ENTREVISTA

Sociedade não está preparada para carta de alforria a deputado preso, diz Fux

Presidente do STF revela em entrevista bastidores da crise dos últimos dias e conta que foi procurado pelo ministro da Defesa

Liberdade de expressão não comporta "violências e ameaças", diz Fux sobre atos de 7 de setembro (Foto: Reprodução / Agência Brasil)

O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luiz Fux, afirmou que manifestações como as do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), com ataques e ameaças a ministros da corte, serão “repugnadas” de maneira coesa pelo plenário do tribunal. “Venham de onde vierem”, disse.

Fux recebeu a Folha, nesta quinta-feira (18), em seu gabinete, um dia depois da sessão do Supremo que manteve, por 11 votos a 0, a prisão de Silveira decretada em flagrante na terça (16) pelo ministro Alexandre de Moraes.

O presidente do STF contou detalhes dos bastidores da decisão que levou o parlamentar bolsonarista à prisão e também do julgamento que vetou a reeleição no Congresso Nacional, em dezembro passado.

Segundo o ministro, ele mesmo havia decidido prender Silveira, mas optou por consultar Moraes, relator dos inquéritos contra os atos antidemocráticos e das fakenews.

Fux disse que a sociedade não espera “uma carta de alforria” da Câmara a favor do parlamentar bolsonarista. Os deputados marcaram para as 17h desta sexta (19) a votação para manter ou revogar a prisão.

O presidente do STF ainda revelou que recebeu uma mensagem do ministro da Defesa, Fernando Azevedo, dando explicações sobre a recente revelação de que o general Eduardo Villas Bôas articulou com a cúpula do Exército um tuíte de alerta ao Supremo antes do julgamento de um habeas corpus que poderia beneficiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2018.

“O ministro Fernando me disse para não deixar criar uma crise nisso”, disse Fux.

​Qual o simbolismo da sessão que manteve a prisão do deputado por 11 a 0? Almejo sempre conseguir um resultado fruto do colegiado, de forma coesa. Era uma questão que deveria ser decidida de maneira objetiva e sem excessos verbais para que não desse margem a interpretação. Então tive contato com os colegas e pedi que votássemos de maneira bastante sucinta, ainda que na divergência. E houve consenso de que realmente aquela fala [do deputado] era extremamente agressiva contra a instituição, os valores democráticos e que merecia uma atuação pronta do STF.

O senhor já sabia desse placar? Houve um consenso antes nos bastidores? Não. Debaixo da toga bate o coração de um homem igual a vocês. Então era previsível que tivesse havido uma grande indignação. Ministro não combina voto. Mas quando liguei e mandei mensagem para os colegas, a resposta era: serei sucinto, cada um com o seu ponto de vista e a sua independência. Era referendar ou não.

É um belo exemplo de que a corte é unida na defesa da democracia, do republicanismo e dos valores morais eleitos pela Constituição. Então esse recado foi muito importante no sentido de que, venham de onde vierem, manifestações dessa ordem serão repugnadas de maneira coesa, pronta e célere pelo Supremo.

Noticiou-se que, antes da decisão do ministro Moraes pela prisão do deputado, vocês conversaram entre si. Como foi isso? Recebi esse vídeo, era terça-feira (16) de Carnaval e estava no plantão. A primeira sensação foi de extrema indignação e me veio à mente que o Alexandre é o relator dos processos contra atos antidemocráticos e contra ofensas [fakenews]. E ali havia incitação a delitos de violência, imputação de calúnia, difamação de todos os ministros.

Então liguei para o Alexandre e disse que estava respondendo pelo feriado e meu intento era efetivamente decretar a prisão, mas que isso poderia soar um ato isolado meu. Aí eu disse: “Alexandre, estou no exercício, vou decretar a prisão dele, mas acho que é mais compatível com a sua prevenção de competência porque você cuida de processos de atos antidemocráticos etc”. E ele falou: “não, tudo bem, deixa comigo”. E falei para me avisar quando terminar porque achava que isso teria que ser feito no dia.

Eu e Alexandre temos um excelente relacionamento. Ele concordou, concluiu, e me ligou já de noite. Então foi assim que funcionou, e aí convoquei o plenário.

O senhor esqueceu o nome do deputado na hora de declarar o resultado. Foi de propósito, um recado de que o considera inexpressivo? Vocês podem inferir como entenderem melhor.

A crise que levou à prisão do deputado foi precedida pelas recentes revelações do general Villas Bôas, em um livro, sobre o julgamento do ex-presidente Lula no STF três anos atrás e uma resposta do ministro Edson Fachin no começo da semana. Como viu essa questão? Esse livro retrata uma manifestação pretérita que recebeu [na época] uma manifestação irretocável do decano Celso de Mello. Ninguém podia mexer naquela resposta. Esse livro surgiu anos depois e aí o ministro Edson Fachin resolveu também fazer sua manifestação.

E mais adiante, o ministro da Defesa [Fernando Azevedo] entrou em contato comigo, tenho até uma mensagem enviada por ele, dizendo a mim o seguinte: “ministro Fux, nós não queremos potencializar essa notícia porque na verdade foi declaração isolada do ministro Villas Bôas no momento de fazer sua biografia, não há nenhuma concordância das Forças Armadas em relação a pressão sobre o Supremo”.

E o que é mais importante ainda é que o Supremo não funciona com pressão. É até afrontosa uma pressão.

O general Villas Bôas teria discutido aquela mensagem dele no Twitter com integrantes do Alto Comando em Brasília, o que dá a entender que teria conversado a respeito com o atual ministro da Defesa, na época chefe do Estado-Maior. Pois é, mas aí pela mensagem que tenho no meu celular, que me foi enviada pelo ministro, após a revelação do livro, o ministro Fernando me disse para não deixar criar uma crise nisso.

Ele falou que não houve nenhuma reunião de comando militar para tratar de eventual resultado de julgamento do Supremo para reagir a isso. Vou ler o que me mandou [Fux pega o telefone e começa a ler a mensagem]: “em todas as minhas notas como ministro da Defesa reafirmo o compromisso das Forças Armadas com a democracia e a Constituição de 1988. As Forças Armadas estão voltadas para o cumprimento das suas obrigações legais”.

A prisão do deputado foi dada no âmbito do inquérito das fake news e muito discutida por especialistas pela questão do flagrante, algo inusitado, e sem pedido da PGR. Com essas ações heterodoxas, como o inquérito das fake news, uma coisa nova, o STF não está lançando mão de medidas polêmicas? Precisa disso? Não se pode viver num país em que pessoas usufruam da liberdade de expressão para atacar as instituições, a democracia, os valores morais da nossa Constituição.

O conteúdo [do vídeo] foi um conteúdo inadmissível, e se o STF não tivesse tomado nenhuma providência, manifestações piores adviriam. Então, por outro lado, juridicamente o vídeo estava viralizando, isso significa dizer que crimes praticados estavam em estado de flagrância. A lei prevê que determinados crimes são considerados permanentes, enquanto não cessa a viralização o crime está sendo cometido.

O que isso pode significar na tensão entre Câmara e Supremo? O fato foi tão grave que não há nenhum campo para se especular sobre o que pode se fazer se isso eventualmente abalar as relações entre a Câmara e o Supremo. Tenho a impressão de que a própria Câmara não quer contar com um player que tenha esse tipo de comportamento porque de alguma forma contamina a Casa toda.

Se a Câmara derrubar a prisão vai ser um mau sinal para a sociedade? Se a Câmara derrubar, estará agindo de acordo com o que a lei permite e o que a jurisprudência do STF consagrou.

A jurisprudência do STF admitiu que a Câmara pode, dentro da sua competência constitucional, derrubar. No meu modo de ver, o Supremo vai respeitar essa decisão.

Agora, a sociedade é leiga, a sociedade não conhece essas minúcias constitucionais. Eu acho que a sociedade tem uma capacidade de julgar imediatamente quando os atos são assim tão graves. Então eu acho que a sociedade não está preparada para receber uma carta de alforria em favor desse paciente.

Há possibilidade de o Supremo trocar a prisão por cassação de mandato ou algo nesse sentido? O Supremo acabou com seu ofício. Agora o problema está com a Câmara, que dentro da Constituição pode fazer o que entender mais adequado. Acho que o Supremo não tem mais nada a fazer sobre esse caso.

Na abertura do ano Judiciário muita gente interpretou que o senhor mandou recado ao presidente Jair Bolsonaro ao citar os negacionistas da pandemia. Tenho um relacionamento institucional com ele, um relacionamento respeitoso, mas um relacionamento que procura preservar a independência entre os Poderes. Harmonia entre os Poderes não é intimidade. Naquele discurso, fiz o exercício da minha independência.

Mas o senhor sabia que o discurso ia ser interpretado como um recado ao presidente, não? Evidentemente, mas preparei aquele discurso em homenagem às vítimas para passar para a sociedade o recado do Supremo. O Supremo tem se dedicado a todos os casos que gravitam em torno da pandemia. Nós inclusive estamos internacionalizando a jurisprudência da pandemia. Estamos exportando jurisprudência sobre a Covid.

O senhor não se arrepende de ter feito uma cerimônia presencial de posse, sendo que dias depois ao menos oito autoridades, incluindo o senhor, foram diagnosticadas com a Covid-19? Não foi um erro? A cerimônia foi antecedida de pareceres técnicos e médicos. No auditório que cabiam 400 pessoas, só puderam ser ocupados 47 lugares. Todo mundo de máscara, com medição de temperatura, álcool em gel e nenhum ministro se contaminou.

A posse foi quinta-feira e na segunda comecei a me sentir mal e fui ao hospital. O que ouvi dos especialistas é que havia no auditório pessoas talvez assintomáticas, mas contaminadas, no mínimo 15. Todos os cuidados foram tomados. Me preocupei com isso, sou um homem público e tenho responsabilidade.

Como o senhor interpretou o fim da força-tarefa da Lava Jato? A Lava Jato está dentro da ideologia do STF de combate à corrupção. O combate à corrupção não se limita à Lava Jato, tivemos mensalão, agora Lava Jato, operações em vários lugares. Considero a Lava Jato uma das operações mais exitosas de combate à corrupção que já ocorreu no mundo. E por que a Lava Jato não vai acabar? Porque tem provas imensas.

O fato de colegas não terem saído de recesso em janeiro foi interpretado como uma forma de tirar seus poderes no plantão. O senhor se sentiu enfraquecido? Me senti fortalecido, não enfraquecido, porque em primeiro lugar não foi inédito, alguns ministros já faziam isso. Me senti fortalecido porque eles colaboraram com a minha presidência.

O senhor falou em ficar fortalecido no recesso, mas isso ocorreu após o julgamento sobre a possibilidade de reeleição no Congresso. O senhor rompeu um acordo com os colegas para permitir a recondução dos ex-presidentes Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Rodrigo Maia (DEM-RJ)? O Supremo não é lugar de ministro fazer acordo. Aqui o que pode haver é convergência de opiniões. Se alguém fez acordo e não entregou o problema não é nosso.

O que fazemos por vezes em casos sensíveis? Distribuímos os votos. Então houve distribuição do voto do ministro Gilmar Mendes para que fosse pensado pelos demais colegas. Mas no momento do julgamento [virtual] houve votação imediata de muitos ministros [a favor da reeleição de Maia e Alcolumbre] e aquilo ali deu a impressão de que estava todo mundo de acordo, mas na verdade não era isso.

Por exemplo, surgiu uma primeira ideia de devolver para eles [Congresso] porque o problema era deles. Depois começamos a pensar “espera um pouquinho, se está no Supremo, se Supremo é guardião da Constituição, tem que dar alguma palavra sobre isso”. E para decidir aí num tribunal constitucional eu como presidente não posso negar vigência à Constituição.

O senhor mudou de voto no fim de semana? Porque saíram no domingo à noite [6 de dezembro] os votos do senhor, de Barroso e Fachin ao mesmo tempo? Como os votos foram muito imediatos, começou a haver uma manifestação depreciativa do Supremo de que aquilo ali seria o consenso e eu efetivamente pedi aos colegas que julgassem logo os que não estavam de acordo com aquilo, porque a especulação depreciativa sobre o Supremo me incomoda. Mudei de opinião no sentido de que queria devolver [ao Congresso], achava que era aquele negócio de interna corporis. Mas depois vi que cláusula constitucional estava em jogo. ​

Raio-X

O presidente do STF, Luiz Fux (Foto: Reprodução / Agência Brasil)

Luiz Fux
67 anos, ministro do STF desde 2011, foi indicado à corte pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Doutor em direito pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Juiz de carreira, foi magistrado de segunda instância e ministro do STJ antes de chegar ao STF