Planalto põe militares e nome do PSL em comissão sobre mortos políticos na Ditadura
Criada em 1995 no governo FHC, a comissão foi uma das primeiras medidas de restituição de direitos às vítimas do golpe. Entre suas atribuições, estão o reconhecimento de pessoas desaparecidas e a localização dos seus corpos, quando há indício do local de ocultação ou sepultamento clandestino
Alvo de ataques do presidente Jair Bolsonaro, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) teve quatro de seus sete integrantes trocados nesta quinta-feira (1º) – entre eles, a procuradora da República Eugênia Augusta Gonzaga Fávero, que presidia o colegiado desde 2014. Dos novos integrantes, ao menos dois deles são defensores do regime militar instalado no Brasil entre os anos de 1964 e 1985.
Em decreto publicado no Diário Oficial da União, assinado pela ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, o governo designa para presidente da comissão Marco Vinícius Pereira de Carvalho. Os outros integrantes são Weslei Antônio Maretti, em substituição a Rosa Maria Cardoso da Cunha; Vital Lima Santos, no lugar de João Batista da Silva Fagundes; e Filipe Barros Baptista de Toledo Ribeiro, para ocupar a cadeira de Paulo Roberto Severo Pimenta.
Criada em 1995 no governo de Fernando Henrique Cardoso, a comissão foi uma das primeiras medidas de restituição de direitos às vítimas do regime militar. Entre suas atribuições, estão o reconhecimento de pessoas desaparecidas e a localização dos seus corpos, quando há indício do local de ocultação ou sepultamento clandestino.
O coronel reformado do Exército Brasileiro Weslei Maretti já publicou textos na internet em defesa do regime militar e elogiosos ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o primeiro militar condenado por sequestro e tortura durante a ditadura. Em um texto publicado no Facebook em 2013, Maretti elogiou “o comportamento e a coragem do coronel Ustra”, que, segundo ele, “serviram de exemplo para todos os que um dia se comprometeram a dedicar-se inteiramente ao serviço da pátria”. Além de Maretti, outro militar que passa a integrar a comissão é Vital Lima Santos, que é tenente-coronel do Exército.
O deputado federal Filipe Barros (PSL-PR) também já fez defesa do regime militar em suas redes sociais. Em um post no Twitter publicado em 31 de março de 2019, ele reforçou o discurso de que o golpe militar foi uma “contrarrevolução”, “o dia em que o Brasil foi salvo da ditadura comunista”.
O presidente Jair Bolsonaro justificou a decisão de mudar os integrantes na comissão por sua corrente política. “O motivo é que mudou o presidente, agora é Jair Bolsonaro, de direita. Ponto final. Quando eles botavam terrorista lá, ninguém falava nada. Agora mudou o presidente.”
À reportagem, a ex-presidente da comissão, Eugênia Fávero, afirmou que vê a substituição como represália à sua postura diante dos últimos acontecimentos. “Lamento muito. Não por mim, pois já vinha enfrentando muitas dificuldades para manter a atuação da comissão desde o início do ano, mas pelos familiares. Está nítido que a comissão, assim como a Comissão de Anistia, passará por medidas que visam frustrar os objetivos para os quais foi instituída.”
Segundo ela, a comissão, por ser de Estado e não de governo, vive hoje um “impasse”: ela não é subordinada hierarquicamente ao presidente da República, mas tem estrutura de trabalho no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Na prática, isso significa que o Palácio do Planalto não pode extinguir o colegiado, mas tem poder para esvaziá-lo.
Foi isso que Bolsonaro fez, segundo Eugênia. “Pode entrar e sair governo que ela continua existindo. Mas está incompleta e o grupo de trabalho praticamente foi extinto esse ano. A equipe de identificação de mortos está extinta”, disse.
Santa Cruz
A troca na composição da comissão ocorre após a polêmica envolvendo as declarações de Bolsonaro a respeito da morte de Fernando Santa Cruz, pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz.
Bolsonaro disse nesta semana ter ciência de como Fernando, integrante do grupo Ação Popular, “desapareceu no período militar”. Segundo ele, o militante foi morto por correligionários na década de 1970 – a declaração contraria a lei vigente e uma decisão judicial que reconhecem a responsabilidade do Estado brasileiro no sequestro e desaparecimento do então estudante de Direito em 1974.
Na semana passada, o colegiado reconheceu que a morte de Fernando Santa Cruz foi “não natural, violenta, causada pelo Estado”. No atestado de óbito, consta que ele morreu provavelmente em 23 de fevereiro de 1974, no Rio. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.