SEMANA DA MULHER

Quantidade de mulheres eleitas regrediu na Alego nos últimos 19 anos

Mesmo com maior número de eleitorado, mulheres ainda são minoria nos cargos de poder no cenário político goiano

Mais uma vez o Dia das Mulheres é marcado pela desigualdade de gênero e baixa representatividade feminina na política em Goiás. (Foto: Ruber Couto/Alego)

Novamente, o Dia das Mulheres foi marcado pelas desigualdades baseadas em gênero em Goiás. Mais um ano em que o 8 de março reforçou a necessidade de reflexão e mudança no cenário político, além de revelar o pouco a se comemorar nesta data. Isso porque, apesar do avanço no diálogo, a baixa representatividade feminina ainda assombra o cenário político goiano. Levantamento feito pelo Mais Goiás mostra que o número de eleitas regrediu na Assembleia Legislativa (Alego), nos últimos 19 anos.

Entre os anos 1999 e 2003, a Casa contava com 7 deputadas. No mandato seguinte, o número aumentou para 9.

De lá para cá, houve regresso. Oito deputadas entre 2007 e 2011; três parlamentares entre 2011 e 2015 e quatro mulheres nos anos de 2015 a 2019. Atualmente, apenas duas deputadas – Lêda Borges e Adriana Accorsi – ocupam cadeiras na Alego.

Dados da Assembleia Legislativa de Goiás. Infográfico: Niame L./Mais Goiás

 

Adriana Accorsi e Lêda Borges, duas únicas representantes femininas na Alego, no atual mandato. (Foto: alego)

Para a cientista política Ludmila Rosa, não há nada que justifique o baixo número de eleitas na Assembleia Legislativa. “Precisamos romper o pensamento de que não estamos prontas. As mulheres estão preparadas, são organizadas e têm atributos que contribuem para a construção de um espaço democrático diverso, com foco na promoção de políticas públicas”, disse.

Número de eleitas em Goiás é ‘pífio’, avalia cientista política

Embora componham a maior parte da população no território goiano – 50,3%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) -, elas seguem sendo menos votadas no Estado. Nas últimas eleições municipais em 2020, por exemplo, 2.409.338 mulheres estavam aptas a votar em Goiás.

Naquele ano, de 881 candidaturas para disputar prefeituras, apenas 106 foram femininas. No que refere-se às candidaturas a vice, somente 177 dos 906 candidatos eram mulheres. No tocante às Câmaras Municipais, menos da metade das candidaturas (8.827) eram do sexo feminino, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O número de eleitas foi ainda menor: 33 mulheres (14,2%) escolhidas para chefiarem o Poder Executivo municipal entre as 246 cidades goianas (veja abaixo). Na capital, o percentual de vereadoras também foi baixo, com 5% dos 35 assentos, sendo elas: Luciula do Recanto (PSD) com 5.982 votos; Sabrina Garcêz (PSD) com 5.891; Gabriela Rodart (DC) com 3.476; Leia Klebia (PSC) com 3.222 e Aava Santiago (PSDB) com 2.865 votos.

Vereadoras de Goiânia, na ordem, de cima para baixo:
Aava Santiago, Luciula do Recanto e Gabriela Rodart.

Vereadoras Sabrina Garcez e Leia Klebia.O cenário, com a baixa representatividade feminina, é o mesmo a nível nacional. Na Câmara dos Deputados, dos 513 parlamentares, apenas 77 são mulheres e somente duas são de Goiás. De igual modo, só 12 senadoras estão entre os 81 eleitos.

Deputadas Federais Magda Moffato e Flavia Morais.

A cientista Ludmila Rosa vê como ‘pífio’ o número de eleitas em 2018 e 2020, em Goiás. Ela argumenta que, não só no Estado, mas no Brasil, há uma realidade de mulheres não votarem em mulheres. Segundo a profissional, raízes históricas, culturais e psicológicas explicam este cenário.

“Em primeiro lugar, não é naturalizado que mulheres exerçam cargos na política. Falta referência. Então, as mulheres acabam não enxergando que uma semelhante pode estar ali. Por vários anos, isso foi tratado como pauta para homens e os serviços domésticos como afazeres femininos. Vejo uma ruptura dessa lógica em termos culturais, mas ainda é preciso avançar”, comenta.

Ludmila ressalta, também, questões culturais baseadas no patriarcado e machismo estrutural, em que são dados poderes para que os homens decidam pela coletividade. “É o homem com uma figura de força e as mulheres de fragilidade, mas sabemos que isso não tem relação genética, mas sim com uma construção puramente social”, destaca.

De acordo com ela, além das questões históricas e culturais, a baixa representatividade feminina em Goiás está ligada a falhas que começam internamente nos partidos políticos. Segundo a cientista, com raríssimas exceções, os cargos de poder dentro das siglas são ocupados por homens.

“Não acho que falta interesse das mulheres para se inserirem nesse cenário. Há uma falta de compreensão das necessidades femininas, que começa dentro dos partidos. Muitas vezes ocorrem escolhas femininas aleatórias para cumprir a legislação da cota de gênero, mas sem nenhuma preocupação com as jornadas e pautas das mulheres, que também são donas de casa e mães”, disse.

Ambiente hostil

Para Fernanda Lucas, secretária judiciária do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO), apesar dos avanços, o ambiente político ainda é construído e destinado ao público masculino. “A gente percebe que o ambiente não está preparado para a rotina e horários das mulheres, que também exercem o papel de donas de casa e mães. Ainda é um ambiente muito patriarcal e retrógrado”, disse.

Segundo ela, para cada avanço há uma resistência e retrocesso dos partidos políticos. Ela cita, por exemplo, as cotas de representação, que estabelecem percentual mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo. De acordo com a secretária, há o avanço, mas, na prática, os partidos constroem ações para burlar a determinação.

“Surgem, então, as candidaturas fictícias. Os partidos começam a buscar nomes só para a assinatura e não para, de fato, inserir as mulheres no cenário. O primeiro passo é coibir a prática com penalidades, que acabam sendo educativas”, disse. Ainda conforme ela, outro caminho seriam as cotas de legislatura, uma reserva dentro do próprio Congresso. “Destinar um número de cadeiras a mulheres no parlamento seria uma transformação que a gente tanto procura”, ressaltou.

Desafios da representatividade feminina

Ao Mais Goiás, a vereadora Sabrina Garcez relata que a participação das mulheres na esfera política é uma construção que ocorre há anos, mas, que, segundo ela, “não consegue evoluir”.

Ela ressalta que o baixo número de mulheres eleitas em Goiás remete à história do valor do voto feminino e masculino. A parlamentar lembra que a mulher só teve direito ao voto universal, nos moldes atuais, a partir da redemocratização do país.

“Antes disso, o voto feminino era condicionado a várias questões, como autorização do pai ou marido, por exemplo. As mulheres só começaram a participar da política bem depois, o que acabou refletindo também na configuração da baixa representatividade, falta de condições e um ambiente hostil”, comentou.

Além de questões históricas e culturais, a vereadora aponta que a rotina das mulheres com afazeres domésticos e cuidados com os filhos também afetam a presença feminina no âmbito político. “Culturalmente há uma sobrecarga, com duplas, triplas jornadas. Nos partidos, que são comandados, em sua maioria, por homens, não há entendimento acerca da realidade feminina, o que gera um maior afastamento dessa área”.

Questionada sobre preconceitos já vividos nos mandatos como vereadora, Sabrina conta que teve a competência questionada ao anunciar, em 2017, pretensão em presidir a Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJ). “Fui simplesmente rechaçada. É um machismo velado. Ninguém fala que você é incapaz por ser mulher. Usaram minha pouca idade e suposta falta de experiência, questões não utilizadas para vereadores homens”, disse.

Atraso

Segundo a deputada federal Flávia Morais, o voto feminino possui um atraso de 400 anos em relação ao masculino. “Com certeza existe na história uma cultura de que a política era uma prática para homens e que as mulheres não deveriam estar participando. Então, hoje, mesmo com as regras acerca das cotas partidárias, que tentam impulsionar e aproximar as mulheres da política, nós temos uma dificuldade de inserir e engajar mulheres nesta área.

Para ela, é preciso incentivar a participação feminina por meio de qualificação, candidaturas preparadas e não fictícias. “Precisamos preparar e inspirar mulheres para serem líderes e termos essa representação forte e competitiva. É um trabalho de médio e longo prazo, que já começou a ser feito. Quando temos mulheres em cargos de poder, temos mais garantias de direitos e conquistas importantes e necessárias para o público feminino”.

Mudança de cenário

A secretária judiciária Fernanda Lucas ressalta que o Brasil ainda está muito atrasado com relação à participação feminina na política e acredita que o cenário pode ser melhorado. Para isso, porém, ela será preciso discussões, debates e, principalmente, educação para desconstruir a estrutura patriarcal e machista no âmbito da política.

O pensamento é semelhante ao da cientista política Ludmilla Rosa. Segundo ela, o caminho é longo e cheio de desafios. “O caminho é esse que estamos fazendo. Levantar o debate para gerar inteligência coletiva, levar o assunto para as várias esferas. É preciso insistência e engajamento de lideranças na luta”.

De acordo com ela, também é necessário fazer valer as leis de participação de minorias na política, com fiscalização e penalidades mais severas para grupos que não cumprirem a legislação.

“Os partidos também precisam voltar às origens, para qualificar quadros e a política interna, de modo a atrair, formar e qualificar as mulheres neste processo. São necessários espaços que consigam equalizar todas as arestas, ouvir e ser sensível às demandas femininas”, concluiu.