Senado do Chile rejeita impeachment do presidente Sebastián Piñera
Oposição não obtém maioria na Casa para afastar político em processo ligado a caso Pandora Papers
O Senado do Chile rejeitou na noite desta terça-feira (16) o início do processo de impeachment contra o presidente Sebastián Piñera. Eram necessários 29 votos entre os 43 senadores para que a ação fosse aceita. Até a publicação deste texto, se declararam a favor da abertura 17 parlamentares e contra, 14, com 1 abstenção. Como faltam 11 manifestações, o processo não é mais matematicamente possível.
A ação contra o mandatário chileno está ligada a sua aparição nos chamados Pandora Papers, em um caso que investiga um possível conflito de interesses envolvendo a venda de uma empresa mineradora vinculada a sua família.
O processo foi julgado no Legislativo chileno a poucos dias do primeiro turno das eleições presidenciais, marcado para o próximo domingo (21). Segundo a pesquisa mais recente, do instituto Cadem, quem lidera a corrida é o candidato de ultradireita José Antonio Kast, com 25% das intenções de voto, seguido pelo esquerdista Gabriel Boric, com 19%.
Yasna Provost, de centro-esquerda, tem 9%, à frente de Sebastián Sichel, com 8%. Este último tem visto sua candidatura desinflar como impacto direto do desgaste a que Piñera é submetido com as acusações —o presidente apoia o nome da centro-direita.
Se os resultados das pesquisas se mantiverem, haverá um segundo turno em 19 de dezembro entre Kast e Boric.
Nesta terça, os senadores votaram de modo separado duas questões da ação contra o presidente: a violação do princípio de probidade e o direito de viver em um meio livre de contaminação; e o comprometimento grave da honra da nação.
De manhã, entre 9h30 e 13h30, foram ouvidos os argumentos da acusação e os advogados do mandatário. Os três parlamentares designados para formalizar o processo foram Leonardo Soto (Partido Socialista), Gabriel Silber (Democracia Cristã) e Gael Yeomans (Convergência Social); a defesa foi comandada pelo advogado Jorge Galvéz.
Pesquisa do Instituto Ipsos divulgada na última semana mostrou que 60% dos chilenos se dizem favoráveis ao impeachment do presidente, que tem hoje apenas 20% de popularidade.
O processo de impeachment chegou ao Senado depois de ter sido aprovado pelos deputados, na semana passada, por 78 votos a 67, além de 3 abstenções.
A sessão na Câmara será lembrada também por um fato anedótico: o deputado Jorge Naranjo se viu obrigado a discursar por 15 horas ininterruptas, de forma a estender a sessão até o começo da madrugada do dia seguinte, para que o colega esquerdista Giorgio Jackson pudesse comparecer e votar. Jackson vinha cumprindo quarentena, que se encerrava à meia-noite, por ter estado em contato com alguém infectado com o coronavírus, o candidato à Presidência Boric.
O processo contra Piñera teve início depois da divulgação dos Pandora Papers. A investigação jornalística, comandada pelo ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos), revelou que o mandatário teria realizado uma operação com potencial conflito de interesses envolvendo uma conta offshore nas Ilhas Virgens Britânicas.
A venda da mineradora Dominga, que pertencia à família do atual chefe do Executivo, foi fechada em 2010, ano em que Piñera também ocupava a Presidência do Chile. Segundo a apuração jornalística, o comprador, amigo próximo do político, exigiu que não fosse criada uma área ambiental na zona de operação da empresa, o que atrapalharia a exploração de minério na região.
A transação, que movimentou US$ 152 milhões (R$ 838 milhões), seria dividida em três parcelas, sendo que a última apenas seria liberada caso não fosse estabelecida a área de proteção, requerida por ativistas. Na época, o governo acabou não delimitando a área como zona verde, e o pagamento, portanto, teria sido confirmado. O Ministério Público chileno também investiga o caso.
A defesa de Piñera afirma que o mandatário entregou seus negócios em 2009 a um fideicomisso —mecanismo de cessão temporária de bens para a administração de terceiros. Na realidade, Piñera foi dissociando-se de algumas de suas empresas só depois de críticas e acusações reveladas pela imprensa a partir do início de seu primeiro mandato.
Ainda assim, o presidente afirma que o caso revelado pelos Pandora Papers não está entre eles. A concretização da venda da mineradora, porém, segundo a investigação jornalística, ocorreu nove meses depois da posse.
Além do episódio ligado aos Pandora Papers, que deu origem ao seu processo de impeachment, Piñera enfrenta desgastes de imagem por causa da Assembleia Constituinte, formada após reivindicações de grandes protestos que incendiaram o país em 2019, e por atritos com os povos mapuches.
No mês passado, ele anunciou a militarização de quatro zonas em regiões habitadas por esses indígenas depois que, em um protesto desses povos na capital, uma mulher foi morta em embate com os policiais. Parlamentares da Constituinte pediram uma investigação sobre possíveis abusos cometidos pelas forças de segurança chilenas.
O caso dos Pandora Papers, que vieram à tona no começo de outubro, envolveram também figuras brasileiras. Foram expostos na investigação o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. No caso de Guedes, as investigações apontam que ele abriu, em 2014, uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas em que depositou US$ 9,55 milhões (R$ 23 milhões na época). A empresa foi declarada à Receita.
O Código de Conduta da Alta Administração Federal proíbe funcionários da cúpula do governo de manter aplicações financeiras que possam ser afetadas por políticas governamentais. Depois de Guedes assumir a pasta da Economia, em 2019, a Comissão de Ética Pública, porém, julgou que o caso não configurava conflito de interesses. Já Campos Neto seria dono de uma offshore no Panamá.
Os dois negam irregularidades.