Reforma do governo mexe na estabilidade de servidores em estatais
A proposta de reforma administrativa encaminhada pelo governo ao Congresso altera não apenas as regras…
A proposta de reforma administrativa encaminhada pelo governo ao Congresso altera não apenas as regras do funcionalismo, mas também flexibiliza demissões em estatais. O texto anula leis e acordos que prevejam estabilidade para funcionários de empresas públicas. Segundo especialistas, a regra valeria apenas para contratados após a aprovação da medida.
O regulamento sobre dispensas em companhias públicas é alvo de questionamentos na Justiça há anos. Apesar de serem contratados por meio de concurso público, esses trabalhadores não são considerados servidores, como os que atuam em órgãos do Estado e hoje têm estabilidade. Mas a legalidade de demissões sem um motivo específico, como ocorre no setor privado, está hoje em análise pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Para eliminar essa incerteza, o governo propôs incluir na Constituição uma regra clara: qualquer ato normativo que não se aplique a trabalhadores da iniciativa privada e que preveja a concessão de estabilidade ou “proteção contra a despedida” passa a ser considerado nulo. O comando constitucional também vale para negociações coletivas e individuais.
Na justificativa que acompanha a proposta, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirma que a medida “contribui para o necessário ajuste das contas públicas”. Além disso, escreve, “mantém o respaldo ao preceito constitucional de tratamento equânime entre empresas estatais e privadas”.
Hoje, as estatais têm mais de 476 mil funcionários. Só as estatais dependentes, que precisam de recursos da União para pagar salários e outras despesas, somam 78.867 empregados. Em 2019, as empresas dependentes custaram R$ 20 bilhões aos cofres públicos, segundo o Boletim das Estatais, do Ministério da Economia.
A interpretação sobre a possibilidade de demitir funcionários de estatais varia entre especialistas. Segundo a advogada trabalhista Juliana Bracks, uma orientação do Tribunal Superior do Trabalho (TST) de 2007 estabelece que a dispensa em estatais pode ser feita sem uma motivação específica. No entanto, uma decisão do STF a favor de um empregado dos Correios abriu brecha para questionamentos.
— O TST nunca exigiu um ato distinto da empresa pública para mandar embora. Isso começou a ter repercussão diferente com uma ação dos Correios, em que um empregado entendeu que a companhia tinha uma regra específica, por ter o monopólio estatal de sua atividade. O STF deu ganho de causa, e outros empregados de empresas públicas começaram a entrar na Justiça usando esse acórdão como precedente — diz Juliana.
O advogado Maurício Zockun, sócio do Zockun & Fleury Advogados, e professor de Direito Administrativo da PUC-SP, considera que a orientação do TST está superada por decisões do STF que apontam a necessidade de que a empresa pública tenha motivo específico para demitir.
Como no setor privado
Além disso, ele afirma que a lei 9.662, do ano 2000, estabelece as situações em que empregados públicos podem ser demitidos, como falta grave e insuficiência de desempenho — regras semelhantes às aplicadas aos servidores contratados diretamente pela administração pública:
— Essa emenda (proposta de reforma administrativa) vai causar a revogação desta lei e projetar esses efeitos para todas as esferas, federal, estadual e municipal. De tal maneira que você vai aproximando o empregado público do empregado do setor privado, e o administrador público das estatais possa fazer com o que é feito no setor privado. Ou seja, demitir a qualquer momento.
Em nota, o Ministério da Economia disse que a medida busca definir uma diretriz que deve ser seguida por todos os entes da federação: “O objetivo é que eles (empregados de empresas públicas) tenham, nesse caso, o mesmo tratamento de empregados de empresas privada”.
A medida deve ser questionada por partidos de oposição. Procurada, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), ligada a sindicatos que representam funcionários de estatais, criticou a proposta, principalmente pelas restrições aos termos das negociações. “Limitar o alcance da negociação coletiva é um enorme retrocesso em qualquer circunstância. A negociação é um direito que não pode ser cerceado”, disse, em nota, Sérgio Nobre, presidente da CUT.
O advogado trabalhista Jorge Gonzaga Matsumoto, sócio do Bichara Advogados, vê espaço para que a medida seja questionada na Justiça, porque acordos têm força de lei:
— A força do acordo e da convenção vem também da Constituição, está no artigo 8º. Então, vai ter que emendar (esse trecho) ou fazer alguma coisa nesse sentido.