Máquina federal tem enxugamento inédito de servidores
Taxa de reposição de funcionários é a menor da série histórica
A máquina pública federal clássica no Brasil, que inclui ministérios, fundações e agências reguladoras, além órgãos tradicionais como INSS, IBGE, Ibama e Incra, entre outros, passa por um fase inédita de enxugamento.
A taxa de reposição dos funcionários que se aposentam é a menor da série histórica. Na média dos últimos três anos, apenas 11,6 mil novos servidores foram contratados.
Participam hoje dessa engrenagem 208 mil servidores públicos estatutários. No auge, em 2007, eles eram 333,1 mil, com direito a estabilidade e planos de progressão automática em suas carreiras, segundo dados do Painel Estatístico de Pessoal (PEP), do governo federal.
A diminuição se acentuou nos últimos anos, com a aprovação do teto de gastos, em 2015, e no governo Jair Bolsonaro (sem partido), que restringiu as contratações congelou os vencimentos dos servidores.
A partir do governo Michel Temer (2016-2018), que instituiu o teto de gastos, houve redução no ritmo de aumento da despesa anual com servidores.
No governo Bolsonaro, de modo inédito, a despesa com servidores civis na ativa está caindo, embora o presidente acene com algum reajuste antes da eleição, em 2022, e tenha dado aumento aos militares, sua base de apoio, a partir de 2019.
Os salários e encargos do funcionalismo federal civil ativo e inativo neste ano somam R$ 335,4 bilhões, R$ 2 bilhões a menos do que no primeiro ano de Bolsonaro, segundo dados da Secretaria do Tesouro Nacional corrigidos pela inflação.
Nos últimos sete anos, áreas importantes como Ministério da Saúde, INSS, IBGE e Ibama perderam entre um terço e a metade dos servidores.
A única área do governo federal que cresceu no período, mas que não participa diretamente da máquina administrativa, é a das universidades e institutos técnicos federais.
Voltado à educação e à formação técnica, o setor cresceu a partir do início do governo Dilma Rousseff, em 2011, ganhando cerca de 30% mais servidores estatutários desde então.
Para Simon Schwartzman, pesquisador associado do Instituto de Estudos de Política Econômica e ex-presidente do IBGE, houve inchaço além do necessário nessa área, em termos de pessoal estatutário, além de desvirtuamento, à medida em que muitos institutos técnicos passaram a atuar como faculdades.
Em sua opinião, muitas das contratações, sobretudo de pessoal administrativo, poderiam ter sido feitas via organizações sociais (OS) ou em regime de CLT, a exemplo de escolas técnicas estaduais, como as Fatecs e Etecs paulistas.
Universidades e institutos técnicos federais têm hoje 269,7 mil funcionários, mais do que a máquina pública federal tradicional (208 mil), que toca o dia a dia do país.
“Os institutos federais passaram a ser um equívoco, com pressões para que se tornem universidades, com gastos concentrados em salários, mas com pouca verba de custeio e equipamentos em mal estado”, diz Schwartzman.
Somando-se os funcionários da máquina pública clássica e os das universidades e institutos técnicos, o Brasil tem hoje 477,8 mil servidores permanentes na ativa.
Mesmo assim, eles são 10% menos do que há sete anos —sobretudo devido ao enxugamento da máquina tradicional.
O economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro da Administração Federal e Reforma do Estado (1995-1998), diz que o aumento da oferta de cursos técnicos foi positivo. “Mas é pena que isso tenha sido feito via servidores estatutários.”
Em sua opinião, é fundamental que o Brasil reduza a diferença nas vantagens e na remuneração dos funcionários públicos em relação aos privados.
Segundo o relatório “Um Ajuste Justo: Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil” (2017), do Banco Mundial, o prêmio salarial para os servidores federais no país, na comparação com seus equivalentes (inclusive por escolaridade) no setor privado chega a 67%.
A diferença é menor para os servidores estaduais (31%) e irrelevante no caso dos municipais.
O Banco Mundial enfatiza que o Brasil não apresenta necessariamente um número excessivo de funcionários públicos na comparação internacional, mas que o problema são as vantagens que eles têm em relação aos demais trabalhadores.
Para Roberto Olinto, ex-presidente do IBGE, o ideal seria que muitas áreas do setor público tivessem um corpo estatutário protegido pela estabilidade, servindo de núcleo, e que contratasse outros funcionários de modo mais flexível.
Na prática, com o enxugamento da máquina, isso já vem ocorrendo em algumas áreas.
No IBGE, cerca de 5.000 funcionários são contratados há mais de uma década por períodos máximos de três anos para realizar pesquisas.
“Mas há carência de concursados em áreas estratégicas. Em 2018, tentei abrir 1.800 vagas para repor pessoal. Não consegui”, afirma Olinto.
O economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper, afirma, porém, que a contenção nos aumentos de salários e nas contratações de servidores não deve ser sustentável.
“Isso anda em ondas, com dois ou três anos de represamento para depois haver uma recomposição”, afirma. “A pressão por reajustes refluiu diante da prioridade no combate à Covid, mas tende a voltar com força no ano eleitoral.”
Na quinta (15), a Comissão Mista de Orçamento aprovou o relatório do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2022. Nele, foi mantido dispositivo que autoriza o governo a conceder, se quiser, reajuste a servidores federais no ano que vem.
Segundo Luís Cláudio de Santana, secretário de Comunicação da Condsef (Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal), vários setores do funcionalismo já se organizam para pleitear aumentos em 2022.
Com o slogan “Cancela a Reforma Já”, a Condsef é contra a reforma administrativa proposta pelo governo Bolsonaro, que prevê, entre as mudanças, o fim da estabilidade para novos servidores.
“O que deveria estar em discussão é como melhorar a eficiência do serviço público”, afirma Santana.
“Existem 255 carreiras e planos de cargos e 301 tabelas salariais. Isso é ineficiente e desnecessário, mas não é o que está sendo discutido na reforma, que deixaria isso para depois, via projeto de lei.”
Sobre a forte diminuição nas contratações nos últimos anos, Santana diz que a digitalização da burocracia no serviço público não compensou a falta de servidores na maioria dos órgãos, e que novos concursos públicos deveriam ser realizados.