Alfinetada?

Inep divulga tema da redação do Enem: “Democratização do acesso ao cinema no Brasil”

O tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano já foi…

O tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano já foi divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Trata-se da “Democratização do acesso ao cinema no Brasil”.

Comumente, o Enem traz temas atuais em suas redações. Desta vez, a escolha pode ter sido, inclusive, um alerta – ou mesmo uma indireta -, uma vez que a sétima arte passa por discussões profundas no País.

Agência reguladora, a Agência Nacional do Cinema (Ancine) é vinculada ao Ministério da Cidadania, liderado por Osmar Terra. Entre suas atribuições está o fomento, a regulação e a fiscalização do mercado do cinema e do audiovisual no País.

Em 19 de julho, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) chegou a dizer que, caso o governo não pudesse impor filtro às produções nacionais, a Ancine seria extinta.

“Vai ter um filtro, sim. Já que é um órgão federal, se não puder ter filtro, nós extinguiremos a Ancine. Privatizaremos, passarei ou extinguiremos.” A afirmação foi feita pelo presidente depois de uma solenidade em comemoração ao Dia Nacional do Futebol.

“Filtro”

Os filtros seriam “culturais”, segundo o gestor. “Temos tantos heróis no Brasil e a gente não fala dos heróis do Brasil, não toca no assunto. Temos que perpetuar, fazer valer, dar valor a essas pessoas que no passado deram sua vida, se empenharam para que o Brasil fosse independente, fosse democrático, e sonharam com um futuro que pertence a todos nós.”

Anteriormente, o presidente fez críticas ao filme “Bruna Surfistinha”. “Não posso admitir que, com dinheiro público, se façam filmes como o da Bruna Surfistinha. Não dá. Não somos contra essa ou aquela opção, mas o ativismo não podemos permitir, em respeito às famílias.”

Cinema nacional

Em setembro, dois filmes, que tratam sobre temas LGBTQI+ e de negritude, tiveram o apoio da Ancine cortado. A agência suspendeu ajuda de custo de R$ 4,6 mil aos produtores dos filmes “Greta” e “Negrum3”. Esse termo de permissão objetivava a participação dos filmes no Festival Internacional de Cinema Queer, em Lisboa.

“A divulgação de projetos contemplados no Programa não representa garantia de que eles receberão os recursos, uma vez que o próprio termo de compromisso firmando o apoio condiciona o aporte à disponibilidade orçamentária. O critério do corte foi exclusivamente temporal: foram mantidos os apoios a filmes contemplados em festivais já realizados ou em curso”, divulgou a agência em nota.

A Ancine já tinha aprovado a “concessão de apoio financeiro” para os filmes, três semanas antes do cancelamento.

Marighela

Outro filme que tem enfrentado problemas é “Marighela”. A produção, que acompanha a vida do militante comunista Carlos Marighella, teve sua estreia cancelada por restrições da Ancine.

Ele entraria em cartaz em 20 de novembro, data dos 50 anos da morte do militante e Dia da Consciência Negra. Antes disso, ainda em agosto deste ano, o longa teve dois recursos de ressarcimento de despesas pagas pela produtora negados pela agência. Estes tinham montante de mais de R$ 1 milhão pelo Fundo Setorial do Audiovisual (FSA).

O filme segue sem data para estrear.

Edital cancelado

Em agosto, a Ancine cancelou um edital que destinaria R$ 70 milhões para produções audiovisuais destinadas a tevês públicas. Como as obras eram de temática LGBT, os diretores acusaram o ato de “censura”.

À época, o governo disse que havia a necessidade de recomposição dos membros do Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual (CGFSA). Esta medida aconteceu uma semana depois do presidente dizer que ia “abortar” projetos que não deveriam receber recursos públicos.

Neste caso, o governo sofreu uma derrota. Depois da 11ª Vara Federal do Rio de Janeiro anular a portaria publicada pelo ministro da Cidadania, Osmar Terra, que cancelava o edital, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região negou o pedido do governo para reverter a decisão. Esta vitória para o cinema LGBT foi concedida na primeira metade de outubro.

Diretoria

Outro ponto é que a Ancine deveria ter quatro diretores, mas está com somente um. Ele é Alex Braga, que ocupa o cargo desde 2017. A fim de que o órgão não pare, ele, ao lado de Débora Ivanove, que deixou a penúltima diretoria no fim de setembro, assinaram uma portaria para que Alex pudesse aprovar projetos e liberar recursos.

Em decorrência disso, o Tribunal de Contas da União (TCU) colocou em seu relatório, à época, a palavra “colapso” e exigiu providências em relação a prestação de contas da agência (entre janeiro e agosto de 2019, apenas seis prestações foram concluídas).

O governo precisa assinar atos legais pela indicação de novos diretores e, também, pela nomeação de Conselho Superior de Cinema. Isso ainda não ocorreu.

Desta forma, o tema do Enem deve ter bastante “munição” para ser composto. O objetivo da banca pode ter sido somente o debate, mas uma “alfinetada” não está descartada.