Lira usa lei patrocinada por ele e pede para arquivar ação que pode torná-lo ficha-suja
Dois meses após a sanção da nova Lei de Improbidade que o presidente da Câmara, Arthur…
Dois meses após a sanção da nova Lei de Improbidade que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) ajudou a conceber, ele foi à Justiça pedir com base nas novas regras, a anulação de uma condenação que ameaça seus direitos políticos. Lira está condenado por improbidade por desvios na Assembleia de Alagoas em processo decorrente da Operação Taturana, deflagrada em 2007.
O caso permanece há mais de uma década em tramitação no Judiciário. Hoje, está sob análise do STJ (Superior Tribunal de Justiça), após a condenação ter sido confirmada em primeira e segunda instâncias.
Para o deputado, a aprovação da nova legislação de improbidade veio a calhar em relação a essa e outras acusações. Isso porque a lei, sancionada em outubro pelo presidente Jair Bolsonaro, muda os prazos de prescrição, o que deve beneficiar réus que já estavam com acusações em aberto.
Conforme as novas regras, os casos são prescritos quatro anos após acórdão de segunda instância, marca que a ação contra Lira já atingiu. A ação foi aberta em 2011 e sentenciada em primeira instância no ano seguinte. Só em 2016 houve decisão de segundo grau confirmado as condenações.
A petição apresentada por Lira ao STJ no dia 17 de dezembro pede que seja aplicada a prescrição intercorrente, com o consequente arquivamento do caso. Os detalhes estão sob sigilo. As defesas dos réus se pronunciaram a respeito após o ministro relator, Og Fernandes, determinar em novembro que as partes se manifestassem sobre possíveis efeitos da nova lei sobre esse caso em andamento.
Em junho do ano passado, foi Lira quem tomou a iniciativa de tirar a proposta de mudanças na Lei de Improbidade de uma comissão especial e de enviá-la já para votação no plenário da Câmara.Sob protestos de integrantes do Ministério Público e de ativistas anticorrupção, a proposta foi aprovada por larga margem pelos deputados e posteriormente no Senado.
O caso da Operação Taturana tem importância crucial para o deputado porque, se não for revisto, pode enquadrá-lo na Lei da Ficha Limpa na eleição deste ano.
Na eleição de 2018, Lira já estava condenado e só conseguiu se candidatar graças a uma liminar de um desembargador do TJ de Alagoas concedendo efeito suspensivo. A sentença determinava a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos. Também estabelecia que o deputado deveria devolver aos cofres públicos R$ 183 mil, em valores não atualizados.
Nessa ação, Lira foi condenado por duas irregularidades: o pagamento de empréstimos pessoais com recursos de verba de gabinete e a utilização de cheques emitidos da conta da Assembleia para garantir financiamentos também pessoais.
A acusação apresentada pelos promotores trazia ainda mais suspeitas, como movimentação financeira atípica de R$ 9,5 milhões, em valores não corrigidos, em suas contas de 2001 a 2007.
Também afirmava que houve desconto na boca do caixa de cheques emitidos pela Assembleia em favor de servidores fantasmas e laranjas. Dizia ainda que havia no esquema cooptação de bancários que realizavam as transações do dinheiro de origem ilegal.
Além dessa ação, Lira foi condenado em primeira instância em outra ação de improbidade, devido à compra de um automóvel para um colega com dinheiro da Assembleia. Ele integrou a Mesa Diretora do Legislativo estadual na época das investigações.
Defesa de Lira
O deputado tem negado todas as acusações. Uma das principais linhas da defesa é a de que Lira teve seus direitos prejudicados porque não foi devidamente citado ainda na primeira instância. O advogado de Lira, Fábio Ferrario, disse, a respeito da nova lei, que o deputado não foi autor da proposta nem sequer votou na sessão.
“Foi esmagadora a votação [a favor do projeto]. E é o certo. Já havia um indicativo nesse sentido e a lei precisava de uma reforma urgente, era totalmente ultrapassada. Até a própria jurisprudência já estava evoluindo nesse sentido. A dinâmica dela não tinha sentido.”
O advogado acrescentou ainda que não se pode confundir a pessoa de Arthur Lira com o eventual cargo ocupado na Câmara. “Ali é o cidadão que responde ao processo. E a lei contempla a todos, não pode haver discricionaridade ‘porque foi aprovada no período’ [como presidente da Casa]. Senão, toda a Câmara estaria suspeita.”
Ferrario diz, porém, que sempre quis enfrentar o mérito desse caso, uma vez que entende que não há qualquer “arremedo de prova” contra seu cliente e que a operação da Polícia Federal foi “um monstrengo”.
“O deputado não tem qualquer participação de absolutamente nada, não há atribuição de responsabilidade objetiva só porque ele tinha um assento na Mesa [Diretora]. Não há qualquer indicativo de recebimento de valores, de auferimento de riquezas, de forma direta ou indireta.”
Além de Lira, ex-colegas dele na Assembleia também foram condenados nesse caso, incluindo outro deputado federal atualmente, Paulão, do PT. Ele também tem negado as acusações e recorre da condenação. Em 2019, morreu um dos ex-deputados, João Beltrão.
É provável que a aplicação ou não das novas regras de improbidade em casos antigos acabe sendo definida no Supremo Tribunal Federal.
Em novembro passado, órgão da Procuradoria-Geral da República orientou os procuradores a considerar que as novas regras não beneficiam acusados em ações que já estavam em andamento.
A nova legislação alterou diversos outros pontos da Lei de Improbidade. Por exemplo, barrou punições a partidos políticos e estabeleceu a necessidade de se comprovar que o agente público cometeu uma irregularidade com dolo, ou seja, com intenção.
Diferentemente do que ocorre na esfera penal, a Lei de Improbidade não prevê a possibilidade de prisão, mas sim de perda de função pública, suspensão de direitos políticos e de ressarcimento de prejuízos.