Lira retira projeto da anistia do 8/1 da CCJ e cria comissão especial na Câmara
Na prática, proposta volta à estaca zero; presidente da Câmara busca reduzir obstáculos à sua sucessão diante de embate entre PL e PT sobre projeto
BRASÍLIA (FOLHAPRESS) – O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), decidiu nesta segunda-feira (28) criar uma comissão especial para analisar o projeto de lei que concede anistia aos condenados pelos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023.
Em despacho, ele retirou a proposta de tramitação da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Casa —o texto seria votado na tarde desta terça-feira (29). Na prática, com a decisão, o processo de discussão do projeto começará praticamente do zero.
Agora, o próximo passo será cada partido indicar representantes para integrar a comissão, para que, depois, ela seja instalada. Não foi estabelecido um prazo para que as indicações sejam feitas. Segundo ato da presidência, a comissão será formada por 34 membros titulares e 34 suplentes.
Um interlocutor de Lira afirmou à reportagem que essa iniciativa faz com que o presidente da Câmara ganhe tempo, num momento em que o projeto de lei estava interferindo nas negociações para a eleição da Mesa Diretora, marcada para fevereiro do ano que vem.
Isso porque o PL, partido de Jair Bolsonaro, quer a aprovação da proposta, enquanto o PT do presidente Lula é contra. Hoje, são candidatos ao comando da Casa os líderes Hugo Motta (Republicanos-PB), apoiado por Lira, Elmar Nascimento (União Brasil-BA) e Antonio Brito (PSD-BA).
Lira tem atuado para que PT e PL anunciem apoio a Motta —o que até agora não ocorreu. O presidente da Câmara oficializou apoio ao líder do Republicanos para a sua sucessão na manhã desta terça.
Em pronunciamento à imprensa, Lira também tratou da decisão de criar a comissão especial para analisar o PL da Anistia, afirmando que “jamais” um tema dessa complexidade pode ser usado como “indevido elemento de disputa política”.
“O tema deve ser devidamente debatido pela Casa. Mas não pode jamais, pela sua complexidade, se converter em indevido elemento de disputa política, especialmente no contexto das eleições futuras para a Mesa Diretora da Câmara”, afirmou.
Nas últimas semanas, ele já havia dito a aliados que pretendia resolver o imbróglio sobre a proposta ainda neste ano, para evitar que o projeto contaminasse as negociações acerca de sua sucessão à frente da Câmara. Ele se reuniu com o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, para tratar do tema.
Nesta manhã, Lira disse ainda que a comissão “seguirá rigorosamente todos os ritos e prazos regimentais, sempre com a responsabilidade e o respeito que são próprios deste Parlamento”.
“Também nessa temática, é preciso buscar a formação de eventual convergência. Essa é a marca do nosso trabalho: cumprimento intransigente dos acordos firmados, defesa das prerrogativas parlamentares, diálogo incessante e busca incansável por convergência”, disse.
Em reunião com a bancada do PT, Motta foi questionado por deputados sobre seu posicionamento acerca do projeto de lei e evitou se posicionar. Desde então, uma ala do partido passou a resistir ao nome do parlamentar.
Aliados do parlamentar avaliam que esse é um tema espinhoso e que seria preciso resolvê-lo para evitar que isso prejudique a campanha do deputado. O Republicanos e o PP farão atos em apoio a Motta nesta terça (29).
Há uma avaliação de deputados de que a comissão especial pode nem ser instalada, já que os líderes terão de indicar os nomes de seus integrantes e podem resistir a fazer isso, uma vez que essa matéria confronta diretamente o STF (Supremo Tribunal Federal).
No despacho de segunda (28), Lira diz que a proposta tem “complexidade e caráter multifacetado” e que, diante disso, é desaconselhada uma “análise exclusiva no âmbito de uma única comissão de mérito”.
Dessa forma, define que a proposta deveria passar por outras cinco comissões temáticas da Casa, além da própria CCJ: as de Administração e Serviço Público, Comunicação, Direitos Humanos, Relações Exteriores e Defesa Nacional e Segurança Pública.
Segundo o regimento interno, quando uma proposta é pautada em mais de quatro comissões, ela deverá tramitar em comissão especial.
Na CCJ, a proposta era relatada por Rodrigo Valadares (União Brasil-CE). Em seu parecer, ele ampliou o escopo do texto e sugeriu perdão a todos os atos pretéritos e futuros relacionados aos ataques à sede dos três Poderes. Na avaliação de deputados governistas, o parecer, tal qual estava, abria margem para beneficiar o ex-presidente Bolsonaro.
A presidente da comissão, Caroline de Toni (PL-SC), afirmou que o tema ainda é uma prioridade e que tem convicção de que a anistia será aprovada. Ela disse, em nota, que foi avisada na noite de segunda por Lira da decisão de criar a comissão especial e afirmou que seu desejo é que o projeto de lei “seja aprovado o mais rápido possível no plenário da Câmara”.
“Todo o nosso esforço não foi em vão. Nossa mobilização nos trouxe até aqui e não descansaremos enquanto não for aprovada. É urgente que façamos a verdadeira justiça e continuaremos firmes na nossa missão”, afirmou.
Nesta terça, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou que a Casa não tem posição fechada sobre o projeto.
“Esse é um tema que está na Câmara dos Deputados e eu respeito as iniciativas da Câmara”, afirmou Pacheco em entrevista coletiva durante a Lide Brazil Conference, em Londres.
“Não há ainda uma posição do Senado formada em relação a isso, nós não discutimos essa alternativa”, completou.
A anistia é hoje uma das principais bandeiras de Bolsonaro. Declarado inelegível pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) até 2030 por ataques e mentiras sobre o sistema eleitoral, o ex-presidente foi indiciado neste ano pela Polícia Federal em inquéritos sobre as joias e a falsificação de certificados de vacinas contra a Covid.
Ele também é alvo de outras investigações, que apuram os crimes de tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado democrático de Direito, incluindo os ataques de 8 de janeiro.
Parte dessas apurações está no âmbito do inquérito das milícias digitais, relatado pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, e em tese resultar na condenação de Bolsonaro em diferentes frentes.
Caso seja processado e condenado pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado democrático de Direito e associação criminosa, o ex-presidente poderá pegar uma pena de até 23 anos de prisão e ficar inelegível por mais de 30 anos.