MPF

Lula é denunciado pela quarta vez, a primeira na Operação Zelotes

A acusação atinge também o filho do petista, Luis Cláudio Lula da Silva, além do casal de lobistas Mauro Marcondes e Cristina Mautoni

O Ministério Público Federal em Brasília denunciou à Justiça, no âmbito da Operação Zelotes, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelos crimes de tráfico de influência, lavagem de dinheiro e organização criminosa. A acusação atinge também o filho do petista, Luis Cláudio Lula da Silva, além do casal de lobistas Mauro Marcondes e Cristina Mautoni. Todos foram denunciados por “negociações irregulares que levaram à compra de 36 caças do modelo Gripen pelo governo brasileiro e à prorrogação de incentivos fiscais destinados a montadoras de veículos por meio da Medida Provisória 627”. O jornal O Estado de S. Paulo revelou em 2015 o esquema de tráfico de influência e compra de Medidas Provisórias atribuído ao ex-presidente na Zelotes.

Esta é a quarta denúncia criminal contra Lula. Anteriormente, o ex-presidente foi acusado pelo Ministério Público Federal por obstrução de Justiça, por supostamente ter tentado barrar a delação do ex-diretor da área Internacional da Petrobrás Nestor Cerveró na Operação Lava Jato; por lavagem de dinheiro e corrupção no caso do triplex do Guarujá; e também por tráfico de influência em um empreendimento da Odebrecht em Angola, na Operação Janus, que envolve o sobrinho de sua primeira mulher.

As informações foram divulgadas nesta sexta-feira, 9, pela Assessoria de Comunicação da Procuradoria da República, no Distrito Federal.

Nesta nova denúncia, a Procuradoria da República afirma que os crimes teriam sido praticados entre 2013 e 2015 quando Lula, já na condição de ex-presidente, “integrou um esquema que vendia a promessa de que ele poderia interferir junto ao governo para beneficiar as empresas MMC, grupo Caoa e SAAB, clientes da empresa Marcondes e Mautoni Empreendimentos e Diplomacia LTDA (M&M)”.

Em troca, afirma a denúncia, Mauro e Cristina, donos da M&M, repassaram a Luis Cláudio pouco mais de R$ 2,5 milhões.

Ao longo de 154 páginas, os procuradores da República Hebert Mesquita, Frederico Paiva e Anselmo Lopes descrevem a atuação dos investigados em dois fatos a partir da existência do que chamaram de “uma relação triangular”.

“Uma das vértices era formada pelos clientes da M&M – que aceitaram pagar cifras milionárias por acreditar na promessa de que poderiam obter vantagens do governo federal – outra, pelos intermediários (Mauro, Cristina e Lula) e a terceira, pelo agente público que poderia tomar as decisões que beneficiariam os primeiros, a então presidente da República Dilma Roussef. Durante as investigações, não foram encontrados indícios de que a presidente tivesse conhecimento do esquema criminoso”, afirma a denúncia.

A acusação tem base na análise de documentos apreendidos por ordem judicial – tanto na Zelotes quanto na Lava Jato -, além de informações prestadas em depoimentos, como o do próprio ex-presidente Lula e de um representante da SAAB no Brasil, Bengt Janér.

Entre as declarações feitas pelo executivo da Quadricon, que, durante um período era contratada pela companhia sueca, está a de que, a partir de 2009, o processo de compra dos aviões tornou-se mais político do que técnico. Um Procedimento Investigatório Criminal (PIC), instaurado na Divisão de Combate à Corrupção, do Ministério Público Federal do Distrito Federal, para apurar a compra dos caças também serviu de base para a ação.

Na denúncia, a Procuradoria sustenta que a promessa de interferência no governo por parte do ex-presidente Lula (venda de fumaça) rendeu ao seu filho, Luis Cláudio o recebimento de vantagens indevidas e que o valor repassado só não foi maior por causa da deflagração da Zelotes, em março de 2015. Segundo a ação, a expectativa era de um recebimento total de R$ 4,3 milhões, sendo R$4 milhões da M&M e o restante da montadora Caoa. Entre os meses de junho de 2014 e março de 2015, a M&M fez nove pagamentos à LFT que somados chegaram a exatos R$ 2.552.400 00.

Compra dos caças

Em relação aos caças, a ação do MPF traz um relato detalhado do processo que durou oito anos. O edital para a compra – considerada a maior aquisição militar da América Latina e que viabilizaria o chamado Projeto FX -2 – foi lançado em 2006. No entanto, apenas em 2014, o governo brasileiro firmou contrato com a empresa SAAB para o fornecimento das aeronaves. A empresa sueca teve como concorrentes um modelo francês (Rafale) que, em 2009, chegou a ser anunciado como vencedor da licitação pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva – e um americano (Super Hornet) – que por algum tempo (2011 e meados de 2012), foi o preferido da presidente Dilma Roussef. Em declarações dadas ao MPF, o representante da SAAB afirmou que, nesse período a empresa acreditou que seria preterida pelos americanos. “Joguei a toalha”, disse Bengt Janér.

O que se viu, no entanto, foi uma nova investida por parte da empresa sueca que já possuía um contrato indireto com a M&M (via Quadricon) e que, em agosto de 2012, passou a trabalhar diretamente com os brasileiros. As investigações realizadas por integrantes da Força-Tarefa da Operação Zelotes revelaram que, ao todo, a M&M recebeu da SAAB € 1,84 milhão, sendo € 744 mil apenas entre 2011 e 2015. A explicação para esse reforço nos pagamentos está, segundo os investigadores, no fato de os lobistas Mauro e Cristina terem convencido os suecos que possuíam proximidade com o ex-presidente e que poderia contar com a sua influência junto ao governo para assegurar uma vitória na disputa concorrencial. “Assim, argumentos técnicos e indicadores de eficiência tornaram-se meros detalhes diante das jactadas proximidade e amizade a agentes públicos federais”, pontuam os autores da ação.

O MPF enviou à Justiça documentos que não deixam dúvida quanto à estratégia adotada pela M&M para convencer os parceiros da SAAB que poderia contar com o prestígio do ex-presidente para interferir na decisão governamental. Entre as provas, estão cartas endereçadas a Lula em, pelo menos, duas ocasiões. Uma delas foi elaborada em setembro de 2012 e recebeu o aval dos diretores da SAAB, na Suécia, antes de ser entregue ao destinatário. No texto, uma espécie de defesa dos caças produzidos pela empresa sueca. A ação penal também faz referência a uma intensa troca de e-mails entre funcionários da M&M e do Instituto Lula, com o objetivo de viabilizar um encontro entre Lula e o líder do Partido Sindical Democrata e futuro primeiro-ministro da Suécia Sueco, Stefan Lofven.

Documentos apreendidos na sede do Instituto Lula, em São Paulo, revelaram ainda a intenção do político sueco, que defendia a escolha do modelo fabricado pela SAAB, de se reunir com o ex-presidente Lula e a então presidente Dilma Rousseff na África do Sul, por ocasião do funeral de Nelson Mandela. Em 9 de dezembro de 2013 Lula e Dilma viajaram até o país africano com o objetivo de acompanhar a cerimônia fúnebre e, exatamente nove das depois, em 18 de dezembro, o governo brasileiro anunciou a decisão de comprar de 36 caças do modelo Grippen. Era o fim de uma longa disputa e a vitória do cliente da M&M.

Medida Provisória

As investigações da Operação Zelotes revelaram que, assim como em 2010 – quando foi negociada e aprovada a Medida Provisória 471-, do fim de 2013 até meados de 2014, a Marcondes e Mautoni agiu de forma irregular para garantir a aprovação da MP 627. Um dos artigos, incluídos pelo relator, o então deputado federal Eduardo Cunha, atualmente preso em Curitiba, garantiu a prorrogação de incentivos fiscais às montadoras MMC e Caoa até 2020, contrariando a posição técnica do Ministério da Fazenda. A partir da análise dos documentos apreendidos na fase preliminar da investigação, o MPF sustenta que o casal usou – nesse episódio – o mesmo procedimento adotado na negociação dos caças (vendeu a promessa de influência política de Lula) para convencer os clientes a firmarem contratos milionários como a M&M. Durante o processo de tramitação da MP 627, MMC e Caoa pagaram R$ 8,4 milhões, cada uma, à empresa de Mauro Marcondes.

Um documento manuscrito apreendido pela Polícia Federal na sede da Marcondes & Mautoni comprova a intenção de vender a influência. A anotação traz os nomes dos presidentes da Caoa e da MMC, Antônio dos Santos Maciel Neto e Robert de Macedo Soares Rittscher, respectivamente. Há ainda referências aos então ministros Guido Mantega (Fazenda) e Aloisio Mercadante (Casa Civil) e à presidente da República, como as pessoas que dariam a “canetada”, ou sejam, permitiriam ou não a prorrogação do benefício.

A ação penal faz ainda referências a outro documento, também apreendido por ordem judicial, que registra a existência de “coisas contrárias” à aprovação da MP 627. O texto diz que a Fazenda está “trancando tudo” e cita, como justificativa para a resistência técnica à renúncia fiscal, o contexto econômico-fiscal desfavorável e a preocupação com a avaliação das agências de classificação de riscos. Há ainda a comprovação documental que, nesse período, Mauro manteve com os clientes uma intensa negociação e troca de mensagens acerca da discussão da MP no âmbito do Congresso Nacional. Paralelamente a esses contatos, o lobista encontrava-se pessoalmente com Lula para, segundo os investigadores, acertar os pagamentos pelo tráfico de influência. Um deles ocorreu poucos dias antes da inclusão do artigo 100 no texto da MP por Eduardo Cunha.

Na ação penal, os procuradores da República lembram que no fim de 2015, Mauro e Cristina foram denunciados pelo MPF pela prática de crimes durante a tramitação da MP 471. Em maio deste ano, o juiz federal Vallisney Oliveira condenou Mauro Marcondes a 11 anos e 8 meses de reclusão por associação criminosa, corrupção ativa e lavagem de dinheiro). No caso de Cristina, a pena imposta foi de 6 anos e 8 meses de prisão. (ação penal 0070091132015 4013400). Caberá ao mesmo magistrado apreciar a denúncia referente ao caso dos caças e da MP 627.

Negociação financeira

O contrato entre o governo brasileiro e a empresa SAAB, no valor de U$ 5,4 bilhões, foi assinado em outubro de 2014. Já a Medida Provisória 627 foi convertida na Lei 12.973, sancionada em maio do mesmo ano. Documentos reunidos pela Força-Tarefa revelaram que, nesse período, houve uma intensa movimentação entre os envolvidos. O período marca também o início dos repasses financeiros da M&M às empresas de Luiz Cláudio (junho de 2014). Há registros, por exemplo, de que o filho do ex-presidente esteve em quatro ocasiões na sede da M&M e de que Lula, o filho e Mauro Marcondes se encontraram, também, quatro vezes no Instituto Lula. Os encontros, avaliam os procuradores, serviram para que fosse acertada a viabilização do pagamento das vantagens indevidas. Uma das provas é a constatação de que as minutas dos contratos foram elaboradas quase dois meses após a data informada como tendo sido a de assinatura dos documentos.

Como parte dos encontros presenciais entre os envolvidos ocorreu em 2015, após, portanto, à deflagração da Operação Zelotes, os investigadores afirmam que eles também serviram para a discussão de formas de se evitar a descoberta da prática criminosa por parte dos investigadores e da própria Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada do Senado Federal com o objetivo de apurar as irregularidades no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Mauro Marcondes chegou a ser convocado para depor da Comissão, mas alegou problemas de saúde para se livrar do compromisso marcado para o dia 6 de agosto de 2015. Informações anexadas à ação dão conta de que o possível depoimento de Mauro Marcondes à CPI era motivo de preocupação de Lula.

A ação judicial menciona ainda outros dois aspectos. O primeiro é o fato de existir uma vasta documentação que contradiz as afirmações feitas pelo ex-presidente em depoimento à Polícia Federal. Na época, Lula disse que, ao deixar o cargo, “tomou como decisão de honra não interferir na gestão do novo governo”, e que nem ele e nem seus parentes realizaram atividade de lobby.

O segundo se refere às provas de que a LFT não prestou nenhum serviço à M&M. Um relatório da Polícia Federal constatou que o material entregue pela empresa como sendo o objeto do contrato não passava de cópias disponíveis na internet, montadas após a deflagração das investigações. “Foram documentos apresentados impressos, sem data de formulação, sem arquivos digitais que permitiriam aferir sua ‘idade’. Tudo pós-fabricado”.

Para os procuradores que assinam a ação, não há dúvidas de que, pelo menos a partir de setembro de 2012, Lula tinha conhecimento da estratégia utilizada por Mauro Marcondes (de vender à SAAB, a MMC e à Caoa a ideia de que o empresário mantinha relação de proximidade com ex-presidente) e que viu nesse fato a oportunidade de garantir o enriquecimento do filho. Para isso, o ex-presidente valeu-se do trabalho de funcionários do Instituto Lula que, por meio de ligações telefônicas e e-mails, filtravam as conversas. “Assim, ele não subscrevia mensagens e os interessados num contato direto tinham que agendar encontro pessoal”, resume um dos trechos da ação.

Enquadramento dos crimes

Mauro Marcondes – Tráfico de influência (três vezes), Lavagem de dinheiro (nove vezes), Organização criminosa e evasão de divisas (uma vez)

Cristina Mautoni – Tráfico de influência (três vezes), Lavagem de dinheiro (nove vezes), Organização criminosa e evasão de divisas (três vezes)

Luiz Inácio Lula da Silva – Tráfico de influência (três vezes), Lavagem de dinheiro (nove vezes), Organização criminosa

Luis Cláudio Lula da Silva – Lavagem de dinheiro (nove vezes) e organização Criminosa