Lira é pressionado após Bolsonaro descumprir acordo diante de derrota do voto impresso
Aliados avaliam que presidente da Câmara pode ter dado tiro no pé ao dar sobrevida à questão
Horas após a rejeição da PEC do voto impresso, Jair Bolsonaro voltou a questionar a lisura das urnas eletrônicas e deixou sob pressão Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados.
Líder do centrão, Lira colocou a proposta em votação na terça (10) dizendo ter obtido um compromisso do presidente da República de que respeitaria a decisão do plenário da Casa.
Bolsonaro, porém, manteve a retórica golpista já no dia seguinte, provocando cobranças de parlamentares sobre a conduta do presidente da Câmara —que já enfrenta há meses pressão para a análise de algum dos mais de cem pedidos de impeachment do chefe do Executivo.
Pauta bolsonarista, a PEC do voto impresso foi rejeitada ao obter 229 votos favoráveis e 218 contrários, além de uma abstenção. Eram necessários 308 votos para aprovar a proposta.
Lira disse que a decisão do plenário enterra a discussão, discurso endossado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Bolsonaro, porém, manteve seus questionamentos à confiabilidade das eleições e ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), semelhantes aos que já haviam escalado a crise entre os Poderes nas semanas anteriores.
“Números redondos: 450 deputados votaram ontem [terça-feira]. Foi dividido, 229 [a favor], 218 [contra], dividido. É sinal que metade não acredita 100% na lisura dos trabalhos do TSE. Não acreditam que o resultado ali no final seja confiável”, disse Bolsonaro nesta quarta (11) em conversa com apoiadores.
“Hoje em dia sinalizamos uma eleição… não é que está dividida. Uma eleição onde não vai se confiar no resultado das apurações”, completou o presidente.
Nesta quarta, Lira ouviu questionamentos de aliados que o haviam alertado sobre o risco de confiar na promessa do presidente.
Esses parlamentares e dirigentes de partidos de centro dizem acreditar que a votação em plenário pode ter sido um tiro no pé ao ter exposto deputados que tiveram de contrariar suas bases eleitorais, mesmo sem garantia de que a narrativa de Bolsonaro seja encerrada.
“O placar real é de 282 contra o voto impresso e 229 a favor”, disse à Folha o presidente do DEM, ACM Neto, ao computar as 64 ausências que, na prática, deixaram de endossar a pauta bolsonarista.
“O presidente da Câmara não devia ter levado isso para plenário porque normalmente os pareceres de PEC são definitivos.”
ACM se refere ao fato de a proposta ter sido rejeitada na comissão especial que tratou do tema. Apesar disso, Lira resolveu levar o tema para o plenário sob o argumento de que era preciso uma posição de todo o colegiado dos deputados.
No TSE, a avaliação de ao menos dois ministros é a de que o presidente da República seguirá na toada de questionamentos às urnas e críticas a magistrados.
Por isso, o foco de uma ala será, em vez de tentar construir uma relação pacífica, o que creem ser difícil ocorrer, manter em curso os processos nos quais Bolsonaro passou a ser investigado.
O presidente é alvo de apurações no TSE, por suas declarações questionando a lisura das eleições sem apresentar provas, e também do STF, onde é investigado no inquérito das fake news.
Uma das frentes de investigação é a live em que Bolsonaro prometeu apresentar provas de fraudes nas urnas, mas só repisou teorias da conspiração. Ministros investigam se o mandatário cometeu propaganda antecipada.
A decisão de mandar a PEC ao plenário depois de ela ter sido rejeitada por comissão da Câmara foi tomada por Lira em articulação com o ministro Ciro Nogueira (Casa Civil), após consultas a integrantes do Supremo.
O ato constituiu um gesto a Bolsonaro, por dar a ele mais formalmente uma chance de aprovar a matéria, mas tinha como pano de fundo a ideia de enterrar de uma vez por todas o discurso golpista do presidente.
Dois terços do PP e PL, os dois maiores partidos do centrão, se colocaram contra a bandeira de Bolsonaro na votação em plenário.
A avaliação foi a de que uma vez que o tema fosse rejeitado pela maioria dos deputados, haveria o esvaziamento da fala de Bolsonaro de que a população defende uma revisão no modelo de votação.
Lira, inclusive, disse mais de uma vez publicamente que pediu do presidente, e recebeu, o compromisso de que ele cessaria os ataques às urnas se houvesse a derrota do texto no plenário.
Dois ministros do governo disseram à Folha que Bolsonaro almoçou com o presidente da Câmara nesta quarta. O deputado não confirmou o almoço.
A ideia de mandar o tema ao plenário não teve o respaldo de todos líderes no Parlamento nem de ministros do Supremo.
Lira, porém, argumentou que enterraria a proposta. E alegou que Bolsonaro jamais descumpriria um acordo com ele, uma vez que cabe ao presidente da Câmara deflagrar a tramitação de um eventual pedido de impeachment. Logo, o presidente teria receio de confrontá-lo.
Na terça, no dia da votação, Lira inclusive entrou em campo e atuou para assegurar votos contrários à PEC ou mesmo para que quem fosse a favor se ausentasse.
O governo atuou principalmente por meio das redes sociais e da mobilização da militância para garantir os votos favoráveis à proposta, mas não entrou em campo oferecendo cargos e emendas.
Embora seja presidente licenciado do PP, Ciro Nogueira evitou se envolver na articulação por votos no Parlamento. Outros presidentes de partido tiveram que entrar em campo para evitar votos favoráveis à matéria e garantir um placar o menos apertado possível.
Apesar da derrota, Bolsonaro avaliou a aliados que o placar rachado da PEC o ajudou manter o discurso de que a proposta tem muitos apoios e, neste caso específico da votação, teve mais votos favoráveis do que contrários.
Embora Bolsonaro busque vender como uma vitória o placar da votação, ministros do Supremo e dirigentes partidários de centro avaliam que não passará de retórica a fala do presidente.
E que ele fará isso para não admitir o tamanho da derrota já que ele passou muito tempo defendendo o voto impresso, “colocou até tanques” e não conseguiu 308 votos para aprovar a PEC.
Um ministro do STF diz que seria como o ex-técnico da seleção brasileira Luiz Felipe Scolari dizer que quase houve um empate na derrota de 7 a 1 para Alemanha na Copa do Mundo.
Mesmo assim, aliados dizem que a bandeira do voto impresso deve reforçar o discurso antissistema de Bolsonaro e diminuir, junto ao seu eleitorado, o desgaste do casamento do mandatário com o centrão.
Após reunião no Planalto, o líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), defendeu que não há motivos para o presidente deixar de lado a pauta.
“A opinião pública tava favorável ao voto impresso, eles acham que eles podem tudo lá”, disse, sem especificar, apontando para a Praça dos Três Poderes. “Vai continuar nisso, porque tem maioria a favor. Por que ele vai jogar fora?”, completou.
A estratégia de conselheiros de Bolsonaro é usar o placar para alegar que o presidente não fala sozinho quando afirma que as urnas eletrônicas não são confiáveis.
Parlamentares bolsonaristas dizem que é preciso encontrar formas de manter o tema aquecido no debate nacional, na esperança de que ele se converta em um das pautas da campanha de 2022.
O próprio Bolsonaro desencadeou a estratégia nesta quarta, ao insistir nos ataques ao TSE e ao colocar em dúvida a confiabilidade das eleições.
Bolsonaro voltou ainda a alimentar teorias da conspiração sobre a fragilidade dos sistemas internos do TSE e sobre a existência de um suposto plano para eleger o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) “na fraude”.
“O que a gente quer —repito aqui— é uma maneira de a gente comprovar que em quem o João ou a Maria votou, o voto foi para aquela pessoa. Não tem explicação o que estão fazendo”, declarou.
“Querem na verdade levar, eleger, uma pessoa na fraude. Uma pessoa que há pouco tempo esteve à frente no Executivo e foi uma desgraça o que aconteceu”.
O presidente e aliados discutem agora como encontrar formas para que o voto impresso continue incendiando a base bolsonarista.
Além de manter o assunto vivo nas redes sociais, eles pretendem fazer uma ofensiva na coleta de assinaturas para a instalação, na Câmara, de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar o TSE.
Embora haja forte resistência no Congresso à criação de uma CPI com essa finalidade, só o esforço de busca de apoios já pode ser utilizado para mobilizar as redes e apoiadores.
“Já estou trabalhando incansavelmente desde ontem à noite para coletar 171 assinaturas necessárias para CPI das urnas eletrônicas, esse é o nosso foco agora”, disse o deputado Filipe Barros (PSL-PR), relator da PEC do voto impresso. Até o momento, ele disse ter o apoio de 60 parlamentares.
Ciro Nogueira ainda busca junto ao Judiciário articular uma forma de dar um prêmio de consolação a Bolsonaro. Ele tem um encontro com o presidente do STF, Luiz Fux, na semana que vem. Uma ideia é propor o aumento no número de urnas que passam por teste de integridade.