Partidos descumprem regra de verba de campanha para negros e mulheres
De todos os 33 partidos — o Novo e o PRTB abriram mão do Fundo Eleitoral—, só os nanicos de esquerda PCB e PSTU cumpriram ambas as regras, de acordo com as prestações de contas parciais
A distribuição feita pelos partidos da verba pública de campanha não está cumprindo, até o momento, a regra de divisão proporcional entre homens e mulheres, negros e brancos. Compilação feita pelo DeltaFolha com base na prestação de contas parcial dos candidatos entregue à Justiça Eleitoral mostra que apesar de pretos e pardos somarem 50% do total de candidatos, eles foram destinatários de cerca de 40% da verba dos fundos Eleitoral e Partidário. Os autodeclarados brancos reúnem 60% do dinheiro, apesar de representarem 48% dos candidatos.
Decisão de outubro deste ano do Supremo Tribunal Federal estabeleceu que os partidos devem dividir o dinheiro público de campanha de forma proporcional ao número de candidatos negros e brancos que lançarem. Apesar de a legislação determinar desde 2018 distribuição dos recursos às mulheres na proporção das candidaturas lançadas (neste ano, 33,5%), por ora a maior parte das siglas não cumpriu essa regra. Na média, homens foram beneficiários de 73% do dinheiro.
De todos os 33 partidos — o Novo e o PRTB abriram mão do Fundo Eleitoral—, só os nanicos de esquerda PCB e PSTU cumpriram ambas as regras, de acordo com as prestações de contas parciais.
A observação do cumprimento das regras pela Justiça Eleitoral se dará após as eleições, na análise das prestações de contas finais das siglas e candidatos, mas a proporção de recursos liberadas até o momento, além de mostrar prioridade dos caciques partidários para homens e brancos, deixa negros e mulheres em desvantagem, na média, por ter menor tempo hábil para uso do dinheiro na campanha.
O primeiro turno das eleições está marcado para o dia 15.
“Começou a sair o dinheiro esta semana, mas de forma ainda muito lenta. Avaliamos que houve um grande despreparo dos partidos. Mesmo que saia o dinheiro daqui pra frente, vai ser em um tempo tão nocivo que não vai atingir o objetivo de dar um ‘upgrade’ nas candidaturas de negros no país”, diz o presidente do MDB Afro, Nestor Neto, candidato a vereador em Salvador.
Articulador político do movimento Bancada Preta —que visa estimular o aumento da participação de negros em postos políticos de comando—, Eduardo Barbosa, conhecido como Bob Controversista, afirma que já há discussão sobre como mobilizar instituições e Ministério Público para que a lei seja cumprida.
Ele cita que uma das candidaturas a vereador priorizadas pelo grupo, por exemplo, a de Paulão (PT), em Francisco Morato (SP), recebeu apenas R$ 2 mil, na última quarta (28), a pouco mais de 15 dias das eleições. “É inadmissível demorar tanto para chegar e, quando chega, vem desse jeito.”
Na última terça-feira (27) o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso, promoveu mais uma reunião com dirigentes partidários para discutir as eleições. O encontro virtual foi pautado mais uma vez pelas reclamações das siglas sobre as cotas de gênero e racial. Sobre essa última, a principal crítica é a de que a Justiça a adotou em cima da hora, não possibilitando aos partidos se preparar.
Apesar de a necessidade de repassar o dinheiro proporcionalmente ao número de mulheres candidatas vigorar desde 2018, o presidente do PSL, Luciano Bivar, disse a Barroso, segundo relatos feitos à Folha, que o partido tem dificuldade de encontrar candidatas mulheres para cumprir a exigência.
Bivar foi indiciado pela Polícia Federal sob suspeita de comandar em Pernambuco, em 2018, esquema das candidaturas laranjas, mulheres lançadas com o único intuito de desviar verba da cota de gênero. O caso foi revelado pela Folha.
Em entrevista à Folha, na época, Bivar afirmou que a política “não é muito da mulher”.
Em reunião anterior, os dirigentes partidários disseram que o cumprimenbto da cota racial, decidida de última hora, é “inexequível”. Na ocasião, Barroso disse compreender a dificuldade. “O que posso sugerir é que, de boa fé, tente se cumprir a decisão.”
Eventual descumprimento ou desvios dessas cotas podem resultar em punições na área eleitoral —como cassação de chapas eleitas, multas e bloqueio de repasse de verbas— e criminal.
Os fundos Eleitoral e Partidário são a principal fonte de financiamento dos candidatos, com orçamento total em torno de R$ 3 bilhões neste anos.
Entre os principais partidos, aqueles que mais concentraram os repasses de verba eleitoral pública em candidatos brancos foram PDT (77%), PSDB (76%), PL (67%), PSL (65%) e MDB (65%).
Só seis partidos distribuíram, até a prestação de contas parcial, recursos na proporção dos candidatos negros lançados ou acima: cinco nanicos (PCB, PTC, PSTU, UP e Avante) e o DEM.O partido presidido pelo prefeito de Salvador, ACM Neto, tem como principal destinário da verba pública da sigla o seu vice e candidato à sua sucessão, Bruno Reis, que se declara pardo.
No caso das mulheres, os partidos com menor repasse proporcional de verbas, entre os grandes, são DEM (19%), PSB (20,5%), PSDB (22%) e MDB (23%).
Doze estão cumprindo a regra —PMN, PCB, DC, PSTU, Podemos, Pros, PV, PC do B, PSOL, Cidadania, PSC e PMB.
Esse último, o Partido da Mulher Brasileira, é o campeão, com 71%, mas graças apenas ao repasse para a candidatura da própria presidente da sigla, Suêd Haidar, que disputa a prefeitura do Rio e foi destinatária de um quarto de toda a verba nacional do partido, R$ 300 mil. Haidar não tem nem 1% das intenções de voto, segundo pesquisa do Ibope divulgada nesta sexta-feira (30).
Conforme a Folha mostrou na última semana, há uma enorme concentração do dinheiro público de campanha em poucas mãos. Até aquela data, menos de 1% dos cerca de 550 mil candidatos havia recebido algum aporte dos fundos.
A prestação de contas parcial, cujo prazo de entrega encerrou-se no dia 25, trata da aplicação de dinheiro público da ordem de R$ 800 milhões. O projeto 72horas, que acompanha os dados relativos aos fundos, informava que até a sexta-feira (30) esse valor havia subido para R$ 976 milhões, mas o padrão de distribuição continuava similar à das prestações entregues uma semana antes: 73% da verba para homens, 62% para brancos.
Legendas dizem que estão empenhadas em cumprir as cotas
Em nota, o PSL afirmou que ao final irá cumprir as cotas e que eventuais atrasos ocorrem devido ao sistema de controle montado pelo partido.
“Seguindo as normas de compliance interno, o PSL definiu uma série de requisitos para que os recursos sejam liberados. Cada diretório estadual precisa encaminhar uma lista dos candidatos locais, com um requerimento de recursos e um recibo comprovando o repasse dos mesmos. No caso das candidatas mulheres, elas necessitam ainda preencher um documento confirmando que são candidatas por livre e espontânea vontade. E no caso das candidaturas de negros e negras, é preciso também preencher um documento reconhecendo a etnia, como previsto na legislação eleitoral”, afirma a sigla.
Sobre a reclamação de Bivar da falta de candidatas, o partido afirmou que “a intenção e o esforço do PSL são no sentido de cumprir integralmente o financiamento eleitoral previsto pelo sistema de cotas” e que se isso não for possível o partido “vai reduzir o repasse para as candidaturas de homens e brancos e devolverá os recursos aos cofres públicos”.
O MDB disse nesta sexta (30) que já repassou aos diretórios estaduais, responsáveis pela distribuição aos candidatos, R$ 134 milhões do Fundo Eleitoral, sendo 48% para mulheres e 40% para negros. “O MDB trabalha para cumprir as metas de distribuição de recursos, de acordo com a legislação. O partido entende que as medidas adotadas fortalecem a democracia e aumentam a participação de setores da sociedade que, historicamente, foram prejudicados até então.”
O presidente do PSB, Carlos Siqueira, também afrmou que o partido instruiu os direitórios regionais para cumprir ambas as cotas, mas que ainda há muito dinheiro a ser repassado às mulheres e que a aferição da aplicação proporcional dos recursos se dará na prestação de contas final.
Em nota, o DEM afirmou que cumprirá a regra da cota feminina e que a análise dos dados nessa fase da campanha, “além de ignorar a estratégia eleitoral do partido, desconsidera o fato natural de que o maior aporte de recursos ocorre na reta final das eleições, respeitando o desempenho das candidaturas”.
Também em nota a assessoria do PSDB disse que o partido está cumprindo as regras e que “os dados não refletem as autorizações dadas aos estados e lideranças”. A direção nacional do PL afirmou que cumprirá todas exigências legais dentro dos prazos previstos. O PDT não respondeu.