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Isolado, Bolsonaro ouviu Supremo e ministros do governo para mudar tom em pronunciamento

Integrantes do Supremo e do Congresso fizeram chegar ao governo a avaliação de que era preciso mudar a forma como o presidente vinha apresentando suas convicções à população

A mudança de tom adotado pelo presidente Jair Bolsonaro em seu pronunciamento sobre a crise do coronavírus em cadeia nacional de rádio e TV na noite de terça-feira (31/3) foi construída além dos gabinetes do Palácio do Planalto. Integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF), entre os quais  o próprio presidente da corte, ministro Dias Toffoli, fizeram chegar a Bolsonaro a avaliação de que era preciso mudar a forma como o presidente vinha apresentando suas convicções à população. O mesmo cenário foi traçado por aliados de Bolsonaro no Congresso.

Segundo o GLOBO apurou, Bolsonaro reconheceu a necessidade de modular seu discurso e a maneira de defender suas teses sobre o novo coronavírus. O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, foi um dos principais emissários dos recados dos outros Poderes.

Pela primeira vez, Bolsonaro não defendeu o fim do isolamento social. Pela manhã, ainda em defesa da “volta à normalidade” preconizada desde o início da crise, o presidente tinha chegado a distorcer uma fala do presidente da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, para dizer que ele concordava com o retorno imediato das pessoas ao trabalho.

As conversas sobre a nova postura a ser adotada pelo presidente vinham acontecendo há mais de uma semana. Direta e indiretamente, ministros vinham se revezando em conversas com o mandatário do Planalto.

Aliados do presidente dizem que, além de Oliveira, o grupo mais empenhado na missão de convencer Bolsonaro a remodular o discurso foi formado pelos ministros Braga Neto (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), Fernando Azevedo e Silva (Defesa), Tarcísio de Freitas (Infraestrutura), Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e André Mendonça (Advocacia-Geral da União).

Isolado nacional e internacionalmente, Bolsonaro foi alertado de que precisava reassumir a liderança no comando da crise e que, para isso, era necessário passar confiança, serenidade e firmeza à população. Nesse cenário, um gesto importante seria o de acenar à preocupação em salvar vidas. O presidente decidiu, então, fazer um rearranjo na forma, mas sem abandonar completamente sua narrativa.

Saíram os sarcasmos e os recados indiretos – inflamados pelo núcleo comandado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). Entrou o tom moderado e, em certo momento, até conciliador – quando, por exemplo, agradeceu e reafirmou “a importância da colaboração e a necessária união de todos num grande pacto pela preservação da vida e dos empregos: Parlamento, Judiciário, governadores, prefeitos e sociedade”.

A avaliação recorrente no Legislativo e no Judiciário é a de que, em meio a uma grave crise epidemiológica, não interessa a nenhum dos Poderes tensionar a relação com o Palácio do Planalto. Hoje, estão todos engajados numa única frente: a de conter o avanço da Covid-19 no Brasil – principalmente na camadas mais vulneráveis.

Os recados levados ao presidente também tiveram como pano de fundo o fato de que, como a comunidade médica tem ressaltado, o ápice da doença no Brasil ainda está por vir e que desafios serão ainda maiores se o Estado não estiver preparado para o momento em que novo coronavírus extrapolar as barreiras da classe média.