Pastores no MEC

Pastores lobistas foram 127 vezes ao MEC e FNDE no governo Bolsonaro

O caso levou o pastor Milton Ribeiro a pedir demissão do cargo de ministro. Os religiosos também estiveram 35 vezes no Palácio do Planalto desde 2019

Foto: Reprodução - Agência Brasil

Os pastores evangélicos Arilton Moura e Gilmar Santos, pivôs do escândalo do balcão de negócios do MEC (Ministério da Educação), visitaram 127 vezes o Ministério da Educação e o FNDE durante o governo Jair Bolsonaro (PL).

O caso levou o pastor Milton Ribeiro a pedir demissão do cargo de ministro. Os religiosos também estiveram 35 vezes no Palácio do Planalto desde 2019.

O principal destino dos pastores foi a sede do MEC. Arilton esteve 90 vezes na pasta -o equivalente a uma vez por semana, considerando todo o período em que Ribeiro esteve no cargo.

Já o pastor Gilmar, que é chefe de Arilton, esteve 13 no ministério. Os dados foram obtidos pela Folha de S.Paulo por meio da Lei de Acesso à Informação.

A agenda oficial do MEC, porém, registra apenas 34 encontros de ao menos um dos pastores com autoridades da pasta de setembro de 2020 a 16 de fevereiro de 2022.

Arilton foi 21 vezes ao FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). Gilmar, 3. O fundo é ligado ao MEC e responsável pelas transferências de recursos federais da educação a prefeituras.

A Folha de S.Paulo pediu acesso às listas de presença e atas das reuniões. Estes dados não foram divulgados pelo FNDE e MEC.

A pasta e o FNDE foram questionados, mas não responderam à reportagem.

Os pastores Arilton Moura e Gilmar Santos estão no centro do escândalo do balcão de negócios do MEC. Mesmo sem cargos no governo, os dois negociavam com prefeitos a distribuição de recursos do FNDE para obras.

Prefeitos de algumas cidades afirmaram que os pastores pediam propina para intermediar a distribuição da verba. Eles confirmaram essa versão durante audiência na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado.

O caso ganhou novas proporções após o áudio divulgado pela Folha de S.Paulo em que o próprio Milton Ribeiro fala em priorizar os amigos do pastor Gilmar a pedido do presidente Bolsonaro.

“Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar”, diz o então ministro na conversa em que participaram prefeitos e os dois religiosos.

“Porque a minha prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar”, diz o ministro.

O agora ex-ministro e os pastores negam qualquer irregularidade. Os três também foram procurados, mas se mantiveram em silêncio.

Os dados repassados pelo MEC registram o local de destino dos pastores: 42 visitas de Arilton foram marcadas de forma genérica para “outro destino”, enquanto 38 para o gabinete do ministro.

Ele também teria ido oito vezes para a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. Ainda visitou a Secretaria-Executiva da pasta em uma oportunidade e a Assessoria de Comunicação Social em outra.

O secretário-executivo do MEC no período dessas visitas era o atual ministro da Educação, Victor Godoy Veiga.

O pastor Gilmar foi 11 vezes ao gabinete do ministro. Visitou uma vez “outro destino” e outra a Assessoria de Comunicação Social.

A primeira visita do pastor Arilton ao MEC ocorreu em agosto de 2019, quando Abraham Weintraub era ministro. Há mais um registro sob Weintraub, em setembro do mesmo ano –não há indicação de quem o recebeu na pasta.

Milton Ribeiro assumiu o MEC em 16 de julho de 2020 e, em setembro daquele ano, aparece o primeiro registro de Arilton na agenda oficial. Na lista de entradas, no entanto, só surge no mês seguinte.

O último registro oficial de Arilton no MEC foi em 4 de março de 2022. Ele entrou 47 vezes pela entrada privativa da pasta.

Segundo os dados repassados no pedido de Lei de Acesso à Informação, Gilmar fez a primeira visita à pasta em dezembro de 2020. Na agenda oficial, ele esteve com Ribeiro já em outubro. A última teria ocorrido em dezembro do ano seguinte.

Após a divulgação de áudio em que diz priorizar amigos do pastor Gilmar a pedido de Bolsonaro, Milton Ribeiro afirmou ter levado à CGU (Controladoria-Geral da União) denúncia a respeito de uma suposta atuação indevida de pastores em agosto do ano passado.

O ex-ministro afirmou à TV Record, em 24 de março, que teria recebido o pastor Arilton “uma ou duas vezes depois da denúncia” e acrescentou que chegou a proibir que ele fosse ao MEC. Os dados oficiais negam o relato.

A CGU recebeu ofício do MEC sobre denúncia envolvendo Arilton em 27 de agosto. Depois disso, o ex-ministro recebeu outras 13 vezes o pastor Arilton em seu gabinete, enquanto Gilmar fez 3 visitas.

Além de visitar o MEC e o Planalto com frequência ao longo dos últimos anos, os pastores também acompanhavam o ministro e presidente do FNDE, Marcelo Lopes da Ponte, em viagens para encontros com prefeituras.

Em maio passado, por exemplo, estiveram em Centro Novo (MA), município de 22 mil habitantes. Ambos é que organizaram essa agenda com a cúpula da Educação do governo Bolsonaro, integraram oficialmente a mesa da solenidade, inclusive com falas, como se fossem integrantes da gestão.

Os pastores também foram com Milton Ribeiro a Nova Odessa (SP), em agosto passado, em evento que reuniu diversos prefeitos da região. Ainda há relatos de encontros no apartamento do ex-ministro em Brasília, como em 5 de janeiro deste ano, quando os religiosos intermediaram a vista do prefeito de Rosário (MA), Calvet Filho (PSC).

O gestor, que nega irregularidades, gravou vídeo direto da residência de Ribeiro, na Asa Norte da capital federal.

Milton Ribeiro é alvo de inquérito na PF aberto para apurar as suspeitas sobre a atuação dos pastores Gilmar Santos e Arílton Moura na liberação de verbas do MEC e do FNDE.

O ex-ministro pediu demissão do cargo em 28 de março, uma semana após a Folha de S.Paulo revelar a gravação em que ele diz priorizar a liberação de verbas a prefeitos indicados pelos pastores.

Os dois pastores têm proximidade com Jair Bolsonaro desde o primeiro ano do governo.

O governo Bolsonaro chegou a colocar sob sigilo informações sobre reuniões e visitas ao Palácio do Planalto realizadas pelos pastores. No último dia 14, o GSI (Gabinete de Segurança Institucional) recuou e disse que a dupla esteve 35 vezes no Planalto desde o começo do governo.