Plenário da Câmara irá usar offshore para cobrar de Guedes saída da crise econômica
Aliados de Bolsonaro querem indicação de medidas para retomar emprego, conter inflação e acelerar crescimento
Embora não tenha montado operação de defesa de Paulo Guedes (Economia) após a revelação de que ele tem investimento milionário em uma offshore, o governo Jair Bolsonaro espera conter o enfraquecimento do ministro após ele comparecer à Câmara —que o convocou para prestar esclarecimentos.
A aposta é que o desgaste deve ser reduzido depois de o ministro apresentar as explicações sobre o caso. No entanto, interlocutores do governo afirmam que será mantido o cenário de dificuldade para aprovação de medidas da equipe econômica.
Mesmo aliados de Bolsonaro querem que o ministro dê à Câmara uma indicação do rumo da política econômica e medidas para retomar o emprego, reduzir a inflação e acelerar o crescimento do país. A tarefa de Guedes, portanto, será mais ampla do que falar sobre a offshore.
Uma ala governista no Congresso, inclusive, não crê em um cenário em que o ministro permanecerá até o fim do governo. A crise na economia afeta a popularidade de Bolsonaro, que pretende tentar a reeleição.
Colegas de Guedes e congressistas aliados do governo não vieram a público em defesa do ministro. Reservadamente, membros da ala política afirmam que ele precisa dar explicações sobre a offshore.
Parte dessas autoridades avalia que o ministro está demorando muito para fazer esclarecimentos de forma transparente, em declaração pública, com apresentação de documentos. Até o momento, o ministro apenas se pronunciou por meio de notas.
Na quarta-feira (6), a Câmara aprovou convocação para que Guedes compareça ao plenário, procedimento incomum. A votação teve apoio de partidos da base.
Membros das legendas de apoio a Bolsonaro não pretendem tentar blindar o ministro na sessão que terá sua presença. A visão é que Guedes precisa dar esclarecimentos.
A avaliação é que o chefe da Economia de fato foi beneficiado por guardar recursos no exterior.
Além disso, como o país passa por situação econômica delicada, com escalada da inflação, congressistas afirmam que não estão dispostos a ir à tribuna em defesa do ministro. Por isso, deputados da oposição devem usar a oportunidade para ampliar o desgaste.
O caso da offshore foi usado como gatilho para a presença de Guedes na Câmara em um momento em que o ministro se enfraquece e será cobrado também sobre a condução da economia.
“É um fato relevante [offshore], e o Congresso quer uma explicação. Mas Guedes é muito prestigiado pelo presidente”, disse o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).
O deputado tentou —sem sucesso— transformar a convocação em um convite para Guedes se explicar na Casa. No caso da convocação, a presença é obrigatória.
Mas, mesmo na base do governo, há insatisfação com o ministro por ele já ter cancelado diversas participações em comissões da Câmara. Barros afirmou que Guedes vai se sair muito bem.
“Depois das explicações dele [Guedes], vamos voltar a andar com a agenda econômica. Mas continuamos com questões internas no Congresso em relação a esse assunto, como as questões internas no Senado [que tem analisado as pautas em ritmo mais lento], e as dificuldades que já tínhamos, como na reforma administrativa”, afirmou Barros.
Antes do caso da offshore, o governo já passava por percalços para avançar com a agenda econômica no Congresso. A aposta de líderes governistas é que Guedes consiga virar a página ao ir à Câmara, eliminando um eventual entrave à pauta do ministro no Legislativo.
Caberá a Guedes reconquistar a confiança perdida entre os partidos políticos, afirmam congressistas.
O caso da offshore não é insignificante, mas membros do centrão também se irritaram com atitudes recentes do ministro, inclusive por ter ido apoiar a reforma tributária do Senado nesta semana enquanto o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tentava avançar em uma proposta para amenizar o impacto do aumento do preço dos combustíveis.
Aliados de Guedes afirmam que a defesa do ministro e os documentos apresentados às autoridades deveriam encerrar a polêmica em torno do assunto. Os papéis foram entregues à PGR (Procuradoria-Geral da República) na quarta, antecipando-se a eventuais pedidos.
O principal ponto da defesa é dizer que o ministro não ocupa o cargo de administrador da empresa Dreadnoughts, citada em reportagens da Pandora Papers, desde que assumiu o cargo no governo.
Segundo os advogados, ele está completamente afastado da gestão desde dezembro de 2018.
Na quarta à noite, Guedes disse a jornalistas ao deixar o Ministério da Economia que estava tranquilo diante da convocação para se explicar na Câmara. “Tranquilo, supertranquilo”, afirmou.
Não foram divulgados detalhes como a composição desses investimentos, se a carteira está congelada e se existem mais offshores do ministro.
Também não foi dada uma justificativa para o dinheiro permanecer afastado de diferentes regras da tributação nacional enquanto o país permanece em desequilíbrio fiscal e busca recursos para expandir políticas aos mais vulneráveis, sendo que uma das saídas em discussão são justamente as mudanças nas regras de impostos.
A defesa ressalta que os documentos entregues à PGR são sigilosos.
Sobre o fato de Guedes ter defendido publicamente em julho a retirada da taxação de paraísos fiscais do projeto de lei do Imposto de Renda, o que levantou acusações de conflito de interesse, aliados argumentam que o texto original (que continha o trecho) havia sido entregue pelo próprio ministro ao Congresso no mês anterior. O trecho foi retirado após reuniões entre ele e o relator.
Relator do projeto na época da retirada, o deputado Celso Sabino (PSDB-PA) divulgou que Guedes não pediu a retirada da regra —quando questionado, o parlamentar não esclarece quem sugeriu a alteração.
Em um raro momento de defesa pública de Guedes no Congresso, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) foi à tribuna da Câmara nesta quinta-feira (7) e disse que o ministro não cometeu nenhuma irregularidade.
“Ele perde dinheiro estando no governo”, afirmou o filho do presidente, se referindo à remuneração mais alta que Guedes teria no setor privado.
O argumento não convence integrantes da base do governo, como deputados do PP e do PL, que comandam ministérios ligados à articulação política. Guedes terá de explicar à Câmara as razões para que o dólar tenha subido tanto na gestão Bolsonaro, o que valorizou os recursos do ministro no exterior.
Além de Guedes, outras apurações já revelaram casos de chefes da política econômica de governos anteriores que também possuíam contas no exterior.
Em 2017, vazamento de informações de um escritório de advocacia mostrou que o então ministro da Fazenda Henrique Meirelles era dono de offshores.
Rapidamente, Meirelles apresentou documentação de Imposto de Renda para esclarecer que não participava da gestão das companhias e que os recursos haviam sido declarados à Receita Federal.
Ministro da Fazenda na gestão do PT, Guido Mantega admitiu em 2017 ser titular de uma conta na Suíça não declarada à Receita. Na ocasião, ele, que não era mais ministro, afirmou que jamais pediu ou recebeu vantagem de qualquer natureza enquanto ocupou o cargo.
Guedes e as crises
Setembro de 2019
Guedes demite o secretário da Receita, Marcos Cintra, após a divulgação de estudos sobre recriação da CPMF, o que desagradou a Bolsonaro. O ministro é um defensor da proposta do novo imposto
Abril de 2020
Alas militar e política propõem a criação do Pró-Brasil, plano de retomada econômica baseado em obras públicas. Ideia cria briga interna no governo, por discordância de Guedes, que avaliou deixar o cargo. Ministro da Economia acabou vencendo disputa e plano original foi abandonado
Maio de 2020
Em acordo com Bolsonaro, parlamentares afrouxam regra negociada por Guedes para congelar salários de servidores. Após atritos e insatisfação do ministro, presidente acaba recuando e mantém o congelamento das remunerações
Agosto de 2020
Plano elaborado pela equipe de Guedes para ampliar o Bolsa Família é rejeitado por Bolsonaro. O texto propunha a fusão de programas existentes hoje. Presidente afirmou que não iria “tirar de pobres para dar a paupérrimos”
Agosto de 2020
Com agenda econômica travada, Guedes sofre com debandada de auxiliares. No mesmo dia, pediram demissão Salim Mattar (Desestatização) e Paulo Uebel (Desburocratização)
Setembro de 2020
Proposta em estudo pela equipe econômica de congelar aposentadorias para turbinar programas sociais deixa Bolsonaro furioso. O presidente ameaçou demitir o então secretário de Fazenda, Waldery Rodrigues, que apresentou a ideia em entrevista
Outubro de 2020
Após uma série de atritos nos bastidores, vem a público a briga entre Guedes e o ministro Rogério Marinho. Após Marinho fazer críticas ao colega em evento com investidores, Guedes respondeu e chamou ministro de “despreparado, desleal e fura-teto”
Janeiro de 2021
Bolsonaro se irrita com plano de enxugamento do Banco do Brasil e avalia demitir o presidente André Brandão, indicado por Guedes. Em março, Brandão pede demissão
Fevereiro de 2021
Insatisfeito com a política de reajuste de combustíveis, Bolsonaro intervém na Petrobras e indica general para presidir a estatal. Ação do presidente derrubou o valor de mercado da companhia. Guedes não concordou com a medida, mas disse publicamente que Bolsonaro não cometeu irregularidade
Março de 2021
Impasse sobre o Orçamento abriu crise entre Congresso e Guedes. A proposta, que subestimou gastos do governo para turbinar emendas parlamentares, foi tratada como inexequível pelo ministro. Após uma série de atritos, governo e parlamentares entraram em acordo
Outubro de 2021
Reportagem revela que Guedes é acionista de offshore nas Ilhas Virgens Britânicas. Especialistas veem conflito de interesse e informação amplia desgaste do ministro.