ONG contra aborto de menina estuprada recebeu verba de programa de Michelle
O programa Pátria Voluntária, presidido pela primeira-dama Michelle Bolsonaro, repassou recursos para uma ONG contra…
O programa Pátria Voluntária, presidido pela primeira-dama Michelle Bolsonaro, repassou recursos para uma ONG contra aborto que atuou no caso da menina de 10 anos estuprada que teve sua identidade vazada antes de ser submetida à interrupção da gravidez, realizada em agosto deste ano. De acordo com dados divulgados pela Casa Civil via Lei de Acesso a Informação (LAI), o programa repassou R$ 14,7 mil à entidade. Procurada, a presidente da ONG, Mariângela Consoli, disse que não procurou o governo para receber os recursos e que a entidade teria sido indicada por alguém que ela não soube identificar.
O Programa Pátria Voluntária foi criado em julho de 2019 pelo presidente Jair Bolsonaro com o intuito de incentivar ações de voluntariado. Em 2020, no início da epidemia do novo coronavírus, o governo criou o projeto Arrecadação Solidária, um braço do Pátria Voluntária para receber doações de pessoas físicas e jurídicas e repassar recursos para entidades que atuem com populações vulneráveis durante a epidemia. O dinheiro é direcionado à Fundação Banco do Brasil (FBB), responsável por fazer os repasses às entidades beneficiadas.
A Associação Virgem de Guadalupe foi uma das entidades que recebeu recursos do projeto. É uma organização católica criada em 2013 e que, em sua página na Internet, se identifica como “pró-vida”, ou seja, contra o aborto. Ainda de acordo com o site, a presidente da associação, Mariângela Consoli, diz que a entidade “faz parte de uma rede de homens e mulheres” com “um só objetivo: proteger mães e filhos do aborto provocado”. A entidade é recomendada por redes contrárias ao aborto em casos semelhantes aos da menina do Espírito Santo.
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Em agosto deste ano, sua presidente, Mariângela Consoli, fez parte de um grupo que se reuniu com autoridades capixabas e do município de São Mateus, onde vivia a menina de 10 anos que engravidou após ser estuprada pelo tio. As reuniões ocorreram enquanto o destino da menina e do feto era definido pela Justiça. Mesmo com autorização judicial, a garota teve de ir a Pernambuco para realizar a interrupção da gestação.
Segundo reportagem publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, Mariângela participou e uma reunião na sede da Prefeitura de São Mateus om autoridades locais que teria sido articulada pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH). Segundo o jornal, Mariângela disse que sua ida a São Mateus fez parte de uma “missão institucional”. De acordo com a Folha, a delegação enviada por Damares atuou para impedir o aborto da menina.
Ao GLOBO, Mariângela confirmou sua participação da reunião. Ela disse que a entidade ofereceu serviços de acolhimento à vítima independente de ela ser submetida ou não ao aborto legalizado.
— O posicionamento (da entidade) é contra (o aborto legalizado), sim, esse procedimento. Mas não temos nada contra quem faz. — afirmou Mariângela.
Sobre a reunião que teve em São Mateus, Mariângela diz que sua entidade ofereceu suporte à garota, mas negou que tenha atuado para impedir o aborto.
— Ninguém nem tocou nesse assunto. Não se falou sobre ela realizar ou não o aborto. Somos uma obra social. Ela estava em situação de vulnerabilidade social. Oferecemos suporte. — disse a Mariângela.
Questionada, mais uma vez, sobre se sua entidade defendeu a manutenção ou a interrupção da gestação da menina, Mariângela disse que não falaria mais sobre o assunto.
— Eu prefiro não tocar mais nesse assunto. A gente já fez o que tinha que ser feito. — afirmou.
Sobre as doações, Mariângela afirmou que foi procurada pela FBB e que os recursos foram utilizados na distribuição de cestas básicas às mães atendidas pela entidade.
— A gente foi indicada não sei nem por quem. — afirmou Mariângela.
Suspeitas sobre repasses do programa
Na terça-feira (29), o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MP-TCU) pediu a abertura de investigações sobre o direcionamento de recursos do Pátria Voluntária. O pedido foi feito após a publicação de reportagens do jornal “Folha de S.Paulo” indicando que ONGs ligadas à ministra Damares Alves teriam recebido recursos do programa e que R$ 7,5 milhões doados pela empresa Marfrig para a compra de testes para Covid-19 foram desviados para o programa abastecendo as doações do Pátria Voluntária.
A reportagem do GLOBO enviou perguntas ao MMFDH, à Casa Civil, à Presidência da República e à FBB.
O MMFDH negou conhecer a entidade Associação Virgem de Guadalupe e disse que não a convidou para participar de reuniões sobre o caso da menina estuprada em São Mateus.
O ministério disse ainda que não possui ingerência sobre a gestão do programa Pátria Voluntária.
Procurada, a FBB disse que responderia às questões enviadas pela reportagem até as 19h30 da terça-feira, mas no horário marcado, informou que os esclarecimentos sobre o caso seriam feitos por meio de nota a ser divulgada pelo programa Pátria Voluntária.
A Casa Civil também informou que os esclarecimentos seriam feitos por meio da nota. A Presidência da República não enviou respostas. Até o fechamento desta reportagem, a nota não havia sido divulgada.