Inquérito que tenta afastar Sérgio Camargo da Palmares cita ‘caça a esquerdistas’
Depoimentos colhidos pelo Ministério Público do Trabalho, o MPT, apontam que o presidente da Fundação…
Depoimentos colhidos pelo Ministério Público do Trabalho, o MPT, apontam que o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, tem promovido uma caça aos funcionários de esquerda da instituição, com objetivo de demiti-los ou impedir que seus contratos de trabalho sejam renovados.
O MPT ouviu 16 profissionais que fizeram ou ainda fazem parte do quadro de colaboradores da fundação. As denúncias, que vêm sendo apuradas desde o início de março, levaram à promotoria pedir que a Justiça do Trabalho afaste Camargo da presidência da Palmares imediatamente, além de condená-lo a pagar uma indenização de R$ 200 mil por dano moral coletivo.
A ação civil foi ajuizada na sexta-feira passada. Assim que a Justiça do Trabalho se manifestar sobre o caso, a Fundação Palmares tem 72 horas para se pronunciar sobre as acusações, quando o juiz pode decidir afastar Camargo ou não.
“Era um clima de terror psicológico e medo constante de expressar suas opiniões, fazer postagens nas redes sociais, para não ser caracterizado como esquerdista e perder o emprego”, diz o procurador Paulo Neto, que assina a ação. “Esta postura é um aspecto do assédio moral, em que o assediador afirma seu poder. É uma maneira de mostrar que é o chefe, é poderoso e pode fazer o que quiser.”
Procurada, a Fundação Palmares não respondeu até a publicação desta reportagem.
Silva exerceu o cargo de diretor de abril de 2020 a 10 de março de 2021, quando pediu demissão após se negar a assinar uma ata de preços. Ele afirma que, apesar de não ter sofrido perseguição política, por ser de direita, era incentivado a monitorar as redes sociais de seus subordinados, como o próprio presidente da fundação fazia, para identificar e demitir os que fossem de esquerda.
“Uma funcionária foi mandada embora em janeiro por ser esquerdista e sua irmã trabalhar na Globo. Outra também foi mandada embora, pois, segundo Sérgio Camargo, era esquerdista e tinha entrado na Palmares quando o PT estava no poder”, disse Silva ao MPT por email.
“Eu dizia que ele só poderia mandar embora quem ocupasse cargo de confiança. Ele não me ouvia. Falei várias vezes que as pessoas tinham direito de votar em quem elas achassem melhor e que a liberdade de religião e política são garantidas por nossa Constituição”, acrescentou.
Ao se negar a participar da caça ideológica, Silva diz ter sido chamado de “bundão” por Camargo, num linguajar agressivo que seria costumeiro nas reuniões, a exemplo de quando Camargo teria chamado o movimento negro de “escória maldita”, ofensa que foi gravada em áudio e distribuída à imprensa por um funcionário, ao que Camargo reagiu dizendo, numa outra reunião, que “querem colocar no meu cu”, mas “esses filhos da puta não vão conseguir nada” porque “sou apoiado pelo Bolsonaro e nada vai acontecer comigo”.
Silva não foi o único que pediu demissão por discordar da gestão de Camargo. Foi também o caso de Franco César Bernardes, especialista em políticas públicas e gestão governamental.
Bernardes, que era concursado, afirma que o ambiente foi tomado por um clima “insalubre do ponto de vista emocional”, o que o atrapalhava a desempenhar suas funções, mesmo ele próprio não tendo sido alvo de perseguição, situação semelhante à enfrentada por Tiago Cantalice da Silva Trindade, que fazia parte do departamento de comunicação da Palmares.
“A perseguição se tornou direcionada a alvos mais frágeis, como funcionários terceirizados e servidores comissionados sem vínculo efetivo. Pessoas que nunca tiveram vinculação partidária ou que nunca expressaram qualquer opinião política nas dependências da fundação foram demitidas simplesmente por terem relação com gestões anteriores ou por serem tachadas genericamente de esquerdistas”, disse Trindade ao MPT.
Tales Guimarães Paiva, que trabalhava como terceirizado no departamento administrativo da fundação, diz acreditar ter sido um desses alvos. “As pessoas passaram a ter medo de serem demitidas e adotaram algumas condutas, como deixar de fazer postagem em rede social, deixar de usar camisa vermelha e fazer a barba”, disse em seu depoimento.
Camargo está à frente da Fundação Palmares desde novembro de 2019, quando foi nomeado por Roberto Alvim, o secretário especial de Cultura de Bolsonaro que foi exonerado após parafrasear um discurso de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda da Alemanha nazista.
Desde sua contratação, ele coleciona polêmicas. Alvo de críticas por deputados de oposição, movimentos negros e associação de designers, uma de suas últimas empreitadas na gestão da Palmares foi o lançamento de um concurso para substituir a logomarca da fundação por uma arte sem o machado de Xangô, uma divindade do Candomblé.
Antes, porém, ele já chegou a afirmar que “a escravidão foi terrível, mas benéfica para os descendentes”. Conforme demonstram publicações de redes sociais anexadas à ação civil, Camargo nega rotineiramente a existência do racismo estrutural e ataca ativistas do movimento negro —apesar de seu pai, Oswaldo de Camargo, ser especialista em literatura negra e militante do movimento.