Mensagens apontam articulações para manter investigações contra Lula em Curitiba
Conversas foram realizadas pelo Telegram e foram apreendidas pela Operação Spoofing
Antes mesmo de apresentarem denúncias, procuradores da força-tarefa da Operação Lava Jato manifestaram preocupação e articularam para manter as investigações sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em Curitiba, segundo revelam mensagens de Telegram apreendidas pela Operação Spoofing e periciadas pela defesa do petista.
O temor de que a competência fosse deslocada —o que acabou concretizado em decisão do ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), nesta segunda-feira (8)— sempre foi um assunto entre os procuradores. Originalmente, a operação investigava casos de corrupção na Petrobras, tendo como jurisdição a 13ª Vara Federal do Paraná, comandada à época pelo ex-juiz Sergio Moro.
O MPF-PR (Ministério Público Federal do Paraná) reiterou não reconhecer a autenticidade das mensagens protocoladas no STF (Supremo Tribunal Federal) pela defesa de Lula. Leia a íntegra do posicionamento do MPF-PR.
‘Lá em BSB o 9 pode ser denunciado por obstrução’
Em 18 de março de 2016 —seis meses antes de denunciarem Lula pela primeira vez, no caso do tríplex do Guarujá—, os procuradores demonstravam a intenção de articular para não perderem o controle das investigações contra o petista.
O procurador da República Andrey Borges de Mendonça, que integrou a Lava Jato em Curitiba, diz aos colegas que havia risco de Lula ser denunciado em decorrência da delação do então senador Delcídio do Amaral —ele acusou Lula de suposta tentativa de comprar o silêncio de Nestor Cerveró a fim de evitar uma colaboração premiada do ex-diretor da Petrobras.
O UOL manteve a grafia original das mensagens, mesmo quando há erros ortográficos.
“a Pessoal, sugestao: la em bsb [Brasília] o 9 [forma depreciativa de se referir a Lula] pode ser denunciado por obstrucao do cervero. Mas isso poderia facilitar a alegacao de conexao e de que tudo deveria subir”, diz o procurador.
Mendonça prossegue: “Minha opiniao eh refletir com brasilia o momento de eventual denuncia la por obstrucao…Eu acho q o ideal eh segurar ate vcs denunciarem sitio/triplex (caso seja isso q vao denunciar) e dps [depois] denuncia la em cima [Brasília] ou cisao [sic]”, completa.
Mendonça então pergunta aos colegas se havia provas do que Delcídio havia afirmado em colaboração premiada, e vários colegas confirmam que sim —posteriormente o próprio MPF pediu a anulação da delação do senador, sob a alegação de que ele havia mentido.
O procurador então propõe uma articulação com a PGR (Procuradoria-Geral da República) para evitar que o caso de Lula fosse para Brasília.
“So nao denunciaria ele por organ [organização] criminosa em cwb [Curitiba]. Tem q evitar colocar schahin tb (pq sao os fatos conexos). Eh importante refletir sobre isso. Ter uma posicao unissona com o pgr [procurador-geral da República] seria bem importante”, completou. Executivos do Grupo Schahin firmaram delações premiadas no âmbito da Lava Jato. Eles confessaram terem emprestado R$ 12 milhões para o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula.
Deltan viu elo frágil da denúncia com a Petrobras
Lula foi denunciado no caso do tríplex do Guarujá no dia 14 de setembro de 2016. Cinco dias antes, Deltan Dallagnol, então chefe da Lava Jato em Curitiba, demonstrou achar frágil a ligação da denúncia com o esquema de corrupção na Petrobras —ponto decisivo para que o caso continuasse com Moro.
“Falarão que estamos acusando com base em notícia de jornal e indícios frágeis? então é um item que é bom que esteja bem amarrado. Fora esse item, até agora tenho receio da ligação entre petrobras e o enriquecimento, e depois que me falaram to com receio da história do apto? São pontos em que temos que ter as respostas ajustadas e na ponta da língua”, afirmou o procurador em mensagem publicada pelo The Intercept Brasil, em junho de 2019.
Risco de ‘atrair fatos do MP-SP’
Horas antes da apresentação da denúncia, os membros da Lava Jato ainda debatiam a possibilidade de perderem o controle do caso, dessa vez para o Ministério Público de São Paulo, que havia denunciado Lula por conta da suposta compra do tríplex em uma investigação sobre fraudes na cooperativa habitacional Bancoop.
“Na última parte, o recebimento não decorre da fraude da bancop. Melhor tirar essa referencia. Ele [Lula] foi beneficiado pela OAS mediante um apartamento cuja construção foi assumido por ela”, argumentou o procurador da República Antônio Carlos Welter. “Se colocar bancop vamos atrair os fatos do mp de SP.”
Ante as ponderações feitas por Welter, outro procurador —que não é identificado nos diálogos— defende: “Gostaria de manter de alguma forma a referência ao escândalo Bancoop para colocá-lo mal frente aos trabalhadores.”
O MPF-PR afirmou que o fato de o procurador não ter sido identificado na troca de mensagens reforça dúvidas sobre a autenticidade do material. “A questionada assertiva não tem harmonia com a denúncia apresentada contra o ex-presidente, que não descreve em nada o esquema de fraudes ocorrido no seio da BANCOOP.”
Indignação com o STF
Em 24 de abril de 2018, a 2ª Turma do STF decidiu que trechos de delações de executivos da empreiteira Odebrecht sobre o petista deveriam sair das mãos de Moro e ir para a Justiça Federal de São Paulo. A decisão —que afetava casos como o do sítio de Atibaia e o do Instituto Lula— causou indignação entre os membros da força-tarefa.
Um procurador não identificado nos diálogos sugere articulações de bastidores com membros do MPF de outros estados: “Creio que devemos brigar pela nossa competência e buscar apoio dos locais que receberam para o reconhecimento disso.”
A proposta teve o apoio imediato da procuradora da República: “Temos que lutar!”, escreveu Isabel Grobba.