Maia cogita acordo por WhatsApp em votações para diminuir risco de coronavírus na Câmara
Diante da pandemia do coronavírus, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), cogita reduzir a…
Diante da pandemia do coronavírus, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), cogita reduzir a circulação de deputados e até fazer por WhatsApp acordo de líderes partidário sobre projetos em votação.
Com os acordos, não haveria necessidade de quorum elevado em plenário para as votações.
“Não sei se a gente deve suspender ou ampliar um pouco mais a limitação do acesso inclusive dos deputados ao plenário, priorizar os projetos que são de consenso”, afirmou Maia, em entrevista à Folha de S.Paulo.
“Dá para fazer votação por acordo. Entram poucos líderes, acerta o texto antes, faz o acordo no Whatsapp, ‘esse é o texto final’. O relator pega a opinião de todo mundo no WhatsApp, no computador, e depois vai no plenário só respaldar aquilo que todo mundo acertou. É mais trabalhoso”, disse.
Maia recebeu a Folha de S.Paulo na residência oficial da Presidência da Câmara nesta quinta (12). Até então, ele não havia feito teste para o coronavírus.
“A gente não pode apavorar nesse assunto. Não estou com nenhum indício de que tenho coronavírus. Vou evitar circulação, evitar o Rio de Janeiro? Vou. Não estive em lugar fechado, em avião. Não estive com ninguém que deu positivo para o coronavírus”, afirmou.
Maia disse que a agenda dos próximos 45 dias será focada no combate aos efeitos econômicos do coronavírus. Na sua opinião, o governo tem de apresentar medidas de curto prazo para discussão.
Segundo ele, a ausência disso incomodou deputados e senadores que se reuniram com o ministro Paulo Guedes (Economia) na quarta (11).
Na entrevista, ele comentou a relação do governo de Jair Bolsonaro com o Congresso.
Segundo Maia, projetos importantes têm se arrastado na tramitação por causa de crises políticas entre o Palácio do Planalto e o Congresso.
A decisão de Bolsonaro de não ter articulação política nem uma base de apoio contribui para o cenário de instabilidade nas relações entre os dois Poderes, na avaliação do deputado.
“Tem matérias que poderiam ter avançado mais rápido e esses conflitos que muitas vezes aparecem na relação entre os Poderes acabam atrasando alguns projetos. Poderíamos ter avançado mais em algumas pautas se a relação não fosse de vai e volta, bons momentos e momentos conflituosos? Poderíamos”, disse.
Ele cita como exemplo a proposta de autonomia do Banco Central, em discussão no Congresso.
“A produção poderia estar sendo melhor? Certamente. Certamente a autonomia do Banco Central já deveria ter sido votada. Só que a cada momento que a gente organiza a votação da autonomia tem uma crise na relação com o Executivo”, ressaltou.
A proposta é uma das elencadas como prioritárias para blindar a economia do país da crise do coronavírus em documento enviado pelo ministro Paulo Guedes (Economia) ao Poder Legislativo.
“Eu estava pronto para votar em março a autonomia do BC, aí tivemos toda essa crise (do incentivo aos protestos), somada a outra crise (do coronavírus), temos que analisar o que deve ser priorizado”, disse.
O presidente da Câmara diz que o clima de tensão é entre os Poderes é reforçado pela falta de articulação política do governo.
“Todos aqueles que constroem acordos com o Parlamento acabam desgastados porque uma parte importante da base de sustentação do presidente não aceita e ele acaba respondendo para essa base”, diz, mencionado a polêmica sobre o Orçamento impositivo.
Ele diz, por exemplo, que a última crise foi gerada por decisão exclusiva de Bolsonaro “de compreender que aquele acordo que eles tinham feito não era um acordo que interessava ao presidente”.
“Esse conflito, que acabou transbordando para as redes sociais do presidente, nos fez abrir o pós-carnaval uma relação um pouco mais tensionada, que logo em seguida veio a questão do coronavírus. Então, é óbvio que esses conflitos atrapalham e atrasam.”
Governo e Congresso disputam o controle de R$ 30,8 bilhões do Orçamento. O impasse entre Legislativo e Executivo gira em torno de R$ 15 bilhões das emendas do relator do Orçamento, deputado Domingos Neto (PSD-CE). Inicialmente, a destinação final desse valor seria definida por Neto.
O governo, porém, resiste a ceder a palavra final sobre esses recursos aos parlamentares, mesmo após o acordo firmado na semana passada que previa o acerto em troca de que os congressistas mantivessem vetos do presidente ao Orçamento impositivo.
O trato, segundo Maia, foi fechado com o ministro Paulo Guedes (Economia) e o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo.
O Executivo apresentou então três projetos em troca de que o Congresso mantivesse os vetos que Bolsonaro fez ao Orçamento impositivo. “Se eles não forem votados, não tem regulamentação do Orçamento impositivo. O governo não pode nem liberar os restos a pagar que tem para liberar”, disse Maia.
Ele avalia que o caso virou um “falso problema” e critica o discurso do governo que gerou reclamações à demanda do Parlamento.
A polêmica em torno desses recursos foi o que inflou parte dos apoiadores de Bolsonaro a convocarem manifestações que ocorreriam neste domingo (15), mas que foram canceladas.
“Acho que é um problema menor. A gente tem que ter a dimensão das coisas. A crise vai ser muito maior do que ficar discutindo como usar os recursos. Aí eu digo, para ativar a economia, a gente precisa da execução orçamentária, principalmente nos municípios mais pobres”, afirmou.
Segundo o presidente da Câmara, parte dos recursos das emendas de relator podem ser usadas para medidas de combate ao coronavírus, conforme a demanda do governo.
Diante da nova urgência, diz Maia, a discussão sobre o acordo do Orçamento tornou-se lateral.
“Não que os R$ 15 bilhões que foram indicados pelo Congresso não tenham uma destinação importante e urgente para cada município na construção de uma escola, de uma estrada, ou outro projeto. É porque a crise das últimas semanas talvez tenha tornado esse debate irrelevante.”
Na entrevista, Maia ainda comentou as dificuldades políticas que Bolsonaro tem enfrentado na relação com o Congresso.
Ele descartou, por exemplo, que a falta de articulação política leve a um debate sobre um eventual processo de impeachment contra o presidente. Ele não vê, por exemplo, um possível crime de responsabilidade no episódio em que Bolsonaro compartilhou via Whatsapp vídeo convocando para protestos contra o Congresso. Para ele, esse debate poderia existir se houvesse comprovação do uso de recursos públicos para incentivar esse tipo de manifestação.
“O processo de impeachment não é uma coisa trivial. Não podemos acha que qualquer crise é impeachment do presidente. Essas coisas não são assim, isso gera insegurança, desconfiança dos atores econômicos, dos atores da sociedade. Eu não trabalho com essa palavra no meu dicionário”, disse.
Na avaliação de Maia, apesar das sucessivas crises com o Congresso, Bolsonaro ainda está distante do cenário envolvendo a ex-presidente Dilma Rousseff, que sofreu impeachment em 2016.
“Ela perdeu as condições de governar. Isso faz parte dessa ruptura dessa relação. O governo Dilma desorganizou a relação com grande parte da sociedade”, disse.
“O processo de impeachment, além do crime caracterizado, tem que estar suportado por uma crise quase de ruptura desse governo com parte importante da sociedade”, ressaltou.
Questionado se confia em Bolsonaro, Maia não é incisivo na resposta. “Tirando essa questão do Orçamento, todos os outros assuntos que eu fui tratar com ele, que não foram muitos, as coisas aconteceram normalmente.”