PT quer Jean Wyllys como deputado federal, Suplicy a estadual e candidatos ‘estilo PSOL’
Partido de Lula sonda puxadores de votos e postulantes jovens, mulheres e negros para ampliar bancadas
Alas do PT em São Paulo iniciaram movimentações para convencer o ex-deputado federal Jean Wyllys a disputar uma cadeira na Câmara dos Deputados e fazer com que o vereador Eduardo Suplicy concorra a deputado estadual, em uma ofensiva para que eles atuem como puxadores de votos.
O debate sobre as candidaturas legislativas do partido para 2022 ainda é inicial, mas a intenção é turbinar o lançamento de postulantes com perfil diverso, como mulheres, jovens negros e pessoas LGBTQIA+, a fim de avançar sobre um terreno em que o PSOL abriu vantagem.
Filiado ao PT desde maio, Wyllys renunciou ao mandato de deputado federal pelo PSOL do Rio de Janeiro em 2019 e deixou o Brasil por considerar que ameaças colocavam sua vida em risco. Abertamente gay, o então parlamentar chegou a cuspir no à época colega Jair Bolsonaro, hoje presidente.
Vivendo na Espanha, diz que só retorna ao país para se candidatar se isso for estratégico para a sigla. À Folha ele afirma que o fundamental para a decisão seria principalmente um pedido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que fosse corroborado por outros líderes da legenda com os quais dialoga.
“[Aceito se] entenderem e me convencerem de que minha volta ao Brasil para me candidatar outra vez será algo bom para as pessoas que se sentem representadas por mim e identificadas comigo, com o que defendo publicamente, com minha maneira de ser político”, diz.
O ex-deputado afirma ainda que seria crucial que “o partido e as instituições do Estado” garantissem sua segurança física. “Mesmo que os olhos do mundo inteiro estejam atentos e vigilantes à minha segurança em caso de retorno, isso é estratégico.”
Wyllys também é cotado para concorrer à Câmara pela Bahia, seu estado natal. Recentemente, teve um desenho seu exibido em uma exposição de grafites no paulistaníssimo Minhocão. Só descarta mesmo voltar a fazer campanha política no Rio de Janeiro, onde morava antes do exílio.
Lembrando o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), ele se diz grato aos fluminenses pelas três eleições que venceu (2010, 2014 e 2018), mas afirma que de lá para cá “o estado do Rio foi sendo infiltrado por perigosas organizações criminosas com laços entre si”.
“Cada território é um embrião de Estado à sua maneira, com milicianos, traficantes, sicários, pastores neopentecostais picaretas, fronteiras, munição pesada. […] O Rio se transformou, em meu imaginário, num lugar sombrio, ninho da família Bolsonaro e da estrutura mafiosa das milícias.”
Entusiastas da candidatura por São Paulo projetam um cenário em que Wyllys atrairia uma quantidade de votos suficiente para se eleger e arrastar outros candidatos, caso a legislação que rege eleições proporcionais seja mantida, com a proibição de coligações que estreou no pleito de 2020.
A presença do professor e ex-BBB é vista ainda como aceno às bandeiras de gênero. Ele diz, contudo, que, como “intelectual público e ativista interseccional”, sempre se dedicou a uma pauta ampla.
“O PT e todo o mundo sabem que eu sempre representei muito mais do que a agenda LGBTQIA+. Nunca me restringi a ela, sem, ao mesmo tempo, deixar de contemplá-la.”
Como mostrou a Folha, a campanha de Lula a presidente tenta escapar de armadilhas ligadas à causa identitária, neutralizar discussões sobre costumes e religião e priorizar questões econômicas e sociais. Membros da sigla creem, porém, que disputas a Legislativo manterão a conexão com nichos.
Com Suplicy, a expectativa de dirigentes e militantes é aproveitar o potencial de votação de uma figura popular da sigla e assegurar espaço na Assembleia Legislativa. O PT elegeu dez nomes em 2018 e continuou como segunda maior bancada, mas na legislatura anterior possuía 14 parlamentares.
Vereador mais votado da capital nas duas últimas eleições, Suplicy vem de duas derrotas seguidas para o Senado, onde exerceu mandato por 24 anos. A leitura de pessoas próximas é a de que ele só não admite largar o mandato na Câmara Municipal se for para concorrer a deputado federal.
“Não necessariamente serei candidato, mas isso está em aberto. Ainda é cedo”, diz Suplicy à Folha. “Sinceramente, não estou querendo tomar essa decisão agora. Minha única decisão é a de apoiar o presidente Lula [na campanha nacional] e o Fernando Haddad para o Governo de São Paulo.”
A previsão é que todos os dez deputados estaduais (entre eles, duas mulheres) e os oito federais (todos homens) eleitos pelo PT tentem a reeleição. Um deles é Alexandre Padilha, que diz ver no favoritismo de Lula um trunfo para os demais candidatos da sigla, tanto neófitos quanto experientes.
Projetando um cenário de vitória do ex-presidente e necessidade de base fiel no Congresso, o ex-ministro da Saúde afirma que “a prioridade do partido é ter várias candidaturas de peso e dar espaço para candidaturas novas, que representem as lutas das mulheres e do combate ao racismo”.
“Vejo como algo extremamente positivo. Quem só pensa só em si não pode estar no PT”, diz Padilha, sobre a disputa interna pelas vagas. “Somos um partido que foca o coletivo, que abre as portas para o novo. No meu mandato, busco ter contato com lideranças jovens, debater com todos os segmentos.”
A lista de novatos que dirigentes querem lançar inclui as vereadoras Juliana Cardoso (capital), Thainara Faria (Araraquara) e Paolla Miguel (Campinas), os ex-candidatos a prefeito Pedro Tourinho (Campinas) e Rafael Bruxellas (Franca) e a ex-postulante a vereadora na capital Tamires Sampaio.
Para Tamires, que é negra, feminista, diretora do Instituto Lula e participou de sua primeira eleição aos 26 anos em 2020, o quadro de eleitos pelo partido no próximo pleito será “uma mescla, com 70% de reeleitos e 30% de novos”. E espera que ao menos uma mulher vá para a Câmara pela sigla no estado.
“É muito importante ter chapas com mulheres, jovens, negras, LGBTs, periféricas. Historicamente, essas candidaturas não são prioridade. Isso começou a mudar em 2020, mas antes se falava que elas não davam voto, e por isso não recebiam estrutura suficiente para serem competitivas”, diz.
“Acho que o PSOL, nas eleições legislativas recentes, acabou chamando mais a atenção de um eleitorado de esquerda que queria votar em pessoas com esse perfil. Aí as pessoas votavam nos candidatos majoritários do PT e nos proporcionais do PSOL, que é um partido mais novo”, analisa.
O PSOL paulista fez três deputados federais em 2018 (duas mulheres) e elegeu para a Assembleia, por exemplo, uma mulher negra transexual e um mandato coletivo. Na Câmara da capital, triplicou a bancada (de duas para seis cadeiras), com mulheres, jovens e ativistas das causas negra e LGBTQIA+.
Filiado ao PSOL e porta-voz da ONG Uneafro, Douglas Belchior tem trabalhado por espaço para candidaturas negras nos partidos de esquerda e se reuniu recentemente com Lula e outros líderes petistas para incentivar o apoio. Ele não comenta o rumor de que se filiará ao PT para concorrer.
Na visão de Belchior, “o PT sofreu um desgaste da conjuntura e de uma campanha de desmoralização. O PSOL cresceu nas franjas desse declínio e tem méritos em relação aos avanços de representação, em que pese o fato de as estruturas partidárias seguirem em práticas de supremacia branca”.
Para o historiador, é um erro dissociar as chamadas pautas identitárias de questões estruturais do país, como o desenvolvimento econômico, o combate à desigualdade e a redução da violência. Gênero e raça, por exemplo, estão na raiz dos problemas urgentes quando se fala de segurança pública.
“Existe uma pressão do pragmatismo eleitoral para que os candidatos majoritários se afastem dessas temáticas, o que é um equívoco. A situação racial não é uma pauta identitária quando estamos falando do Brasil, um país onde o componente racial é determinante da formação do país”, afirma.
“O que espero é que haja um avanço em 2022. Essa é a hora de os partidos virarem a chave. O PT, por ser mais antigo e com hegemonia das estruturas internas, tem mais dificuldade de se mover do que uma legenda jovem como o PSOL, mas tê-lo como aliado na luta contra o racismo é fundamental”, diz.