Prisão de hackers pressiona Lava Jato e testa PF sob Moro
Até agora, ainda na avaliação de investigadores, não houve nenhuma descoberta no caso dos hackers que possa ser considerada positiva para a versão de Moro e Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba
Inicialmente comemorada pelo ministro Sergio Moro (Justiça), a operação que prendeu o grupo de hackers na semana passada coloca mais pressão na Lava Jato e vai testar, novamente, a autonomia da Polícia Federal, avaliam investigadores. O material apreendido no computador de um dos presos, Walter Delgatti Neto, pode ser usado, no futuro, em processos da Lava Jato ou em casos de investigação contra autoridades, envolvendo entre elas Moro, hoje chefe da PF.
Em menos de uma semana, a ação da polícia fez o ministro mudar de discurso em relação aos apelos que fazia por perícia nos arquivos obtidos pelo site The Intercept Brasil e provocou mal-estar interno. Reveladas desde 9 de junho em uma série de reportagens inicialmente publicadas pelo site The Intercept Brasil, as mensagens constrangem os envolvidos na maior operação de combate à corrupção da história do país, com bastidores de conversas que mostram colaboração entre juiz e procuradores.
Até agora, ainda na avaliação de investigadores, não houve nenhuma descoberta no caso dos hackers que possa ser considerada positiva para a versão de Moro e Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. A PF ainda não tem nenhum indício de que o material tenha sido vendido, mas trabalha para descobrir se houve algum pagamento.
Além disso, no primeiro depoimento do hacker, o delegado federal Luiz Flávio Zampronha fez pergunta sobre a edição do material e colocou em termo (ou seja, na transcrição oficial do interrogatório) a negativa de Delgatti, que disse não ter manipulado o conteúdo das mensagens.
A resposta é mais um elemento considerado ruim para Moro e Deltan, que vinham se apoiando na defesa de que não podem confirmar a veracidade das conversas. Até o dia da operação, o ministro da Justiça vinha cobrando o jornalista Glenn Greenwald, fundador do Intercept, para que entregasse os arquivos para serem periciados.
Após a informação de que o material havia sido apreendido, Moro mudou o tom. Ligou inclusive para autoridades vítimas para avisar que o conteúdo seria destruído. A assessoria do ministro confirmou que o ex-juiz havia dado esse recado nos telefonemas.
Após a repercussão, a PF teve que se movimentar e, em minutos, publicou uma nota oficial sobre o tema, rechaçando a possibilidade da destruição e esclarecendo o que a lei estabelece: apenas o juiz do caso pode decidir sobre o destino do material apreendido.
A Folha de S.Paulo questionou o ministro do governo Jair Bolsonaro (PSL) sobre sua mudança de discurso em relação à perícia, mas não houve resposta. Em 23 de junho, a Folha começou a publicar, em parceria com o Intercept, material com base nas mensagens trocadas entre os membros da operação. O jornal teve acesso ao pacote de mensagens e passou a analisar seu acervo.
A Folha de S.Paulo não detectou nenhum indício de que ele possa ter sido adulterado. O jornal já publicou sete reportagens decorrentes deste acesso. A Folha de S.Paulo não comete ato ilícito para obter informações, nem pede que ato ilícito seja cometido neste sentido; pode, no entanto, publicar informações que foram fruto de ato ilícito se houver interesse público no material apurado.
Essa não é a primeira vez que a Polícia Federal fica sob pressão em relação a autoridades do governo federal. Em um recente exemplo disso, no ano passado, o chefe da PF deixou o cargo depois de dar declarações que pareciam proteger o então presidente Michel Temer (MDB), investigado no inquérito dos Portos.
O ocorrido é usado como referência para falar sobre o atual momento, como exemplo do que acontece quando alguém tenta interferir no trabalho dos delegados. Fernando Segovia, à época diretor-geral, disse que a tendência era que a corporação recomendasse o arquivamento da investigação, por não haver indícios contra Temer.
O diretor da polícia teve de se explicar ao ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), relator do caso, que entendeu que a fala era “manifestamente imprópria” e poderia se “caracterizar infração administrativa e até mesmo penal”.
Segovia foi tirado do cargo pouco mais de três meses depois de ter assumido e menos de 20 dias após ter dado essas declarações.
Neste domingo (28), a defesa do hacker Delgatti fez uma primeira manifestação formal sobre a prisão do seu cliente.
Em nota, disse que as mensagens obtidas por ele estão resguardadas por “fiéis depositários, nacionais e internacionais”, e reafirmou que foi ele a fonte do Intercept.
“Recentemente, o nosso cliente, no exercício dos direitos e deveres individuais, em condições de plena e estável sanidade mental, confrontado com informações disponibilizadas por via online -de forma gratuita, anonimamente, não divulgadas informações de cunho pessoal, sem quaisquer fins lucrativos- optou por transferir tal material para profissional(is) de imprensa, de reconhecida competência e seriedade, para investigar e averiguar o conteúdo das mesmas”, diz a nota.
“Para todos os fins, registra, por pertinente, que o conjunto das informações está devidamente resguardado por fiéis depositários, nacionais e internacionais”, acrescentou. A nota é assinada em papel timbrado pelos advogados Luís Gustavo Delgado Barros e Fabrício Chaves Lucas, que não autorizaram sua divulgação por meios digitais.
O texto afirma que Delgatti reconhece que a Constituição “obriga a transparência e a publicidade das ações de Estado, sendo assegurado a todos o acesso à informação, resguardado o sigilo da fonte”.