Lula e Ciro Gomes acertam trégua em reunião em São Paulo
Gesto é sinal de reaproximação entre partidos de esquerda mirando a sucessão de Bolsonaro em 2022
Rompidos desde a eleição de 2018, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) selaram as pazes em uma conversa. O gesto pode significar o início de uma reaproximação entre os partidos de esquerda de olho na disputa presidencial de 2022, apesar de o assunto não ter sido abordado no encontro.
O armistício foi intermediado pelo governador do Ceará, Camilo Santana, filiado ao PT, mas aliado dos irmãos Ferreira Gomes em seu estado. As tratativas para viabilizar a conversa duraram mais de um mês.
A reunião, no começo de setembro, ocorreu na sede do Instituto Lula, em São Paulo, e durou uma tarde inteira. Ciro falou de suas mágoas com o PT, enquanto Lula lembrou os ataques do ex-ministro ao partido.
O tema central da conversa, porém, foi o governo do presidente Jair Bolsonaro e a situação do país diante da pandemia de coronavírus. Diagnósticos sobre as razões do resultado eleitoral também foram apresentados.
Desde o encontro, Ciro e Lula mudaram o tom ao se referirem um ao outro e cessaram os ataques e alfinetadas. Os dois tiveram uma relação próxima, principalmente no primeiro governo do ex-presidente, quando o hoje pedetista foi ministro da Integração Nacional. O ex-presidente costumava exaltar a postura leal do ex-subordinado durante a crise do mensalão, em 2005, o primeiro grande desgaste da era petista.
Com o correr dos anos, mantiveram o contato, apesar de alguns ataques pontuais. O clima entre eles, porém, se deteriorou ao longo da eleição de 2018. Lula era o candidato do PT, chegou a ser inscrito na Justiça Eleitoral, mas foi impedido de concorrer por causa da condenação na Lava-Jato no caso do tríplex do Guarujá.
Os petistas chegaram a oferecer a Ciro a possibilidade ser vice de Lula para depois que ocorresse o indeferimento — desta forma, o pedetista assumiria a cabeça da chapa. Ciro classificou a oferta, entre outros termos, de “aberração” e “papelão” e disse que não aceitaria ser um “vice de araque”.
Na mesma campanha, o ex-presidenciável do PDT também se irritou com a manobra realizada pelo PT para tirar a candidatura de Marília Arraes ao governo de Pernambuco, em favor de apoio à reeleição de Paulo Câmara. Por esse acordo, o PSB desistiu de fechar uma aliança com Ciro na eleição presidencial. O então candidato chamou a manobra de “providência golpista”.
Como troco, quando Fernando Haddad passou ao segundo turno contra Bolsonaro, Ciro, em vez de se engajar na campanha do petista, como era esperado, viajou para Europa. Desde então, passou a subir o tom em suas referências ao PT. Em fevereiro de 2019, durante o Congresso da UNE, em Salvador, o pedetista disse a um apoiador do ex-presidente que o provocava:
— O Lula tá preso, babaca.
Alianças municipais
Repetiu três vezes a frase dita por seu irmão Cid Gomes durante a o segundo turno da eleição. “Picaretas do lulopetismo bandido” também foi uma expressão que passou a acompanhar Ciro em entrevistas. Declarou ainda ter perdido o respeito pelo ex-presidente e o chamou de “enganador profissional”.
Lula baixava o tom na hora de responder, mas, em maio, disse que o ex-ministro escolheu procurar o voto de “quem odeia o PT, que vá com Deus”.
Em setembro, já depois da conversa, Lula colocou o pedetista na lista de nomes qualificados para disputar a Presidência. Também chamou as diferenças entre eles de “pontuais” e disse ter respeito por Ciro. Desde o encontro, o ex-presidenciável do PDT, por sua vez, não fez mais acusações pesadas contra o ex-presidente e o PT.
Em entrevista à TV Cultura na segunda-feira, o ex-marqueteiro do PT João Santana chegou a dizer que uma chapa com Ciro candidato e Lula na vice seria imbatível. Por causa da suspensão dos direitos políticos do petista, a hipótese é inviável. Os aliados de Lula também descartam que ele aceite ser vice.
Porém, não está descartado que PT e PDT se reaproximem no plano nacional. Na atual eleição municipal, o PT apoia 173 candidatos a prefeito do PDT, que por suas vez está em chapas encabeçadas por 134 petistas. Essas alianças, porém, não se dão em nenhuma capital.