INVESTIGAÇÃO

Investigados mentiram para proteger Bolsonaro em caso das joias, diz PF

Depoimentos trouxeram informações erradas sobre a localização, movimentação e destino dos itens desviados do acervo público

Após indiciamento, Bolsonaro diz que Moraes faz "tudo o que não diz a lei" (Foto: Valter Campanato - Agência Brasil)

BRASÍLIA (FOLHAPRESS) – A PF (Polícia Federal) afirmou que investigados no inquérito das joias prestaram informações falsas em depoimentos ao órgão com o objetivo de proteger o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), tentar ludibriar as autoridades e ocultar os atos ilícitos atribuídos ao grupo.

A estratégia, segundo a polícia, teria sido orquestrada entre Osmar Crivelatti, assessor vinculado à segurança do ex-presidente, hoje afastado de suas funções por determinação judicial, e Marcelo Câmara, assessor especial do ex-presidente da República.

Depoimentos anteriores de ambos, de acordo com o órgão, trouxeram informações erradas sobre a localização, movimentação e destino das joias desviadas do acervo público, os chamados kits ouro branco e rosé.

Os investigados disseram, em depoimentos, que o material estaria na fazenda do ex-piloto de Fórmula 1 Nelson Piquet, em Brasília, junto com os demais itens do acervo privado de Bolsonaro.

Desta forma, segundo a PF, eles poderiam trazer as joias do exterior de forma oculta, simulando uma entrega a partir da fazenda após determinação do TCU (Tribunal de Contas da União) para reaver os bens.

“Evidencia-se, claramente, que os investigados combinaram as versões a serem apresentadas às autoridades policiais, com o objetivo de tentar ocultar os atos ilícitos praticados, no caso o envio das joias ao exterior para serem negociadas e seus proventos serem revertidos, ilicitamente, ao patrimônio do ex presidente”, disse a PF.

Câmara, segundo a PF, disse em depoimento que foi o responsável por receber todo o acervo privado do ex-presidente, em abril de 2023, e teria dito, “com o objetivo de embaraçar as investigações”, que o material havia sido encaminhado à fazenda.

De acordo com o relatório, o ex-assessor também declarou não saber se, antes do armazenamento na fazenda de Piquet, as joias estavam sob a responsabilidade do ex-presidente e afirmou ter certeza de que elas saíram da propriedade.

A PF disse que Câmara deu mais detalhes falsos ao afirmar que um dos kits de joias, o rosé, foi retirado do armazenamento por Crivelatti e entregue ao advogado de Bolsonaro para posterior envio ao TCU.

Ele também afirmou, com o objetivo de proteger os atos ilícitos praticados pelo ex-presidente, segundo a PF, que as joias não foram levadas aos EUA, pois ele próprio estava neste país com Bolsonaro na época.

“Por fim, Marcelo Câmara, reiterando seu objetivo de obstruir as investigações, ainda afirmou: após a divulgação dos fatos na mídia, nega que tenha sido procurado por qualquer das pessoas envolvidas direta ou indiretamente na situação, que ninguém o solicitou para dizer ou omitir algo”, disse a PF.

A polícia disse que Crivelatti também prestou informações falsas sobre a localização das joias desviadas do acervo público em depoimento prestado em abril de 2023, seguindo a mesma estratégia articulada pelo grupo.

Ele afirmou que os presentes que estavam no gabinete presidencial e no Palácio do Alvorada foram encaminhados para a fazenda e que, a pedido de Câmara, retirou uma caixa de joias do local e entregou ao advogado do ex-presidente para que fossem devolvidas ao TCU.

Após a deflagração de nova fase da investigação, Crivelatti foi novamente ouvido, em agosto de 2023, e admitiu que havia prestado informações falsas na condição de testemunha em abril daquele ano.

Nesta ocasião, o militar disse que não retirou o kit ouro rosé na fazenda e que, na verdade, buscou o advogado do ex-presidente no aeroporto de Brasília em março de 2023 e que ele já estava na posse dos bens.

Isto confirmaria a apuração da PF de que as joias do kit ouro rosé estavam guardadas na cidade de São Paulo e tinham sido levadas a Brasília pelo advogado de Bolsonaro, em março de 2023.

“Crivelatti admitiu ainda que tinha conhecimento de que as joias do kit ouro rosé haviam sido enviadas para o exterior, confirmando que prestou informações falsas no depoimento anterior”, diz o documento.

Em março deste ano, ele prestou um novo depoimento confirmando que Bolsonaro “tinha plena ciência” de que o kit ouro rosé estava nos Estados Unidos e que, ao retornar de viagem com o ex-presidente da cidade de Washington, entregou o conjunto a ele.

Ao ser questionado sobre o motivo de ter mentido no depoimento, ele afirmou que tinha ciência de que o coronel Câmara, em declarações anteriores à Polícia Federal, tinha afirmado falsamente que o kit em ouro rosé estaria na fazenda Piquet e, diante disso,”procurou manter a mesma versão, mesmo ciente da falsidade das afirmações”.

O advogado de Crivelatti chegou a afirmar, neste depoimento, que seu cliente, quando prestou informações falsas em depoimento à PF, não recebeu defesa técnica adequada e que estava assistido por uma advogada designada pela equipe de defesa do ex-presidente.

O conjunto de joias rosé é composto por itens masculinos da marca Chopard, com uma caneta, um anel, um par de abotoaduras, um rosário árabe e um relógio recebidos pelo então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, após viagem a Arábia Saudita, em outubro de 2021.

A análise dos dados coletados pela PF no celular do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro Mauro Cid revelou que o kit foi levado do país, em dezembro de 2022, por meio do avião da presidência da República, e submetido à venda em leilão nos Estados Unidos.

Já o kit ouro branco é composto por um relógio Rolex, caneta da marca Chopard, par de abotoaduras, anel e rosário árabe. O pacote teria sido recebido, segundo a PF, em uma viagem oficial a Doha, no Catar, e em Riade, na Arábia Saudita, em outubro de 2019.