ELETROBRAS-PRIVATIZAÇÃO

Relator do TCU propõe mecanismo de reestatização da Eletrobras em ‘pílula de veneno’

O relator do processo que trata da privatização da Eletrobras no TCU (Tribunal de Contas da União), ministro Aroldo Cedraz, propõe uma mudança na proposta original que abre espaço para a reestatização da empresa

Eletrobras (Foto: REUTERS/Pilar Olivares)

ALEXA SALOMÃO
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O relator do processo que trata da privatização da Eletrobras no TCU (Tribunal de Contas da União), ministro Aroldo Cedraz, propõe uma mudança na proposta original que abre espaço para a reestatização da empresa, caso o governo federal considere estratégico.

O voto de Cedraz foi disponibilizado para conhecimento dos demais ministros poucas horas antes do julgamento, marcado para esta quarta-feira (20).

A alteração está no trecho que trata da chamada “pílula de veneno” (poison pill, no termo original em inglês).

As “pílulas de veneno” são medidas defensivas comuns no mercado financeiro, tomadas por empresas de capital aberto para impedir que um acionista se torne majoritário repentinamente, com uma oferta hostil. Nesse caso, tenta-se impedir que um novo controlador possa tomar decisões que prejudiquem os demais acionistas.

Na modelagem apresentada pelo BNDES (Bando Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), a nova Eletrobras, após a capitalização em Bolsas, teria a sua “poison pill”. Pela regra proposta, um acionista que venha a ultrapassar determinados limites de participação acionária seria penalizado com a obrigação de realizar oferta pública para a aquisição das quotas dos demais acionistas. O valor dessa oferta seria até três vezes superior à maior cotação histórica das ações no mercado.

Quem teve acesso aos documentos chama a “poison pill” de cláusula anti-Lula, numa alusão ao fato ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas para a eleição à presidente, já declarou que o partido não apoia a operação. Em entrevista a Folha, a deputada Gleisi Hoffmann, presidente do PT, afirmou que, caso o partido vença as eleições e a privatização da Eletrobras tenha sido concluída, o processo seria revisto.

Em seu voto, o ministro Aroldo Cedraz concorda que “poison pill”, como esta redigida originalmente, é importante para evitar uma tomada de controle hostil da Eletrobras por um investidor privado, mas pondera que ela teria um contratempo que não pode ser desprezado: o mecanismo, como proposto, também seria aplicado ao poder público, o que ele não considera adequado.

A avaliação do relator é que o Estado tem assegurado pela Constituição a prerrogativa de retomar o controle da Eletrobras, caso houver uma necessidade estratégica que justifique essa decisão.

Sendo assim, ele propõe a revisão cláusula de “poison pill” de forma a preservar a prerrogativa do governo federal de, a qualquer tempo, reverter o processo de desestatização da Eletrobras, mediante pagamento de valores justos, mas não exorbitantes – aos demais acionistas.
O julgamento desta tarde tende a promover intenso debate na corte.

O ministro Vital do Rêgo Filho anunciou que pretende pedir vista, por entender que precisa de tempo para avaliar o voto do relator, que na sua avaliação foi apresentado encima da hora.

No julgamento anterior, o ministro Rêgo questionou a fórmula de cálculo do valor da estatal, avaliando que empresa valeria R$ 130 bilhões e não os R$ 67 bilhões definidos.

Segundo analistas de mercado, que acompanham os trâmites, o processo precisa ser concluído ainda no primeiro semestre, antes de a campanha eleitoral entrar na fase decisiva e afastar investidores.

Com uma paralisação de dois meses, o julgamento poderia ficar para o final de junho, atrasando o processo inteiro. Após o julgamento no TCU, ainda será preciso seguir o rito de preparação da operação no mercado de capitais. Se os trâmites se prolongarem até agosto, a privatização corre o risco de ficar para 2023.

Maior empresa de energia da América Latina, a Eletrobras é dona ou sócia das mais importantes hidrelétricas do Brasil, como Belo Monte e Furnas, e ainda é responsável por quase 44% do sistema de transmissão do país.

A venda em Bolsas busca diluir a participação da União, que precisa cair de 72% para 45%, arrecadar recursos para pagar outorga ao Estado e transformar a empresa numa corporação. Nenhum acionista poderá ter mais de 10% do total das ações.