Internação de Bolsonaro tem ‘hospitalciata’ e gritos pró e contra do lado de fora
Manifestações de motoristas e pedestres que passam pela região vão desde o 'força, Bolsonaro' até o 'fora, Bolsonaro'
A repentina internação do presidente Jair Bolsonaro modificou a rotina no hospital Vila Nova Star, na Vila Nova Conceição (zona sul de São Paulo), onde ele deu entrada na quarta-feira (14) à noite.
A mudança mais vistosa —e barulhenta— é a presença da imprensa logo na entrada. Durante o dia, ao menos 30 profissionais, incluindo repórteres, cinegrafistas e fotógrafos, ficam de prontidão, entre câmeras, luzes, fios e computadores. Nos intervalos, conversam e falam ao telefone.
O plantão jornalístico no local se resume à espera da divulgação dos boletins sobre o estado de saúde do presidente. Ainda não foi realizada entrevista coletiva da equipe médica ou de porta-vozes da Presidência, como ocorreu em outras internações.
Nesta quinta-feira (15), o entra e sai envolveu a passagem de alguns membros do governo, como o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional.
Dentro do hospital, segundo o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o presidente é acompanhado pela primeira-dama Michelle e pelo filho Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), vereador no Rio e assessor informal do pai, sobretudo para assuntos de rede social.
Michelle, que durante o voo de Brasília para São Paulo ao lado do marido postou em uma rede social que “Deus sempre esteve, e estará no comando de todas as coisas”, compartilhou nesta quinta uma foto de Bolsonaro de pé ao lado da cama de outra paciente do hospital.
Nas redes bolsonaristas, o passeio que o presidente fez pelos leitos de outros internados foi logo batizado de “hospitalciata”, o que seria uma evolução (ou adaptação) do termo “motociata”, cunhado para descrever os passeios de moto do presidente com simpatizantes.
A foto mostra um Bolsonaro sorridente, de bermuda e tênis, com sondas conectadas ao nariz e à região do pescoço. “Custoso demais” foi a legenda escolhida por Michelle, que também inseriu emojis de risos.
“O pai tá on! Já dando força a outros pacientes!”, escreveu, ao repostar a imagem, o ministro do Turismo e defensor de primeira hora do presidente, Gilson Machado.
Apoiadores comemoraram o registro, lido como sinal de que o estado do presidente não é tão grave quanto se imaginou inicialmente. O pedido de orações pela saúde dele, no entanto, continua sendo espalhado.
Em outro gesto para demonstrar sua recuperação, o presidente concedeu, de dentro do hospital, entrevista ao vivo ao programa do apresentador Sikêra Júnior, na RedeTV!. O médico Antônio Macedo, responsável pelo tratamento, estava ao lado do paciente nas imagens.
Bolsonaro também usou as redes nesta quinta para criticar a CPI da Covid no Senado. O perfil do mandatário postou uma sequência de mensagens em que rebate acusações de corrupção contra o governo.
“O que frustra o G-7 é não encontrar um só indício de corrupção em meu governo. No caso atual querem nos acusar de corrupção onde nada foi comprado, ou um só real foi pago. No circo da CPI Renan, Omar e Saltitante estão mais para três otários que três patetas”, afirmou.
Uma médica renomada que compõe o corpo clínico do hospital, considerado de ponta na rede particular brasileira, disse à Folha, reservadamente, que o dia a dia no interior do prédio —uma estrutura moderna cuja recepção poderia ser confundida com a de um hotel de luxo— pouco se alterou desde a internação de Bolsonaro.
Segundo ela, o ambiente não foi impactado nem mesmo pela presença de agentes de segurança da Presidência no andar em que Bolsonaro está. Pacientes que já estavam em quartos próximos foram mantidos, mas o acesso à área destinada ao presidente é restrito. A médica lembrou ainda que o hospital costuma receber autoridades para tratamento.
Em uma das salas destinadas à família, Michelle recebeu nesta quinta a visita do maquiador Agustin Fernandez, um dos melhores amigos da primeira-dama. Ela compartilhou o momento em uma rede social e exibiu um jogo de xícaras de porcelana que ganhou de presente do maquiador. “Olha o mimo. Olha que coisa mais fofa”, disse.
Na saída, Agustin afirmou à Folha que o presidente “está bem”, mas não quis se estender.
Do lado de fora, na rua estreita e de tráfego intenso onde há outras unidades hospitalares, pequenos grupos de eleitores de Bolsonaro têm aparecido desde a noite de quarta, com cartazes e camisetas de apoio. Detratores também surgiram, em menor número.
Motoristas que passam pela região e reconhecem o hospital se manifestam ora em solidariedade, ora em crítica. Há desde os que passam gritando o tradicional “mito” e buzinam, até os que disparam palavrões e frases como “fora, Bolsonaro” e “não era só um solucinho?”. A reportagem também ouviu um “morre, Bolsonaro”.
“Ele está com Covid! Bolsonaro está com Covid”, disse uma motorista ao passar pelo local lentamente, com o vidro do veículo abaixado e uma máscara pendurada na orelha, em mais uma manifestação de teorias da conspiração que costumam acompanhar as internações do presidente.
Um grupo de cinco apoiadores que permaneceu boa parte desta quinta na entrada do hospital estendeu uma faixa com os dizeres: “Força, capitão. Só + uma batalha”. Eles usavam verde e amarelo e carregavam bandeiras do Brasil e uma de Israel com a foto do presidente brasileiro.
A faixa chegou a causar preocupação em uma das apoiadoras: “fora?”, disse ao ler incorretamente. “Ah, força!”.
Três mulheres que compunham a plateia de simpatizantes entregaram uma carta para Bolsonaro na recepção. Elas não revelaram o teor do texto.
No meio da tarde, integrantes do grupo hostilizaram um homem que se postou na rua com um cartaz pedindo liberdade para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e clamando pelo “fora, Bolsonaro” e por “eleições gerais já”. Mulheres da turma bolsonarista reagiram com gritos contra o ex-presidente, chamando-o de ladrão.
A balbúrdia continuou com a passagem de uma motorista que passou gritando: “Mitooo, mitooo”. O grupo que estava na calçada foi até a janela do carro vibrar ao lado dela, que brecou no meio da rua. “Manda um beijo para ele!”, pediu a condutora, travando o trânsito. Um buzinaço de motoristas reclamões correu a via, e a motorista acelerou.
As manifestações, favoráveis e contrárias, muito provavelmente são inaudíveis da ala em que o presidente está internado. Mas o burburinho de passantes e jornalistas começa a incomodar.
Nesta quinta, a assessoria de imprensa do Vila Nova Star disparou às equipes que fazem a cobertura um pedido gentil para que fiquem na área cercada que é destinada aos jornalistas, a fim de “não dificultarem o movimento de pacientes na entrada e saída”.
Bolsonaro já havia sido internado no mesmo hospital privado em 2019 e deu entrada no local em 2020 para exames de check-up. Na primeira ocasião, ele foi submetido a uma cirurgia previamente programada, para corrigir uma hérnia também relacionada às sequelas da facada que sofreu na campanha eleitoral de 2018.
Um texto de apresentação distribuído pela assessoria aos jornalistas diz que o “hospital onde Bolsonaro está internado é ‘seis estrelas’ da Rede D’or” e completou dois anos de funcionamento em maio deste ano.
“Aposta no conforto, segurança e alta tecnologia para acolher seus pacientes de maneira única”, diz o texto sobre o hospital de 16 pavimentos.
Segundo a nota, a unidade tem 90 leitos, “dos quais 38 de UTI, com foco no público de classe A”. Os custos da internação de Bolsonaro não foram informados nem pelo hospital nem pelo Palácio do Planalto. A Presidência não respondeu como o tratamento será pago.