Saúde segurou por 4 meses rescisão da Sputnik V, e R$ 693 mi ficaram parados
A gestão de Marcelo Queiroga no Ministério da Saúde segurou por mais de quatro meses a rescisão…
A gestão de Marcelo Queiroga no Ministério da Saúde segurou por mais de quatro meses a rescisão do contrato assinado para a compra de 10 milhões de doses da vacina russa Sputnik V.
O contrato era uma das heranças da administração do general da ativa do Exército Eduardo Pazuello, demitido do cargo de ministro e abrigado em um posto de confiança no Palácio do Planalto.
A pasta, sob Pazuello, emitiu uma nota de empenho de R$ 693,6 milhões para pagar pelas doses do imunizante, que nunca chegaram.
A reserva do dinheiro foi feita em 22 de fevereiro de 2021, antes mesmo da assinatura do contrato com a União Química Farmacêutica, em 12 de março. O dinheiro, que poderia ser usado na compra de outras vacinas, ficou parado desde então.
O Ministério da Saúde não respondeu à Folha se a nota de empenho de R$ 693,6 milhões foi cancelada, que uso será dado ao dinheiro e por que houve uma espera de mais de quatro meses para a anulação do contrato de compra da Sputnik V.
Documentos obtidos pela Folha, por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação), mostram que um parecer da área técnica recomendou a rescisão do contrato em 3 de agosto de 2021.
O documento leva a assinatura do Secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Correia de Medeiros.
A gestão de Queiroga só rescindiu o contrato, de forma unilateral, em 14 de dezembro, mais de quatro meses depois. O ato da anulação foi publicado no DOU (Diário Oficial da União) em 16 de dezembro.
Quando o parecer do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis ficou pronto, recomendando a rescisão do contrato, o governo Jair Bolsonaro (PL) enfrentava acusações de corrupção na compra de outra vacina, a indiana Covaxin, intermediada pela Precisa Medicamentos.
O contrato da Covaxin, para 20 milhões de doses, tinha valor de R$ 1,6 bilhão e foi um dos principais alvos da CPI da Covid no Senado. Diante das irregularidades, foi suspenso ainda em junho e cancelado em definitivo em agosto.
Tanto o contrato da Covaxin quanto o da Sputnik V foram negociados e efetivados pelo coronel do Exército Elcio Franco Filho, secretário-executivo do Ministério da Saúde e braço direito de Pazuello.
Depois de demitido, Franco Filho também foi abrigado no Palácio do Planalto.
A CPI aprovou um relatório final com pedido de punição a 78 pessoas —Bolsonaro entre elas— e a duas empresas, sendo uma delas a Precisa.
O presidente é suspeito de nove crimes na pandemia, entre os quais o de prevaricação, por não ter levado adiante as suspeitas de irregularidades no contrato da Covaxin.
No caso da Sputnik V, que contou com forte lobby junto ao centrão no Congresso, a área técnica do Ministério da Saúde concluiu em agosto que “não há mais necessidade de levar adiante a execução do contrato, devendo ser considerada a rescisão contratual mais conveniente e menos gravosa à administração pública, inclusive com busca de solução amigável”.
Em outubro, o Ministério da Saúde afirmou à Folha que havia apresentado à União Química a intenção de rescindir o contrato. Mas isto acabou não ocorrendo naquele momento, pois havia uma “argumentação [da farmacêutica] em análise pelo ministério”.
Reportagem publicada em 17 de outubro mostrou que R$ 2,3 bilhões para vacinas estavam parados, incluída a reserva para a Sputnik V.
O Departamento de Imunização, com aval do secretário de Vigilância em Saúde, apontou uma “notória mudança de cenário de perspectiva de recebimento de doses”, uma vez que o governo Bolsonaro havia interrompido recusas sucessivas das vacinas da Pfizer e da Janssen.
A área técnica também apontou riscos no cumprimento de condicionantes determinados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para o uso da Sputnik V. A agência autorizou a entrada do imunizante no país sob condições muito específicas, e em quantidades limitadas.
O ministério afirmou ainda, em agosto, existir uma “inércia da empresa representante em protocolar qualquer documentação referente à importação do produto”.
O processo deveria ser remetido à secretaria-executiva e à consultoria jurídica do ministério, para a adoção de providências sobre o contrato.
O termo de rescisão unilateral só foi assinado em 13 de dezembro pelo general da reserva Ridauto Lucio Fernandes, diretor do Departamento de Logística do ministério, e em 14 de dezembro por Franklin Barbosa, coordenador-geral de aquisições de insumos da pasta.
Fernandes assumiu o cargo em definitivo após a demissão de Roberto Ferreira Dias, suspeito de cobrança de propina para aquisição de vacinas contra a Covid-19.
“O contrato está sendo rescindido, unilateralmente, pela não obtenção da autorização para uso emergencial junto à Anvisa”, afirma o termo de rescisão.
“A rescisão não impede a aplicação de eventuais penalidades incidentes ao caso, bem como a apuração de responsabilidade civil e administrativa, em procedimentos específicos, abertos para tal fim e precedidos de regular contraditório e ampla defesa”, cita uma cláusula.
O ministério diz que a garantia dada poderá ser usada para ressarcimento de multas e indenizações, “apenas após finalizada apuração quanto a eventuais sanções ou responsabilidades da contratada”.
Eventuais litígios devem ser resolvidos na Justiça Federal em Brasília.