Política

Não dá para filho do presidente criar crises de forma sucessiva, diz Joice

Governo do presidente Jair Bolsonaro trabalha no Senado para segurar a volta da prisão em segunda instância para proteger Flávio Bolsonaro, diz a deputada

Joice Hasselmann (Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)

O governo do presidente Jair Bolsonaro trabalha no Senado para segurar a volta da prisão em segunda instância para proteger Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), diz a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP). Ex-líder do governo no Congresso, a parlamentar afirmou ao programa de entrevistas no estúdio do jornal Folha de S.Paulo e do UOL, em Brasília, que o presidente pediu ao líder no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), para atuar contra a medida, que tem forte apelo entre o eleitorado do próprio Bolsonaro.

Segundo ela, pode haver intenção do governo de proteger o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), investigado sob suspeita de promover um esquema de “rachadinha”, em que assessores são coagidos a devolver parte do salário a parlamentares. Joice, deputada mais votada de São Paulo em 2018, está no centro de uma briga de seu próprio partido e engajada em uma guerra virtual com o filho deputado do presidente, Eduardo Bolsonaro (SP).

Líder durante a tramitação da reforma da Previdência, Joice foi retirada do posto por Bolsonaro após tomar o lado de Luciano Bivar (PE), presidente da sigla, na briga que partiu o PSL ao meio. Ela foi contra a ascensão de Eduardo ao posto de líder na Câmara.”Particularmente, acho que nós deveríamos abrir as portas para aqueles deputados do PSL que não querem ficar. Não querem ficar, podem ir embora, não dá para ficar pressionando para que ninguém fique no partido atacando. Nenhum partido que tenha mais de 20 deputados pode ser chamado de partido nanico. Nós vemos partidos, como o Podemos, o Cidadania e outros, com o seu posicionamento e espaço na Câmara, fazendo um trabalho dentro das suas ideologias e nem por isso são exatamente nanicos.O PSL continua entre os maiores partidos da Câmara. Mas, desses 24 parlamentares, nós percebemos que houve muita pressão do Palácio, de ministros, em cima de alguns. Isso foge do jogo democrático, lamentavelmente. Acredito que metade deles volte para cá. Os mais xiitas vão para o partido [que Bolsonaro quer criar, a Aliança pelo Brasil], sejam felizes, vão fazer seu trabalho. Querem continuar sendo só ativistas, sem trabalhar para o povo, sem realmente conseguir vitórias do Brasil? Vai com Deus.”

“Não fui eu quem abandonou o presidente Bolsonaro. Foi ele que abandonou muitos daqueles que lutaram fielmente por ele, do lado dele, para que nós pudéssemos fazer um país melhor e aí eu posso te dar uma lista infinita de pessoas, Santos Cruz [ex-ministro de Secretaria do Governo], o próprio general Ramos [atual ministro da pasta], que foi atacado muitas vezes pelos filhos, Mourão [vice-presidente], Bebianno [ex-ministro da Secretaria-Geral].

Você vai pegando pessoas que foram fiéis a vida toda, ou pelo menos nessa vida política agora e que simplesmente foram usadas e descartadas. Me decepcionei, sim. Um pouco com isso do caráter, de não cumprimento de palavra e com esse desejo de sufocar qualquer um que tenha vida própria, que tenha algum brilho próprio. Essa fraqueza de posicionamento interno e essa oscilação, tanto de humor quanto de caráter, de posições, é uma coisa que decepciona qualquer um que tenha caráter, dignidade e palavra.”

“Os filhos prejudicaram desde o princípio. A maioria das crises que aconteceram entre os Poderes, e mesmo dentro do Palácio, do Executivo, foi criada por um dos filhos, ou o filho da rachadinha, ou filho do Twitter, que ficava xingando todo mundo, Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre, no momento em que pautas importantes precisavam entrar na votação.

Não adianta vir um moleque no Twitter achincalhar um presidente de Congresso, amiguinho. Entre na fila, vai disputar eleição, vira presidente do Congresso. Quem é o fedelho para fazer uma coisa dessas? Nós aqui, como parlamentares, podemos discordar, debater, derrotar e aprovar projetos. Agora, não dá para o filho do presidente criar crises de maneiras sucessivas, e foi o que aconteceu.”

“É uma relação complexa ali. Se ele [Bolsonaro] é mais influenciado pelo gabinete do ódio, qual é o tamanho da ingerência dele Eu não sei se ele tem a noção de tudo o que eles fazem e do mal que eles causam. Porque vou te dar um exemplo claro. Não é uma questão só de rede social, quando se fala de rede social parece que fica uma coisa muito bobinha. É uma questão de posicionamento do presidente, mesmo.

Eu fui contra alguns discursos agressivos, que às vezes ele faz até contra a mídia, achincalhando veículo de comunicação. E essa turma ficava estimulando, sabe quando você pega um pitbull bravo e você fica assim “pega, pega, pega”? É assim que eles fazem.”

“Eu não conheci o [ex-PM Fabrício] Queiroz [pivô de escândalo envolvendo Flávio Bolsonaro] pessoalmente. Mas o que se comenta dentro do Palácio, mesmo na campanha, era da proximidade extrema do Queiroz com o presidente Bolsonaro. Então, eles eram amigos de longa data. O presidente teme claramente que estoure essa bomba no colo do Flávio Bolsonaro, o que para mim é uma questão de tempo.

E, desde antes, desde quando era líder do governo, eu defendia a investigação. Isso também era um ponto de conflito no governo. Eu não posso afirmar que estava acontecendo [a rachadinha]. O que estou dizendo é que as investigações apontam que, sim, que tem cara, cheiro e jeito de andar que acontecia, vai ter de esperar a conclusão das investigações. Agora, quanto mais o Ministério Público aprofunda, ou a polícia, mais indícios de que realmente aconteceu aparecem.

Eu cheguei a defender uma época, dentro do Palácio, que Flávio se afastasse. Saia, se afasta, abre mão do foro privilegiado, vai embora, vai provar sua inocência, não prejudica mais o seu pai. Porque acaba prejudicando. Como é que um assessor [Queiroz] consegue movimentar tanto dinheiro? E aí tem muitas pessoas dizendo: ‘Olha, eu dava o salário, tinha rachadinha”. Então eu não coloco um dedo mindinho no fogo pelo Flávio, nesse caso.”

“No Senado, o líder tem lá sua experiência, mas também passa por alguns perrengues e, às vezes, estão algumas das posições que eu não tomaria, por exemplo trabalhar contra a segunda instância. Mesmo que o presidente me pedisse, como pediu ao líder do governo no Senado. Eu ia dizer: “Não, obrigada”. Pode botar o meu cargo à disposição, a minha cabeça numa bandeja, porque eu não vou trabalhar contra a prisão em segunda instância. Porque pode ser uma proteção até mesmo num eventual caso do Flávio acabar caindo no meio dessa confusão toda.”

“Por que que a articulação vive aos trancos e barrancos? Por conta das condutas do próprio governo, do presidente.
Eu construía a ponte, ligava lá o Congresso, chegava pertinho do Planalto para a gente ter uma paz, vinha alguém e “bum”, jogava uma bomba. Lá ia eu de novo, corria para a casa do Rodrigo [Maia, presidente da Câmara], para a casa do Davi [Alcolumbre, presidente do Senado], ia às reuniões de líderes tentava acalmar. Mesmo com as pancadas que tem levado do governo, [Maia] tem pautado aquilo que é importante para o governo. Se não fosse o Rodrigo e a atuação desses líderes, desculpe, nada tinha sido aprovado.”

“Entreguei [provas da existência de uma estrutura do governo usada para fake news], para o Supremo [Tribunal Federal]. Pelo que eu saiba, eles estão investigando. Meu depoimento foi sigiloso, então não posso entrar no mérito do que eu falei, mas as provas estão em mãos do Supremo. Eu fui agora na semana que passou e fui ouvida por um grupo que está acompanhando as investigações de fake news e de ameaças contra ministro do Supremo.

[Entreguei] todo o processo de como eu cheguei até lá. Como é que eu consegui chegar àqueles dados todos. Eu mostrei o que tem dinheiro público. Mas não é só dinheiro público porque, por exemplo, quem paga os disparos de robôs? Essa é uma pergunta que tem que ser respondida.”

Joice Hasselmann, 41, Jornalista, se elegeu deputada federal em 2018 pelo PSL de São Paulo, com mais de 1 milhão de votos. Foi líder do governo de Jair Bolsonaro no Congresso até outubro e líder do PSL na Câmara por breve período em dezembro.