Planalto fez pedido ao MEC por pastor investigado, aponta email
A Presidência da República solicitou oficialmente ao MEC (Ministério da Educação) que recebesse um dos…
A Presidência da República solicitou oficialmente ao MEC (Ministério da Educação) que recebesse um dos pastores ligados ao presidente Jair Bolsonaro (PL) e suspeitos de atuar em um esquema de corrupção no governo e ainda cobrou retorno da pasta sobre as providências adotadas sobre o caso.
O pedido de reunião ao MEC e a cobrança do Planalto sobre os encaminhamentos estão em email obtido pela Folha. A mensagem, de janeiro de 2021, partiu do gabinete do então ministro da Casa Civil, general Walter Braga Netto, cotado para vice na chapa à reeleição de Bolsonaro.
Em 7 de janeiro do ano passado, o gabinete de Braga Netto encaminhou ao MEC por email uma solicitação de audiência em nome do pastor Arilton Moura para que a pasta avaliasse a “pertinência em atender”. O texto ainda cobra retorno sobre as “providências adotadas por esse ministério”.
Questionados, MEC e o ex-ministro não responderam.
A Casa Civil afirmou, em nota do fim da tarde desta sexta-feira (8), que recebe inúmeros pedidos de reuniões e que o encaminhamento do email ao MEC “não configura qualquer orientação para que determinado órgão atenda à solicitação”.
As mensagens reforçam as suspeitas de respaldo do Planalto para a atuação dos pastores, peças centrais no balcão de negócios do MEC. Em áudio revelado pela Folha em março, o agora ex-ministro da Educação Milton Ribeiro disse que priorizava pedidos dos pastores sob orientação de Bolsonaro.
Os pastores Arilton Moura e Gilmar Santos negociavam, desde o início de 2021, a liberação de recursos federais da Educação com prefeitos, mesmo sem cargo no governo.
Ambos foram presos em 22 de junho, assim como Milton Ribeiro, um ex-assessor do MEC e o genro de Arilton -todos acabaram soltos no dia seguinte.
A Polícia Federal apura o escândalo e, na Justiça, o caso foi submetido para o STF (Supremo Tribunal Federal) após indícios de que Bolsonaro haveria interferido nas investigações e avisado seu ex-ministro da possibilidade de operação contra ele.
De acordo com as mensagens obtidas pela Folha, a assessora dos pastores, Nely Carneiro da Veiga Jardim, pede -em email para Casa Civil às 9h47 do dia 7 de janeiro de 2021- “uma audiência com Gen.Braga Netto”.
A assessora dos religiosos insiste, em nova mensagem às 15h13 do mesmo dia, alegando que Arilton tinha um voo já reservado.
Nely atuava como assessora dos pastores e também foi alvo de mandados de busca e apreensão da operação Acesso Pago da PF, que prendeu o grupo. Além de cuidar da agenda dos religiosos, ela abordava prefeitos em nome dos pastores, segundo relatos.
A Casa Civil, por sua vez, encaminha ao MEC, às 17h40, mensagem para que o MEC avalie a possibilidade de receber o pastor. O título da mensagem é: “DERIVAÇÃO: Pastor Arilton Moura, Assessor do Presidente das Igrejas Evangélicas Cristo para Todos”. O presidente da instituição é o pastor Gilmar Santos.
A mensagem saiu do endereço “agendacasacivil@presidencia.gov.br”, sob assinatura da Coordenação de Agenda/ Gabinete do Ministro-Chefe da Casa Civil da Presidência da República”. O email foi enviado para “gabinetedoministro@mec.gov.br”.
Não há informações se Arilton esteve no MEC ou na Casa Civil no dia 7 de janeiro de 2021.
Após essa data, ele volta ao MEC outras quatro vezes no mesmo mês de janeiro, sendo que, no dia 13, já havia presença de vários prefeitos. Os pastores foram 127 vezes ao MEC e ao FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação).
Até 7 de janeiro do ano passado, o pastor já havia sido recebido no MEC em cinco ocasiões, inclusive em 6 de janeiro, dia anterior ao email da Casa Civil. A primeira visita foi em 10 de setembro, dois meses após Milton Ribeiro assumir o cargo.
A frequência dos dois pastores no Planalto, no entanto, remonta aos primeiros meses do mandato de Bolsonaro. Há registros de 45 entradas no Planalto, sendo que a primeira visita ocorreu em 16 de janeiro de 2019.
O pastor Arilton esteve 30 dias no Palácio Planalto entre 2019 e fevereiro de 2022. Entretanto, somente cinco visitas dele no local ocorreram após 7 de janeiro de 2021, data do email em que a Casa Civil busca intermediar o encontro no MEC.
Em 10 de fevereiro de 2021, os religiosos organizaram uma agenda no MEC com a presença de cerca de 40 prefeitos. O protagonismo dos pastores na organização desse encontro dentro do MEC foi confirmada à CGU (Controladoria-Geral da União) pela então chefe do cerimonial do MEC.
Bolsonaro compareceu a esse encontro com os pastores no ministério. A interlocutores o pastor Arilton diz que foi ele quem convidou o presidente para essa agenda sob a promessa de que reuniria um número considerável de prefeitos -o que foi atendido por Bolsonaro.
Pessoa de confiança de Bolsonaro, Braga Neto respondeu pela Casa Civil entre fevereiro de 2020 e março de 2021, quando assumiu o Ministério da Defesa. Ele deixou a pasta em março deste ano sob a expectativa de ser o vice de Bolsonaro nas próximas eleições.
O escândalo do MEC envolvendo os pastores abriu uma crise no governo meses antes da eleição que Bolsonaro tenta se reeleger. O episódio fez com que o presidente mudasse o discurso de que não há corrupção no governo.
Uma CPI para investigar o balcão de negócios do MEC foi instalada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) nesta semana. Mas, após pressão do governo e acordo com líderes partidários, foi combinado que os trabalhos só começam apos as eleições.
O líder da oposição e autor do requerimento da CPI do MEC, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), ingressou na tarde desta sexta com pedido no STF para que Braga Netto seja ouvido nas investigações. “Os fatos são gravíssimos e merecem investigação célere e a devida punição”, diz o documento.
“Cada dia que passa fica mais claro por que não querem instalar de imediato a CPI do MEC”, publicou o senador no Twitter.
A organização de eventos do MEC com a presença do ministro é parte importante das investigações.
Foi a partir das tratativas de um encontro em Nova Odessa (SP), em 21 de agosto, que houve a identificação de pagamentos de R$ 67 mil para o grupo dos pastores, incluindo uma transferência de R$ 20 mil para o ex-assessor do MEC Luciano de Freitas Musse.
Musse era do grupo dos pastores antes de ser nomeado por Ribeiro, em abril de 2021. Isso ocorreu porque o MEC não conseguiu nomear o próprio Arilton, como a Folha revelou.
Ao menos 9 eventos foram organizados pelos pastores, sendo no ministério e o restante em outras cidades. A PF indica que o agora ex-ministro “conferia prestígio da administração pública à atuação dos pastores”.
A presença de Bolsonaro no encontro de fevereiro de 2021 fortaleceu essa imagem, segundo relatos de dois prefeitos presentes no encontro, sob anonimato.
O relatório da CGU sobre o caso indica que servidores da Educação teriam alertado Ribeiro sobre a atuação dos religiosos. A chefe da assessoria de agenda do gabinete do MEC, Mychelle Braga, disse que “nenhuma pessoa ou outra autoridade esteve naquelas dependências com a frequência do pastor Arilton”.
No áudio revelado pela Folha e que levou à sua queda da pasta, Milton Ribeiro fala também em pedidos de apoio e que eles seriam destinados para a igreja. Prefeitos relataram pedidos de propina até em barras de ouro. A atuação dos pastores junto ao MEC foi revelada anteriormente pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Um empresário que participou do encontro em Nova Odessa (SP), e que denunciou o assédio dos pastores, disse que Arilton pediu R$ 100 mil a título de “doação missionária”. Dessa tratativa é que foram transferidos R$ 67 mil para Musse, Helder Bartolomeu e Wesley Costa de Jesus, genros de Arilton e Gilmar, respectivamente.
Ao se defender das denúncias, Milton Ribeiro diz que ele próprio determinou o encaminhamento à CGU de denúncia sobre Arilton vinda deste empresário, em agosto de 2021. Ele também disse ter se afastado do pastor, o que não confere com a agenda pública.
Além disso, houve a venda de carro entre Ribeiro e Arilton em fevereiro de 2021. A negociação é citada como suspeita nas investigações.
O episódio também representou uma modulação no discurso de Bolsonaro a respeito de Milton Ribeiro, que também é pastor e, por isso, foi escolhido para o cargo como forma de aceno à vase religiosa que apoia o governo.
Após dizer que “botava a cara no fogo” por Ribeiro, Bolsonaro declarou que o ex-ministro é que deveria responder por seus atos.