Maior representatividade das mulheres na política depende dos partidos, que são comandados por homens
Números crescentes de feminicídio no país, violência doméstica e crimes contra as mulheres noticiados diariamente…
Números crescentes de feminicídio no país, violência doméstica e crimes contra as mulheres noticiados diariamente em todos os Estados brasileiros. O Brasil ainda tem uma população predominante machista e ditada pelo patriarcado. Uma sociedade que ainda exclui as mulheres das decisões fundamentais para protegê-las e da participação delas na criação de políticas públicas voltadas para dar-lhes voz, espaço e poder nas esferas públicas brasileiras.
Exemplo disso é a pouca representatividade feminina no Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. Ainda temos poucas prefeitas – somente 641 mulheres foram eleitas ao cargo em 2016, representando 11,57% do total, apenas uma governadora eleita em 2018 e, a única presidente eleita no país, Dilma Rousseff (PT), sofreu impeachment em seu segundo mandato.
De acordo com o Mapa Mulheres na Política 2019, um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) e da União Interparlamentar divulgado neste mês, no ranking de representatividade feminina no Parlamento, o Brasil ocupa a posição 134 de 193 países pesquisados, com 15% de participação de mulheres. São 77 deputadas em um total de 513 cadeiras na Câmara; e somente 12 senadoras entre os 81 eleitos.
Já no ranking de representatividade feminina no governo, o Brasil ocupa apenas a posição 149 em um total de 188 países. O governo de Jair Bolsonaro tem somente 9% de representatividade feminina, com apenas duas mulheres entre os 22 ministros. A média mundial é de 20,7%.
Em Goiás, a realidade da sub-representatividade feminina não é diferente. Na Câmara Municipal, temos apenas cinco vereadoras dos 35 parlamentares da Casa. Já na Assembleia, o número é ainda mais assustador – entre os 41 deputados, há apenas com Lêda Borges (PSDB) e Adriana Accorsi (PT) no Legislativo goiano.
À despeito dos números, como mudar esse quadro que está aquém da realidade? Como diminuir o machismo na política e em toda a sociedade? Esse é um debate que deve ser constante e, para discorrer mais sobre o ainda forte e remanescente machismo no Brasil de 2020 – mesmo após avanços na legislação eleitoral que dão mais chances da representatividade feminina na política -, o Mais Goiás entrevistou duas vereadoras combativas por Goiânia, Sabrina Garcez e Cristina Lopes, além da cientista política e forte militante do tema, Ludmila Rosa.
“Cotas não garantem competitividade”
Para as três entrevistadas, o maior entrave atual para o aumento de candidatas e de mulheres eleitas no Brasil e em Goiás, são os partidos, que são comandados por homens e não respeitam a Lei de Cotas de forma real. A Lei instituiu que 30% do fundo eleitoral seja destinado para beneficiar candidaturas femininas, mas muitas não são candidaturas competitivas e a verba acaba financiando, por outro lado, candidaturas masculinas.
No que tange a cientista política Ludmila Rosa, um dos entraves que as mulheres enfrentam é o trabalho dos partidos em prol de suas candidaturas. “O erro dos partidos políticos é dar atenção à pauta da mulher na política só de dois em dois anos. O que se percebe, no mercado público de pré-campanhas, são lideranças partidárias atordoadas para pinçarem mulheres aqui e acolá para suprir a cota, os tais 30%”, explica.
Para Ludmila, que é pré-candidata à Câmara Municipal de Goiânia, as legendas precisam dar espaço às mulheres nas executivas para que elas se sintam parte do processo. “É preciso ter estratégias de atração, aglutinação e formação constantes. É preciso dar espaço nas executivas partidárias para que as mulheres se sintam parte do processo que ajudam a construir e executoras de ações por elas pensadas. É simples, mas é preciso que os homens também se sensibilizem e nos ajudem a tornar esses bloqueios cada vez mais frágeis”, defende.
“Falta vontade política”
Outra defensora da mudança dos partidos em relação às candidaturas femininas é a pré-candidata a Prefeitura de Goiânia, a vereadora Cristina Lopes. Ela, que tem uma trajetória de luta em defesa das mulheres e já foi vítima de violência doméstica, afirma que falta vontade política em tornar as mulheres protagonistas no processo eleitoral. “Existem milhares de mulheres representativas, em todas as cidades do Brasil. Processos de formação e inclusão devem ser a tônica dos partidos políticos. O triste é que quase nenhum se propõe a garantir essa relação ou dar protagonismo às mulheres”.
Para Cristina, um dos reflexos da dificuldade em romper a barreira do machismo na formação de chapas é a baixa representatividade feminina nas Câmaras Legislativas. Na Câmara Federal, por exemplo, das 25 comissões permanentes da Casa, apenas 4, ou seja 16%, serão presididas por mulheres neste ano.
Otimismo
A vereadora por Goiânia, Sabrina Gârcez , também contesta a Lei de Cotas. Ela argumenta que muitos partidos não respeitam e utilizam o dinheiro destinado às candidaturas femininas para beneficiar os homens. “Apesar de 30% do fundo eleitoral ser reservado às mulheres, sabemos que muitas não são candidaturas competitivas, e o dinheiro é usado para beneficiar candidaturas masculinas”, relata.
Otimista, Sabrina acredita que o cenário já está mudando e que é perceptível a preocupação das legendas em buscar mulheres para formar chapas. “Já vejo uma preocupação dos partidos em ter candidatas mulheres, candidatas reais. Essa mudança vai ocorrer gradativamente com a participação de mais mulheres”, argumenta.
Partidos
Atualmente estão registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 33 partidos políticos. Em Goiás, apenas dois são presididos por mulheres – o PT, que está sob o comando de Kátia Maria, e o PCdoB, que é coordenado pela ex-deputada estadual, Isaura Lemos.
Questionada sobre a disparidade nos números de homens que estão no comando em relação às mulheres, Isaura afirma que para alguns partidos as mulheres são vistas apenas para ajudar, completar a chapa e, principalmente, para cumprir a legislação. “A mudança dessa situação está se dando muito lentamente. É uma questão cultural, inclusive da visão das mulheres que assumem com prioridade as tarefas domésticas, de cuidar dos filhos, dos idosos, família etc. Muito trabalho ainda deverá ser feito e ninguém fará mais e melhor que as próprias mulheres”.
Isaura, que está na vida política desde muito nova, defende que serão as mulheres as principais responsáveis por mudar a pouca representatividade feminina. “Não podemos ficar esperando sermos vistas, lembradas e consideradas. Temos que nos colocar como protagonistas do processo político.Temos que apoiar e trabalhar por candidaturas femininas, votar em mulheres. Especialmente mulheres que são conscientes e participam da luta por emancipação, por mudanças e contra a desigualdade social.”
A reportagem tentou contato com a presidente do PT estadual, Kátia Maria. Mas até o fechamento desta matéria não obteve resposta.