Abuso de Autoridade. Ele cita a questão da danificação da imagem pela exposição, que poderia perpetuar uma pena, mesmo para aquele que for absolvido. Porém, o jurista observa um ponto negativo.

Segundo ele, de modo geral, a lei dificulta, sim, a atuação no âmbito jornalístico. Mas o apontamento, na verdade, diz respeito à publicidade do investigado, que poderia favorecer a identificação por outras vítimas.

“As possíveis vítimas dessas pessoas [investigados que eram expostos] poderiam reconhecê-las, por meio de reportagens, e colaborar com as autoridades”, exemplifica. Ainda assim, ele vê como mais benéfica a Lei de Abuso de Autoridade para quem advogada, pois ela garante a proteção do cliente.

Explicação jurídica

Roberto Serra cita o artigo 13 na explicação. Segundo ele, “temos assistido com certa frequência cenas em que pessoas são forçadas a mostrar o rosto. Muitas delas têm os cabelos puxados para trás, queixo colocado para acima. E até são ameaçados para que revelem quem são, para a população ávida por vingança ou curiosidade. Essas indevidas exposições é que são proibidas e repelidas pela lei”.

Em relação ao artigo 38, ele volta a dizer que não se trata de restringir a liberdade de imprensa, mas impedir a antecipação de culpa. “E essas providências não são novidade. Na Constituição Federal, artigo 5o, inciso X, tratados internacionais de Direitos Humanos, já existe a garantia do direito de imagem.”

Inclusive, diz o texto constitucional: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”

O presidente da Comissão de Direitos Humanos ainda cita o artigo 20 do Código Civil. Que diz: “salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais” – e a Lei de Execução Penal, artigo 41, inciso VIII – “constituem direitos do preso: proteção contra qualquer forma de sensacionalismo”.

“Ou seja: o que está na lei já vem ou tem respaldado na Constituição, tratados e leis infraconstitucionais”, destaca. Ainda segundo ele, na Lei 13.964/19 (Pacote Anticrime), também é estabelecido ao juiz assegurar o cumprimento de regra para o tratamento de preso, inclusive de acordo de autoridade com órgãos da imprensa para expor o preso.

“O juiz das garantias deverá assegurar o cumprimento das regras para o tratamento dos presos, impedindo o acordo ou ajuste de qualquer autoridade com órgãos da imprensa para explorar a imagem da pessoa submetida à prisão, sob pena de responsabilidade civil, administrativa e penal”, escreve o art. 3º-F da referida legislação.

Sigilo e garantia

Roberto lembra, ainda, que durante o inquérito, os procedimentos são sigilosos para que a investigação não seja comprometida. Por isso, ele avalia que não haverá restrição no trabalho jornalístico, pois quando o investigado for remetido ao Judiciário, será devidamente identificado.

“Está no art. 93, IX, da Constituição Federal”, diz e replica a lei: “Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.”