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Judiciário e oposição reagem a Bolsonaro, e procuradores cobram Aras por investigação

Fala do presidente provoca reações de repúdio em cadeia entre autoridades e em diferentes setores da sociedade

Augusto Aras diz que não sabia de ação da PF contra empresários (Foto: STF)

A fala do presidente Jair Bolsonaro (PL) a embaixadores com mentiras em série sobre o sistema eleitoral e mais uma vez em tom golpista provocou reações de repúdio em cadeia nesta terça-feira (19) na cúpula do Judiciário e em diferentes setores do Ministério Público.

Um dos alvos dessa pressão foi o procurador-geral da República, Augusto Aras, que tem se mostrado alinhado ao presidente em diferentes temas e mais uma vez é cobrado a investigá-lo.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), principal aliado de Bolsonaro no Congresso, seguiu em silêncio sobre os ataques. Depende dele a eventual abertura de um processo de impeachment.

Um dia antes, Bolsonaro repetiu teorias da conspiração e desacreditou as urnas eletrônicas e também atacou ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), sempre em um tom de ameaça.

As falas golpistas não são uma novidade, mas desta vez vieram carregadas de agravantes: feita a embaixadores convocados pelo governo, dentro da residência oficial da Presidência, incluída na agenda oficial de Bolsonaro, com transmissão ao vivo pela TV estatal e às vésperas do início da campanha.

No Brasil, nunca houve registro de fraude nas urnas eletrônicas, em uso desde 1996.

Segundo especialistas em direito ouvidos pela Folha, Bolsonaro cometeu uma série de crimes na apresentação a embaixadores. As declarações, em tese, poderiam levar à cassação ou ao impeachment do mandatário.

A oposição foi a primeira a reagir nesta terça. Partidos acionaram o STF para que Bolsonaro seja investigado sob suspeita de crime contra as instituições democráticas.

O pedido ao Supremo é assinado por parlamentares de PT, PSOL, PC do B, PDT, Rede, PSB e PV. Eles esperam que a corte autorize abertura de inquérito sobre a conduta do presidente.

Na solicitação, os partidos afirmam que o mandatário não pode “usar do cargo de presidente da República para subverter e atacar a ordem democrática, buscando criar verdadeiro caos no país e desestabilizar as instituições públicas”.

No Judiciário, o presidente do STF, ministro Luiz Fux, repudiou tentativas de questionamento do processo eleitoral, mas sem citar o nome de Bolsonaro.

“Em nome do STF, o ministro Fux repudiou que, a cerca de 70 dias das eleições, haja tentativa de se colocar em xeque mediante a comunidade internacional o processo eleitoral e as urnas eletrônicas, que têm garantido a democracia brasileira nas últimas décadas”, diz nota do STF.

A fala de Fux foi feita em reunião por videoconferência com o ministro do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Edson Fachin, que também é integrante do Supremo. De acordo com o STF, os dois conversaram sobre os ataques ao Poder Judiciário e ao processo eleitoral brasileiro.

“A Fachin o ministro Fux reiterou confiança total na higidez do processo eleitoral e na integridade dos juízes que compõem o TSE”, informou o Supremo.

Um dia antes, Fachin teve reação imediata após a fala de Bolsonaro e disse que quem divulga informações falsas sobre o sistema eleitoral brasileiro “semeia a antidemocracia”.

O presidente em exercício do STJ (Superior Tribunal de Justiça), ministro Jorge Mussi, também afirmou em nota nesta terça que tem “plena confiança no processo eleitoral brasileiro e no Tribunal Superior Eleitoral”.

Segundo o ministro, “o Estado democrático de Direito, consagrado na Constituição Federal de 1988, requer a defesa desse sistema, sem que jamais tenha havido evidência concreta de fraude, e a rejeição, por todas as instituições do Estado, de qualquer tentativa de desacreditá-lo”.

Uma forte reação a Bolsonaro também foi vista em setores do Ministério Público.

Procuradores da República afirmaram que Bolsonaro faz campanha de desinformação e avilta a liberdade democrática. Eles ainda acionaram Aras para que o presidente seja investigado.

O ofício é assinado por 43 integrantes do Ministério Público Federal que atuam como procuradores dos direitos do cidadão e endereçado à Procuradoria-Geral Eleitoral, comandada por Aras.

“O presidente da República atacou explicitamente o sistema eleitoral brasileiro, proferindo inverdades contra a estrutura do Poder Judiciário Eleitoral e a democracia brasileira, em clara campanha de desinformação, o que semeia a desconfiança em instituições públicas democráticas, bem como na imprensa livre”, afirmam os signatários do documento.

“A conduta do presidente da República afronta e avilta a liberdade democrática, com claro propósito de desestabilizar e desacreditar o processo e as instituições eleitorais e, nesse contexto, encerra, em tese, a prática de ilícitos eleitorais decorrentes do abuso de poder.”

No mesmo tom, a ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) reafirmou a “confiança que deposita no funcionamento das urnas eleitorais e, mais ainda, no próprio sistema judiciário eleitoral brasileiro”.

“O sistema de votação e apuração das eleições hoje vigente é fruto de decisão soberana do povo brasileiro, expressada por meio do Congresso Nacional, e reiteradamente testada, sem vícios. Assim, o atentado em curso ao processo democrático é uma afronta ao país e aos seus cidadãos”, disse o órgão.

“As críticas ao sistema eleitoral brasileiro devem partir de fatos concretos, em propostas factíveis e que nasçam da constatação de problemas realmente identificados, e não podem servir apenas para disseminar o descrédito, sem base na realidade.”

A Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público) manifestou apoio ao TSE e destacou que o sistema de voto eletrônico é constante fiscalizado pelo Ministério Público Eleitoral e “jamais teve contra si qualquer comprovação ou sequer indício que sustente dúvida quanto a sua eficiência e lisura. Pelo contrário, o modelo eletrônico brasileiro é, hoje, uma referência internacional”.

A associação disse ainda que “os membros do Ministério Público estão prontos para atuar em defesa da Constituição e do Estado de Direito, sobretudo para assegurar a realização do pleito deste ano”.

Bolsonaro nunca apresentou provas ou indícios sobre as urnas, mas repete o discurso golpista como uma forma de esconder os problemas de seu governo, a alta reprovação e as recentes pesquisas.

Por meio de uma profusão de mentiras, o presidente vem fomentando a descrença nas urnas. No entanto, ao invés de ser barrado por aqueles ao seu redor, o mandatário tem contado com o respaldo de militares, membros do alto escalão do governo e seu partido em sua cruzada contra a Justiça Eleitoral.

As Forças Armadas têm repetido o discurso de Bolsonaro. Em ofício recente, solicitaram ao TSE todos os arquivos das eleições de 2014 e 2018, justamente os anos que fazem parte da retórica de fraude do presidente.

Antes de ser eleito em 2018, Bolsonaro já dizia que só não ganharia se houvesse fraude.

O discurso aparenta assim funcionar como um plano B para o caso de perder o pleito. Também funcionou como uma tentativa de pressionar o Congresso pela aprovação do voto impresso, o que não ocorreu.

No ano passado, veio a mais forte ameaça golpista ligada ao tema. Em conversa com apoiadores, Bolsonaro disse que “a fraude está no TSE” e ainda atacou o então presidente da corte eleitoral e ministro do STF, Luís Roberto Barroso, a quem chamou de “idiota” e “imbecil”.

“Não tenho medo de eleições, entrego a faixa para quem ganhar, no voto auditável e confiável. Dessa forma [atual], corremos o risco de não termos eleição no ano que vem”, disse.

A fala ocorreu após uma sequência. No dia anterior, também ao falar com apoiadores, o mandatário fez outra ameaça semelhante: “Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”.

Pesquisa Datafolha mostrou que, em meio à ofensiva feita por Bolsonaro, o percentual de eleitores que confiam nas urnas eletrônicas passou de 82%, em março, para 73%, em maio.​