MBL quer percorrer 700 km de estrada na Amazônia para pressionar por pavimentação
Membros do MBL (Movimento Brasil Livre) do Amazonas se preparam para uma caminhada de 700…
Membros do MBL (Movimento Brasil Livre) do Amazonas se preparam para uma caminhada de 700 km ao longo da BR-319, no trecho entre Humaitá (AM) e Manaus. A rodovia completa, com 900 km, liga a capital do Amazonas a Porto Velho e possui trechos não pavimentados.
O grupo, de cerca de 20 pessoas, iniciará a jornada em 10 de agosto e pretende chegar ao final em 2 ou 3 de setembro. O objetivo é chamar atenção para as más condições da rodovia, que foi entregue em 1976, durante o regime militar, mas, sem manutenção, ficou intransitável em 1988. O MBL pleiteia a repavimentação da rodovia, uma demanda antiga na região.
A empreitada conta com o apoio do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, com quem os integrantes do MBL conversaram na semana passada. Segundo eles, o ministro está disposto a retomar as obras na rodovia e disse que poderia recepcioná-los na chegada à Manaus.
“Ele nos disse que, se conseguirmos apoio popular, facilitaria para ele”, conta o empresário Marcelo Cavalcante, 40, coordenador do MBL em Humaitá. O grupo quer recolher assinaturas de usuários da rodovia e de moradores do entorno para endossar o pedido.
Em nota, o Ministério da Infraestrutura confirmou que o ministro está acertando sua agenda para ver se consegue recepcioná-los. “O ministro manifestou apoio aos jovens locais. Acredita que essa é uma estratégia que pode ajudar a chamar a atenção para o problema da BR-319. Qualquer iniciativa que chame a atenção para o problema dessa rodovia terá o apoio do governo.”
Para Cavalcante em especial, a reconstrução da rodovia seria significativa porque, em 1998, aos 19 anos, perdeu a mãe, médica, num acidente de carro no local. O carro capotou ao desviar de um buraco.
Hoje a rodovia tem três trechos licenciados e um trecho pendente de licenciamento ambiental para que a obra de reconstrução seja iniciada. Mesmo nos trechos licenciados, porém, há problemas de trafegabilidade. A manutenção fica a cargo do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes).
O estudo de impacto ambiental do trecho não licenciado também é responsabilidade do Dnit e vem se arrastando desde os anos 2000. Em 2009, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) apontou a necessidade de complementação do estudo, o que não foi concluído até hoje.
O grupo que percorrerá a rodovia terá o apoio de um caminhão, que levará material para acampamento, gerador de luz e estoque de comida. A jornada será registrada em fotos e vídeos.
“Vamos passar pelo meio do mato, vai ter cobra, vai ter bicho. Com certeza alguém vai pegar malária no meio do caminho”, diz o representante do MBL.
“A cada quatro anos, nas eleições, há a promessa de reintegrar o Amazonas ao Brasil. Os candidatos usam como discurso político, mas no final não fazem. Manaus é isolada do país há três décadas”, reclama Cavalcante.
Caminhoneiros que se arriscam pela estrada costumam ficar atolados pelo caminho. As mercadorias escoam principalmente por vias fluviais. A conexão entre Manaus e Porto Velho é pelo rio Madeira.
“[A rodovia] Era uma opção para o transporte de produtos alimentícios, mercadorias para comércios, e variedades de matérias-primas, mesmo que nossos rios sempre tenham sido importantes neste segmento”, diz o MBL em um manifesto pela repavimentação.
Para o grupo, existe uma “máfia da navegação” que age para monopolizar a entrada e saída de mercadorias do Amazonas. “Por três décadas houve conchavos políticos e empresariais para que todas as chances de revitalização [da rodovia] fossem absolutamente sepultas.”
Embora os defensores da pavimentação apontem vantagens econômicas, como maior agilidade no transporte e abertura de mercados, a obra causaria sérias consequências socioambientais.
Reportagem da Folha de S.Paulo mostrou que o asfaltamento da BR-319 pode levar ao desmatamento de uma área equivalente à Alemanha. A trafegabilidade aumenta a exploração descontrolada de madeira, que abre espaço para grilagem, desmatamento ilegal e pecuária extensiva.
“As estradas na Amazônia são grandes vetores de desmatamento. Elas propiciam a ocupação desordenada. E a BR-319 pode ser uma nova fronteira de desmatamento na Amazônia. É uma área sem a presença do estado”, diz a pesquisadora Fernanda Meirelles, do Idesam (Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia).
Ao redor da rodovia, existem unidades de conservação e terras indígenas, mas, sem fiscalização efetiva dos órgãos públicos, há o risco de invasão dessas áreas protegidas.
“Já verificamos um aumento gigante de desmatamento na região. Não estamos preparados para receber a estrada, embora a pressão pela repavimentação seja grande. É uma questão de tempo e dinheiro, porque hoje a estrada já é trafegável boa parte do ano”, diz.
O estudo do Idesam sobre os impactos socioambientais da BR-319 mostra que, nos últimos oito anos, 305 km de ramais (estradas vicinais) foram abertos, principalmente por madeireiros.
A nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental, relatada pelo deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), do MBL, pode acabar com a necessidade de licenciamento ambiental de estradas.
“O licenciamento é o principal instrumento que temos para que sejam feitas medidas mitigatórias e compensatórias. Então o cenário ainda pode piorar”, completa Meirelles.
Moderador de um fórum sobre a BR-319, com a participação de órgãos governamentais e da sociedade civil, o procurador da República Rafael Rocha diz que há ainda a preocupação com conflitos por terras e aponta soluções.
“Hoje as pessoas se deslocam pela estrada em condições precárias e correm riscos. A rodovia, se pavimentada de forma sustentável, pode ser um vetor de desenvolvimento social e econômico, mas os governos vão precisar oferecer políticas públicas como saúde, educação, moradia e emprego, para que as pessoas não trabalhem com desmatamento e em condições análogas a escravidão”, diz.
Para o MBL, no entanto, a questão ambiental é uma discussão superada e não haverá degradação, pois as terras na região não têm valor econômico.
“Estamos falando de centenas de quilômetros de terras inóspitas, impossibilitadas de receber plantações ou criação de animais. Sem contar que ao longo da rodovia existem mais de uma dezena de áreas de preservação ambiental em plena manutenção”, diz o manifesto.
Cavalcante diz ainda que a questão do licenciamento “está infestada com viés ideológico”.
O MBL espera que a visita do presidente Jair Bolsonaro (PSL) a Manaus, na próxima quinta (25), traga algum anúncio referente à rodovia.