Julgamento no STJ tem 7 votos a favor e 1 contra manter Witzel fora do cargo
São necessários os votos de dez dos 15 integrantes do colegiado. Por unanimidade, a Corte Especial negou o pedido da defesa de Witzel para que o julgamento seja sigiloso e decidiu que a sessão será pública
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) julga na tarde desta quarta-feira se o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, continuará afastado do cargo ou não. Por enquanto, sete ministros — o relator e outros seis — votaram a favor da manutenção do afastamento e houve uma manifestação contrária. O caso está sendo discutido na Corte Especial, que reúne os 15 ministros mais antigos do tribunal. O presidente, Humberto Martins, só vota em caso de empate. Durante a sessão, a Corte decidiu que, para manter o afastamento de Witzel, será necessária maioria qualificada — ou seja, dois terços dos votos. Portanto, são necessários os votos de dez dos 15 integrantes do colegiado.
Acompanhe os principais pontos do julgamento:
- Até o momento, cinco ministros votaram a favor da manutenção do afastamento de Witzel; um votou contra. O placar está em 7 a 1 pelo afastamento.
- O ministro Mauro Campbell Marques é o nono a votar. Neste momento, ele tem a palavra, e começou dirigindo-se ao relator, ministro Benedito Gonçalves: “Um dia eu diria tão duro para vossa excelência, que é um juiz de carreira, e estamos aqui a falar de uma possível organização criminosa que tem entre seus membros um ex-juiz de carreira federal, portanto sei o quanto isso lhe toca, mas toca sobretudo a população do Estado do Rio de Janeiro e desse país”.
- O ministro Luis Felipe Salomão também votou pela manutenção da liminar de afastamento.
- O ministro Og Fernandes acompanhou o relator e votou pela manutenção da liminar de afastamento do governador: “Indaguei a mim mesmo se as decisões (adotadas pelo ministro Benedito Gonçalves) eram insensatas e careciam de bom senso, se eram imprudentes. A resposta que obtive a essas indagações que procedi foram negativas”, disse.
- Ministro Napoleão Nunes Maia Filho é o primeiro a votar contra a liminar de afastamento: “Não se ouviu o indiciado. Tenho a impressão que não estamos recebendo só a denúncia, e sim julgando o governador”, disse. “De um governador eleito com quase 5 milhões de votos. a quem devia pertencer o afastamento é dos políticos do Rio, a Assembleia Legislativa do Rio, e não uma decisão monocrática”.
Defesa diz que Witzel não foi ouvido, e subprocuradora-geral da República reage: ‘Desculpa absurda’
A defesa de Witzel reclamou que ele não foi ouvido no processo. A subprocuradora-geral da República disse então que isso não era verdade.
— O governador estava sendo interrogado, estava depondo. Ele entrou com HC (habeas corpus) para não falar. Então isso é uma inverdade. Não gostaria que isso ficasse na dúvida de nenhum ministro. E ele estava depondo, entrou com HC, e durante o depoimento, saiu a liminar para ele não depor. Então HC que foi colocado por ele, que foi interposto por ele, impetrado por ele. E ele não depôs porque não quis. Aliás, porque não quis não, porque pediu para não depor. Estava na metade do depoimento, levantou e foi embora, porque saiu a liminar. Então essa desculpa é absurda — afirmou Lindôra.
Em julho, durante o recesso dos tribunais superiores, o então presidente do STJ, o ministro João Otávio de Noronha, aceitou pedido da defesa para suspender o depoimento de Witzel. Nesta quarta-feira, na sessão da Corte Especial, o advogado Roberto Podval, que defende o governador afastado, rebateu a subprocuradora.
— Nós pedimos que fosse dado conhecimento dos autos. O governador não falou porque não tinha acesso aos autos. Não nos foram aberto os autos, não tivemos ciência do conteúdo, era impossível ser interrogado sem conhecer os fatos. O governador não teve ciência dos fatos e sobre o que estava sendo ouvido.
Os votos de cada ministro
Primeiro a ter a palavra, o relator, ministro Benedito Gonçalves, votou pela manutenção da liminar que afastou Witzel do cargo.
— Foi pedida a prisão preventiva. Entendi que a prisão preventiva era mais gravosa, então entendi por optar por uma decisão menos gravosa, que era o afastamento — declarou.
Em seguida, o ministro Francisco Falcão acompanhou o relator:
— Diante da gravidade dos fatos, há comprovação de pagamentos de contas em dinheiro vivo, compra de moedas estrangeiras em dinheiro vivo, eu não vejo como não referendar a decisão.
A ministra Nancy Andrighi também concordou em manter a decisão que afastou Witzel. Ela citou as provas coletadas durante a investigação, como os e-mails mostrando que o governador intermediou contratos da primeira-dama com empresário favorecido pelo esquema. E disse que a decisão do afastamento se justifica pela urgência da pandemia, evitando assim mais desvios de recursos destinados ao enfrentamento da covid-19.
— Foram obtidos pela acusação documentos e dados que demonstram, primeiro, que o governador alterou o regime de bens de seu casamento, tornando o seu e o de sua esposa um patrimônio comum, único. Segundo, foram realizados transferências bancárias da conta do escritório da primeira dama à conta do governador, do qual sua esposa figura como dependente, em datas muito próximas, o que caracteriza uma movimentação financeira suspeita. E ocorrem dezenas de pagamentos de despesas pessoais da família do governador em espécie. Não suficiente, as investigações procedidas em outras operações policiais trazem aos autos elementos que demonstram que os requeridos controlam, mesmo que informalmente, pessoas jurídicas que têm contrato direto com a fundação estadual de saúde, educação, ciência e tecnologia, trânsito, acordos sobre os quais recaem fortes indícios de ilicitude — disse Nancy.
A ministra Laurita Vaz também votou pela manutenção do afastamento de Witzel, formando um placar provisório de quatro votos a zero.
— Da decisão do ministro relator, extrai-se elementos que demonstram que a ordem pública estava vulnerada de modo a justificar medidas enérgicas para sustar as atividades supostamente criminosas — disse Laurita Vaz, completando: — Há fortes evidências do cometimento de crimes gravíssimos, envolvendo em primeiro plano supostamente o governador do estado e a primeira-dama, que, na condição de advogada, teria recebido entre agosto de 2019 e maio de 2020 mais de R$ 500 mil em repasses considerados ilícitos de empresas ligadas à prestação de serviços hospitalares, algumas de fachada e operadas por laranjas.
A ministra falou em vazamento de informações durante as investigações.
— Há evidencia de vazamento de informações sensíveis da investigação. No dia das buscas e apreensões foram encontrado documentos rasgados por investigados na clara tentativa de destruição de provas.
A ministra Maria Thereza de Assis Moura, quinta a votar, ponderou que a decisão de afastamento deveria ter sido tomada desde o começo pela Corte Especial, e não pelo ministro Benedito Gonçalves sozinho. Mas depois lembrou que ele levou o caso para deliberação dos colegas poucos dias depois, e referendou a decisão.
— Trata-se aqui de governador de estado, eleito com mais de 4,6 milhões de votos, e aqui mais uma vez eu digo. Embora exista expressa previsão regimental acerca da possibilidade da concessão de forma monocrática, como fez o relator, dessas medidas, acredito eu que, em se tratando do afastamento de autoridade com prerrogativa de foro, eleita pelo voto popular, a submissão dessa matéria à corte especial constitui a meu ver uma medida de prudência, que me parece, ostenta maior compatibilidade com o princípio democrático — disse Maria Thereza, acrescentando: — Acompanho o eminente relator observados os argumentos e as razões de decidir constantes de seu voto.
O ministro Napoleão Nunes Maia foi o primeiro a divergir do relator. Ele lamentou que os advogados não tenham sido ouvidos antes da decisão de afastamento. Maia também criticou a decisão ter sido tomada monocraticamente, e não por um colegiado.
— Penso, com todo o respeito, que uma decretação de medida como essa devia ser mais que colegiada, mas depois de ouvidos os advogados, para se garantir um mínimo de contraditório. Afastar um governador que foi eleito com quase 5 milhões de votos? A quem devia pertencer esse afastamento é à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, e não a uma decisão monocrática de um ministro. A decisão monocrática não pode ser cabível, isso é uma coisa gravíssima — disse Maia.
Para o ministro, os supostos desvios de Witzel deveriam ser julgados pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), e não pelo STJ:
— Para que serve a Assembleia, diante desses desmandos do governo? Os políticos têm que cuidar das coisas da política. Nós magistrados devemos cuidar das coisas da Justiça. Por que não se aguarda o desfecho do processo de impeachment? — questionou.
O ministro Og Fernandes elogiou o voto de Benedito Gonçalves, acompanhando-o, e destacou que o afastamento é temporário e condicionado à apuração dos fatos.
— O ministro Benedito Gonçalves teve o cuidado de fixar um prazo. Esse é um zelo que o relator deixou bastante claro, que esse afastamento da função seria pelo prazo de 180 dias. Isso quer dizer o quê? Que apurados os fatos que são objetos de investigação, concluído esse prazo, o ministro Benedito e o tribunal como um todo verificará sobre a necessidade ou não de prorrogação do período de afastamento. Mas se o relator entender que antes da conclusão desse prazo não haja necessidade de submeter o governador a essa medida cautelar, certamente relator e tribunal tomarão o rumo assertivo em relação à suspensão dessa medida — disse Og.
Com o voto do ministro Luis Felipe Salomão, o placar chegou a 7 votos a favor e 1 contra o afastamento.
— Com o andamento das investigações, verificou-se em tese a existência de prováveis ilícitos muito mais abrangentes que aqueles referentes às ações de combate à pandemia, envolvendo período que vai desde a campanha de 2018, até a presente data, com acentuado aparelhamento do Estado, incluindo nomeações em cargos chave, como secretários de estado, de pessoas dentro do esquema e vinculada a três grupos supostamente criminosos.
Entenda o julgamento
Na última sexta-feira, o relator do processo, ministro Benedito Gonçalves, deu liminar para afastar Witzel do cargo. À primeira vista, ministros do STJ consideraram a medida extrema, já que uma decisão dessa gravidade normalmente é submetida antes a um colegiado. No entanto, ao examinarem as provas contra o governador, acabaram entendendo a urgência da liminar. No tribunal, a expectativa é de que a decisão seja mantida pela Corte Especial.
Não haverá sustentação oral da defesa do governador, nem da Procuradoria-Geral da República (PGR). O julgamento deve começar pela manifestação do relator. Quatro ministros se declararam impedidos para participar do julgamento. Felix Fischer, João Otávio de Noronha, Herman Benjamin e Jorge Mussi alegaram motivos diferentes para não participar do julgamento. No lugar deles, foram convocados ministros substitutos do próprio STJ: Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Villas Boas Cueva e Marco Buzzi.
O afastamento de Witzel vale por 180 dias e foi determinado a pedido da PGR na Operação Tris In Idem, que investiga desvios de recursos da saúde do Rio de Janeiro. Segundo a PGR, Witzel estruturou uma organização criminosa desde que assumiu o governo do Rio. O governador, a mulher dele, Helena Witzel, e mais sete pessoas foram denunciadas por corrupção e lavagem de dinheiro.
Investigação
O governador Wilson Witzel foi afastado do cargo, por 180 dias, na última sexta-feira, por decisão do ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A denúncia do Ministério Público Federal (MPF) o acusa de liderar uma organização criminosa instalada no governo para praticar crimes de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo agentes públicos, políticos e empresários. Três grupos de poder agiriam no esquema, com ramificações de seus negócios, sobretudo, na Secretaria estadual de Saúde, mas também em áreas como a educação.
De acordo com o MPF, o escritório de advocacia da primeira-dama, Helena Witzel, foi usado para escamotear pagamentos indevidos ao governador, por meio de contratos firmados com pelo menos quatro empresas ligadas a integrantes da organização, entre eles o empresário Mário Peixoto e ex-prefeito de Volta Redonda Gothardo Lopes Netto.
Com essa intermediação, Witzel teria recebido R$ 280 mil apenas de Gothardo para obter facilidades e proteção em relação aos contratos de suas empresas com o Estado. Pelos mesmos mecanismos, o governador teria recebido R$ 274,2 mil de Mário Peixoto. O governador afastado ainda é suspeito de receber propinas para a contratação e a liberação de pagamentos a organizações sociais (OSs) que prestam serviços em hospitais e Unidade de Pronto Atendimento (UPAs).
A denúncia contou com relatos apresentados na delação premiada do ex-secretário estadual de Saúde, Edmar Santos, preso depois de escândalos na compra de respiradores para o atendimento de pacientes da pandemia do novo coronavírus que, segundo constatou o Tribunal de Contas do Estado (TCE), foram superfaturados. Foi ele quem apontou a existência dos três grupos de poder no governo. Segundo o delator, um deles seria liderado por Mário Peixoto, o segundo pelo Pastor Everaldo (presidente nacional do PSC, preso na operação da última sexta-feira) e um terceiro encabeçado pelo empresário José Carlos de Melo, que se entregou nesta terça-feira à Polícia Federal.
A Procuradoria Geral da República (PGR) chegou a pedir a prisão preventiva de Witzel. Mas o ministro Benedito autorizou apenas seu afastamento e determinou medidas cautelares, como a proibição de manter contato com investigados e com funcionários e de ingressar nas dependências do governo do Rio. Seria uma forma de evitar que ele, direta ou indiretamente, usasse seu poder para atrapalhar as investigações. A decisão está sendo analisada na tarde desta quarta-feira, pela Corte Especial do STJ.