INVESTIGAÇÕES

Queiroz estaria no Senado se ‘nada anormal tivesse acontecido’, diz Flávio

Em depoimento no procedimento que apura vazamento da Operação Furna da Onça, senador afirma que Fabrício Queiroz ‘sempre foi pessoa de sua confiança’

Flávio destinou R$ 442 mil em auxílio-alimentação a Queiroz e outros na Alerj

Ao prestar depoimento para o Ministério Público Federal (MPF), o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) relatou que a “expectativa” era que Fabrício Queiroz, seu ex-assessor na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), fosse trabalhar com ele após a eleição para o Senado em 2018. Queiroz foi exonerado do gabinete em outubro daquele ano, depois de mais de uma década como funcionário de Flávio. O MPF apura se essa demissão foi motivada porque ocorreu um vazamento de dados da movimentação atípica de R$ 1,2 milhão de Queiroz e que constava das investigações da Operação Furna da Onça. O procedimento foi aberto porque o empresário Paulo Marinho relatou a existência do vazamento.

No vídeo do depoimento ao qual O GLOBO teve acesso, Flávio Bolsonaro foi questionado pelo procurador Eduardo Benones sobre o motivo da exoneração de Queiroz e informado de que o ex-assessor relatou, também em depoimento ao MPF, que pretendia trabalhar com ele no Senado. O filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro confirmou a intenção de Queiroz. O senador relatou que Queiroz iria trabalhar com ele em Brasília caso o escândalo sobre a movimentação atípica dele no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) não tivesse vindo à tona em reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, no dia 6 de dezembro de 2018.

– A expectativa era que ele (Queiroz) viesse comigo mesmo, sempre foi uma pessoa da minha confiança – afirmou Flávio. – Se não tivesse acontecido nada de anormal, como aconteceu, ele provavelmente estaria aqui (Senado) comigo hoje. As coisas foram acontecendo nesse cronograma e explodiu essa situação dele em dezembro, dia 6 de dezembro, obviamente que não tinha mais clima dele ir trabalhar comigo – finalizou Flávio, no depoimento prestado em seu gabinete no Senado.

Em relação à demissão de Queiroz, o senador relatou no depoimento que teria ouvido do ex-assessor que ele queria cuidar da saúde e fazer o processo de aposentadoria da Polícia Militar do Rio. Queiroz é subtenente da reserva da PM e concluiu esse processo em 2018.

– Quando ele (Queiroz) pediu para sair ele me falou duas coisas: chefe, tenho que fazer meu processo de passagem para a reserva da PM… Aí ele reclamou comigo que tava saindo sangue nas fezes dele – contou Flávio ao procurador mencionando o câncer de Queiroz descoberto em dezembro de 2018.

O relatório em que foi apontada a movimentação atípica de R$ 1,2 milhão na conta de Fabrício Queiroz deu origem à investigação do Ministério Público do Rio sobre a prática de rachadinha no gabinete de Flávio na Alerj. Para os promotores que apuram o caso, Queiroz era o operador do esquema que também faria lavagem de dinheiro por meio de imóveis e da loja de chocolates do senador. Queiroz recebeu mais de R$ 2 milhões em 483 depósitos de outros assessores do gabinete. Além disso, os investigadores localizaram imagens de Queiroz pagando despesas pessoais de Flávio em dinheiro vivo. Ele agora cumpre prisão domiciliar em seu apartamento na Taquara depois de ter sido preso na casa do advogado Frederick Wassef, que defendia Flávio na investigação. O senador agora é defendido pelos advogados Rodrigo Roca, Luciana Pires, Juliana Bierrenbach e Renata Azevedo.

Vazamento da Furna da Onça

Na sexta-feira, o “Jornal Nacional”, da TV Globo, divulgou outros trechos do depoimento nos quais Flávio Bolsonaro negou ter conhecimento de vazamentos da operação. O senador confirmou que esteve em reunião na casa do empresário Paulo Marinho em dezembro de 2018, depois da divulgação do relatório do Coaf e disse que o encontro ocorreu porque ele procurava um advogado. A sugestão para procurar Marinho, segundo o próprio senador, foi do presidente Jair Bolsonaro.

– As coisas foram acontecendo como todo mundo acompanhou e eu precisava de um advogado e como eu não tinha recurso para pagar advogado, que essa em tese é uma causa na qual advogado cobra muito dinheiro, aí eu conversei com meu pai, e fui pedir ajuda para o Paulo Marinho porque no nosso entendimento ele era uma pessoa bem relacionada no mundo jurídico – afirmou Flávio.

Flavio negou ter recebido informações vazadas da PF. Quando o procurador afirmou que Paulo Marinho disse que ficou sabendo do vazamento pelo advogado de Flávio à época, Victor Granado, na reunião, o senador afirmou:

– Ele (Marinho), certamente, ouviu uma coisa e entendeu errado – declarou Flávio.

Quando foi questionado sobre o motivo de buscar um advogado, o senador afirmou ao procurador Benones que ‘estavam falando do meu gabinete’.

– Tinha que ter uma pessoa para me defender – afirmou. Na sequência do depoimento, Flávio disse que nunca notou nada de ‘anormal’ no gabinete e que pudesse suspeitar do vazamento.

– Se o senhor (procurador) visse como era meu gabinete, o senhor ia ver como era humanamente impossível perceber alguma coisa. Eram dezenas de pessoas dentro uma sala que nem essa aqui. Não conseguia nem andar direito de tanta gente que ia – afirmou Flávio, ao relatar que recebia muitas pessoas e o ‘gabinete era todo aberto para todo mundo’.